Mundo dos Sonhos escrita por Trezee


Capítulo 18
O interrogatório, a preocupação e Babolat.


Notas iniciais do capítulo

=D



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Ficamos assim, até eu estar completamente calma. Ele então se afastou um pouquinho para poder ver meu rosto. Seus olhos voltaram ao normal, doces e com um azul infinitamente calmo. Ele os fixou nos meus, que ainda estavam vermelhos de tanto chorar, mas não mais em estado de pânico.

              - Mel, você está melhor? – murmurou suavemente.

              Eu franzi as sobrancelhas e olhei para baixo rapidamente, depois voltei meus olhos novamente para os dele e suspirei.

              - Acho... Acho que sim...

              Eu já estava um pouco melhor, mas ainda me sentia fraca. Havia corrido muito, pensado muito e entrado com certeza em um desgastante desespero.

              - Vem, vou te levar para o restaurante para você tomar uma água. – disse ele com uma voz preocupada. – Você ainda está um pouco pálida.

              - Espera aí... – sussurrei.

              Só então me dei conta que eu estava bem, mas minha raquete não. Fui caminhando meio manquitola até minha pobre Wilson que estava despedaçada do outro lado da sarjeta. Uma lágrima retornou aos meus olhos enquanto eu a pegava do chão. Daniel veio até mim e colocou a mão nos meus ombros, tirando a mochila aberta das minhas costas e colocando-a nas suas. Pegou a raquete que eu olhava fixamente do chão e colocou seus pedaços em minhas mãos.

         - Eu sei que deve doer, mas ela te salvou. – dizendo isso ele fechou meus dedos no cabo quebrado, repousou as mãos em meus ombros e foi me conduzindo até o restaurante.

        Fiquei imaginando como ele sabia que minha raquete havia me salvado, mas estava tão alheia a qualquer questão que pairasse na minha cabeça naquele momento que o máximo que pude fazer foi arquivar essa pergunta.

         No restaurante, nos sentamos e ele pediu duas águas. Eu não estava mais nervosa, mas creio que isso iria me ajudar. Depois do ocorrido, nós não tínhamos trocado muitas palavras, então resolvi esclarecer algumas coisas.

          - Daniel, por que você me mandou correr naquela hora? – fitei seu rosto sem medo.

          - Mel, você ainda não está bem, é melhor conversarmos disso outra hora. – respondeu rapidamente.

          - Não, engano seu, eu já estou bem... Podemos conversar agora. – tentei ao máximo não tremer a voz.

          - Mel... Por favor... – pediu.

          - Daniel, por favor digo eu... Estou confusa. – minha cara se retorceu como se eu não estivesse entendendo nada mesmo.

          Ele deu um longo suspiro e começou.

          - Bem, foi que... – grande pausa. – Foi que tinha uns caras estranhos seguindo a gente, eu fiquei com medo de não poder fazer muita coisa por nós dois e mandei você correr... Foi isso! – desembestou ele a falar.    

          - Eu não vi ninguém. – respondi fazendo um esforço para me lembrar da cena.

          - Mas eu vi. – sussurrou ele.

          - E por que na hora que eu voltei você não estava mais lá?

          A garçonete interrompeu nossa conversa trazendo as águas, na qual dei um grande gole logo depois de fazer a pergunta.      

           - Era alarme falso. Bem em seguida de você correr, eles entraram em uma porta! – exclamou, tentando parecer convincente. – Então continuei seguindo para o restaurante.

           - Como eu não te vi então? – dei outro gole na água. – Eu fiz o mesmo trajeto quanto voltei!

           - Você estava correndo que nem uma louca, talvez não me viu. – disse ele.

           - Eu não disse que fui correndo. – fiz uma cara de surpresa.

           - Ah... Mas... Você devia estar correndo, não é? – ele se embaralhou todo nas palavras.

           - Devia... – olhei rapidamente para o lado, mas logo retomei meu olhar fixo. – Mas... Você não me viu correndo de volta para a rua, viu?

           - Na... Não! Se eu tivesse visto, teria te parado, você não acha? – ele estava cada vez mais tenso.

           - Pode ser... – respondi desconfiada.

           - Oras Mel, para quê esse interrogatório. Você não está bem... Deveria descansar um pouco! – pediu ele com uma voz autoritária.

           - É, realmente eu não estou bem, mas com certeza estaria bem pior se aquele cachorro não tivesse milagrosamente se acalmado quando te viu! – estava começando a ficar irritada.

           - Para você ver, milagres acontecem! – disse ele confiante.

           Revirei os olhos e fiz uma cara de inquietação. Estava começando a ficar com dor de cabeça, parte culpa do cachorro, outra parte culpa de Daniel, que estava me deixando mais confusa. 

           - Por que você voltou? Como acalmou o cão? – sussurrei levando a mão a testa.

         - Ah Mel... – ele balançou a cabeça. Pude perceber claramente sua irritação também. - Voltei porque quando cheguei ao restaurante, você não estava lá! E, levando em conta que justamente se tratava de você, deduzi que tinha voltado para a rua! – exclamou ele fortemente. – Quanto ao cão eu não sei, só te vi agonizando no chão e aquele cachorro avançando para cima de você. Minha reação foi parar e estender a mão, normal... Não posso fazer nada se resolveu a situação.

          - Isso está muito estranho! – exagerei ao falar “muito”.

          - Mel, não importa se está ou não estranho, só importa que estamos os dois aqui, bem!

         - Eu ainda estou muito confusa... Foi tudo tão rápido, ainda não processei nem metade da história. Você agora me confundiu mais ainda... Eu não sei... – dei um longo suspiro.

         - Eu não quero te confundir. Aliás, essa é a última coisa que eu quero! – ele segurou levemente em minha mão que estava posta em cima da mesa. - Eu entendo que deve ter sido difícil e tudo mais... O melhor é esquecer!

         - Não dá para esquecer! – meus olhos começaram a ficar vermelhos novamente.

         - Dá sim, acredite, eu sou a melhor pessoa para falar isso. – ele retorceu as sobrancelhas como se recordasse vagamente de algo. – Já consegui esquecer de muitas coisas que pode apostar, são inesquecíveis... Esqueci-me de coisas que eu nem poderia esquecer! – ele deu um suspiro que misturava dor e alívio. – Pelo menos, assim eu vivo melhor. - sua voz falhou levemente.     

         Eu dei um leve sorriso enxugando a gotinha teimosa que iria escorrer pelo meu olho. Fiz uma cara de compreensão e murmurei:

         - O que?

         - Coisas, que como disse, já esqueci... – respondeu aumentando mais minha curiosidade.

         Deixei quieto todo esse mistério por vez, dando um último gole na minha água. Rodei os olhos pelo restaurante. Era um lugar agradável com som ambiente. Suas paredes eram pintadas com cores juvenis, um amarelo pastel com detalhes em azul. As mesas e cadeiras despojadas davam um ar de lanchonete. Os porta guardanapos eram de forma psicodélica, formando espirais coloridas. No canto, havia uma máquina de música com aparência velha. Não sabia se funcionava de verdade ou se era mero enfeite. O balcão era revestido de uma pedra transparente e azul, que lembrava muito a textura de água. Era bem gostoso, como havia dito Daniel. Meus olhos foram rodando mais e mais até se repousarem de novo na minha pobre raquete.

         - E agora? – sussurrei para mim mesma.

         - Agora o que? – perguntou ele ouvindo minha queixa pessoal. – Ah... A Wilson... – seguiu meu olhar, se deparando com os destroços.

         - Voltei para estaca zero... – suspirei, segurando o cabo, que agora estava desprendido do resto.

         - Calma, vai dar tudo certo... Você vai conseguir outra raquete! – tentou me animar, abrindo um lindo sorriso.

         - Não sei... Foi muito difícil encontrar essa, imagine outra! – ri sem esperanças.

         - Seu pai não pode comprar outra? – perguntou.

         - Esse mês está meio complicado... Ele está pagando as prestações do carro, tem algumas despesas da minha mãe... Eu não sei... – murmurei sem ânimo.

          Foi quando me lembrei que no fundo do meu criado mudo ainda estavam escondidinhas minhas economias. Não era uma fortuna, mas daria para comprar uma raquete descente. Estava guardando o dinheiro para uma situação especial, mas esse era um momento de emergência.

          - Já sei! – abri um sorriso. – Tenho algum dinheiro guardado, acho que dá para uma raquete!

         - São suas economias? – indagou.

         - São sim, mas acho que esse momento é um momento bom para gastar esse dinheiro, não é? – perguntei esperando uma confirmação.

         - Bom... É. – ele abriu um sorriso juntamente misturado com um brilho repentino no olhar. Estranhei, mas era lindo.

         Olhei no relógio e já estava começando a ficar tarde. Não havíamos nem tocado no assunto Física, mas acho que nenhum dos dois estava com cabeça para estudar agora.

         - Daniel, eu tenho que ir... Desculpa.

         - Desculpa por quê? – perguntou ele curioso.

         - Não deu para a gente estudar... – respondi timidamente.

         - Melinda pelo amor de Deus! – Primeiro, eu nunca seria egoísta ao ponto de fazer você me ensinar Física em uma hora dessas. Segundo, você não vai embora, nós vamos embora. Ou você acha que depois de tudo isso eu vou deixar você ir embora sozinha? – sua pergunta era como se fosse uma ordem.

         - Não quero incomodar, eu vou de ônibus, pode deixar! – pedi em vão.

         - Nem pensar. Meu pai já está vindo não tem problema algum! – tentou me convencer.

         - Seu pai vai achar que eu sou uma abusada! É a segundo vez que ele me dá carona... – minhas bochechas ficaram avermelhadas.

         - Não precisa ter vergonha. – ele percebeu meu acanhamento. – Sua casa é caminho da minha e ele vai até gostar de ajudar, devido a tudo que você passou hoje!

         O celular de Daniel tocou e rapidamente ele atendeu. Em poucas palavras, desligou e ficou de pé, pegando minha bolsa e os retalhos da raquete.

         - Vamos, meu pai já está aí na frente.

         Ele tirou uma nota de cinco do bolso e entregou rapidamente no caixa, apontando a mesa. Saímos e lá estava o New Civic do outro lado da rua, esperando por nós.

         Abri a porta traseira e pedi licença, me sentando no couro macio. Cumprimentei devidamente o Sr. Floukin, o qual retribuiu o meu gesto.

         - O que é isso Daniel? – disse o pai para o filho, que estava com a minha raquete no colo.

         - É a ex-raquete da Mel. – respondeu Daniel.

         - Que bicho atacou essa raquete? – falou ironicamente, mal imaginando que havia acertado na pergunta.

         - Um cachorro raivoso. – interrompi.

         Pelo retrovisor, vi seus olhos deixando o humor de lado e ficando sérios.

         - É sério pai, um cão atacou a Mel. – completou Daniel.

         - Como assim, na rua? – disse o pai dele chocado.

         - Sim, ele surgiu de trás de uma lixeira e me atacou... Se não fosse minha raquete, talvez eu não estivesse mais aqui. – murmurei.

         - E você Daniel, o que fez? – perguntou o Sr. Floukin olhando sério para o filho.

         - Bem, nessa hora eu não estava com a Mel... A gente tinha de certa forma... Se desencontrado.

         O pai de Daniel fez uma cara de interrogação, mas aceitou a explicação do filho. Retomando o assunto comigo.

          - Mas você está bem, se machucou... Ele chegou a te morder? – estava com uma voz preocupada.

          - Não, eu estou bem, só um pouco assustada. – tentei acalmar a situação.

          - Se quiser eu te levo para o médico agora... Aviso seus pai depois! – perecia que a cada palavra ele ficava mais preocupado ainda.

          - Não! Imagina, não precisa não. Até porque não deu tempo dele me atacar. Milagrosamente... – lancei um olhar para Daniel, que estava acompanhando a conversa. – Bem, milagrosamente ele recuou e fugiu.

          - Recuou e fugiu? Que estranho, isso não faz o perfil de um cachorro bravo! – exclamou Sr. Floukin espantado.

          - Pois é... Também achei estranho. – completou Daniel, se voltando para frente e endireitando-se no banco.

          A conversa durou até minha casa. Chegando lá, o pai de Daniel pediu para falar com meus pais sobre o ocorrido. Não vi problema algum, até achei bom, pois me pouparia de ficar lembrando de tudo de novo. Entrei em casa e chamei por alguém. Minha mãe desceu as escadas e topou comigo na entrada da casa. Comentei rapidamente sobre alguns fatos e levei-a até o carro dos Floukin.

          A cada comentário que nós fazíamos, ela ficava mais chocada. Olhava para mim e olhava para a raquete; olhava para Daniel e novamente para a raquete. Até imagino o que ele deveria estar pensando, mas eu mesma prefiro não ficar imaginando muito.

          - Esse mundo está perdido! Já me basta a violência dos homens, agora precisamos tomar cuidado até com o cão de rua! – exclamou ela aterrorizada com os fatos.

          - Pois é, isso é muito difícil e complicado de se entender. – concordou o Sr. Floukin.

          - Bem, mas muito, muito obrigado mesmo por ajudarem minha filha. – agradeceu mamãe, olhando para os dois.

          - Imagina, em uma situação dessas, não há como negar ajuda! – respondeu sorridente o Sr. Floukin.

          - Mel, espero mesmo que você esteja melhor... Qualquer coisa é só falar! – disse Daniel se voltando para mim, dando aquele olhar que só ele sabe dar e entrando no carro.

          - Se cuidem! – exclamou o Sr. Floukin, entrando no carro também.

          - Tchau... E obrigada. – respondi.
          Eu e minha mãe entramos em casa e parecia que um trator havia passado por cima de mim. Mal sentei na cama já estava deitada. A gravidade estava fazendo seu trabalho muito bem. Dormi igual uma pedra sem mesmo jantar.


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Notas finais do capítulo

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