Devorar-te-ei: Memórias póstumas de um amor escrita por Nayou Hoshino


Capítulo 22
Boatos




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— ... E é por isso que eu vim sozinha. - suspirei ao terminar de responder a primeira pergunta que Alois me fizera tão logo entrei em sua mansão. 

Meu primo me encarava sério, em silêncio desde que eu comecei a contar, por alto, o que havia acontecido entre eu e Sebastian. Não era segredo que ele nunca foi um dos maiores fãs do meu mordomo, deixando claro, sempre que podia, que acreditava que eu estaria melhor sem o demônio. Eu sempre achei que era um pouco de hipocrisia de sua parte, quando ele próprio era tão dependente de Claude, que ocupava para os Trancy o mesmo lugar que era de Sebastian para os Kyotsu.

— Eu sabia que esse dia chegaria. - ele disse por fim, fazendo um sinal para que Claude se aproximasse - Não vou mentir, estou satisfeito que não demorou tanto quanto eu esperava pra chegar, mas me dói ver você assim. 

— Assim... Como? - Ergui uma sobrancelha, confusa

— Não vai conseguir me enganar, Luna. Você cruzou as portas da minha casa parecendo uma criança acuada... Sabemos exatamente o quê Sebastian era pra você.

— Ele era um ótimo mordomo. Um ótimo servo. - eu respondi com firmeza, tentando disfarçar qualquer tremor que falar de Sebastian ainda causava em minha voz - Apenas isso.

Alois me encarou com uma sobrancelha erguida, duvidando de minhas palavras sem nem mesmo disfarçar. 

— Claude, prepare um chá para nós. - ele ordenou ao mordomo que havia parado ao seu lado. - Alguma preferência? - ele se voltou para mim, ao que eu respondi com uma negativa - Então faça aquele de frutas vermelhas que me fez ontem a noite. Foi uma ótima aquisição.

— Sim, meu lorde. - Claude fez uma reverência impecável, ajeitando os óculos em seu rosto antes de se afastar de nós com passos lentos. 

Inconscientemente, eu esfreguei meu braço direito com minha mão esquerda, sentindo um vazio incômodo ao meu lado. Sebastian sempre ocupava aquele lugar e eu havia me acostumado com sua presença marcante. Apesar da minha indignação com sua partida, eu me sentia realmente acuada por estar novamente sozinha no mundo. 

Claro, eu tinha os outros servos e Alois, mas não eram a mesma coisa. Eu não confiaria minha vida a eles tão facilmente como com Sebastian. Não. Eu jamais poderia ocupar o lugar que o demônio deixou vazio com sua ida. 

E não se tratava apenas de seu cargo na mansão.

— Não se preocupe, Luna. Sabe que as portas da mansão Trancy estão sempre abertas para você, para o que precisar. 

— Eu sei, Alois. Obrigada por isso. - eu forcei um sorriso de canto.

— Já avisou a rainha?

— Sobre?

— Não acho que seja prudente você continuar com um trabalho tão perigoso sozinha. Antes, seu demônio sempre estava lá para te proteger, mas... Agora... - Ele passou a mão em seus fios dourados, me olhando com preocupação.

— Eu dou conta, Alois. - retruquei magoada - Não sou tão inútil assim. Além do mais, ainda posso contar com Mayrie, com o Finnian... Até mesmo Bardo tem lá suas utilidades.

— Eles podem ser bons em defender a casa, mas não contaria tanto com eles contra um SM mais poderoso. Nem mesmo Sebastian conseguiu chegar na hora certa sempre, ou você não teria se ferido.

Eu abaixei a cabeça, sem ter como respondê-lo. Eu sentia raiva por ter me permitido chegar a tal ponto. Confiar tanto em Sebastian e em nosso contrato que jamais pensei em como seria quando não estivéssemos mais juntos por algum motivo. Mas, claro, isso nunca foi uma possibilidade.

Até agora.

— Vamos esquecer isso um pouco. Aposto que não veio aqui para ficar falando de Sebastian.

— Na verdade... - eu o interrompi - Eu vim até aqui pedir sua ajuda.

— Minha ajuda? Claro, o que posso fazer pela minha priminha? - ele sorriu confiante

— Eu... - passei a mão em meus fios um pouco nervosa. Havia acabado de dizer que dava conta de tudo sozinha e agora me preparava para pedir a ajuda de meu primo. Eu era mesmo uma piada. - Eu estou no meio de uma missão oficial. 

— E...? - Ele ergueu uma sobrancelha, me provocando.

— E que eu preciso de você, tá bom? - Cruzei os braços com raiva, me preocupando apenas em não falar muito alto - Eu não sou rápida o bastante sozinha. E agora ainda tenho que me preocupar com a policia atrás de mim...

— Então era mesmo verdade... - ele pareceu surpreso

— O que era verdade?

— Chegou aos meus ouvidos que a herdeira dos Kyotsu estava sendo investigada. Acham que você é a responsável pelos ataques que a nobreza vem sofrendo... Eliminando a concorrência para os negócios. - ele deu de ombros, com um sorriso travesso nos lábios - Claro, a ideia não é ruim. Mas sabemos que você jamais teria coragem de fazer algo assim.

— Então os boatos já estão correndo... O próximo baile será um inferno. - eu bufei mal humorada, apertando meus olhos. 

— Ah, querida prima. Mas é exatamente isso que o tornará divertido. - Ele juntou as mãos, animado - Se o inferno fosse ruim, nós dois não iamos pra lá quando morrermos. 

Ele riu com gosto, suspirando no fim e me encarando como se não entendesse o porquê de eu não o ter acompanhado no gesto e apenas continuar o encarando de forma estranha. Ele abanou a mão, deixando aquilo de lado e começando a caminhar para a sala de estar. Eu o acompanhei com passos lentos. Começava a me lembrar porque eu e ele, apesar de sermos os únicos membros vivos da nossa familia, quase não nos encontrávamos mais. 

O humor duvidável de meu primo o tornava alguém excêntrico e inconstante e isso, por sua vez, não o tornava um parceiro muito confiável para uma missão tão importante como a que realizava. Mas talvez isso me ajudasse de alguma forma. Ninguém desconfiaria que ele estava envolvido em algo tão importante e que envolvia tanta responsabilidade, por isso não o atacariam ou disfarçariam segredos em sua presença, o que sempre acontecia comigo. 

— Eu ouvi um outro boato, aliás... - Ele me encarou por sobre o ombro, com um sorriso perverso

— Eu acho que você está ouvindo boatos demais, Alois. Anda frequentando alguma roda de senhoras? - eu alfinetei. 

— Não é necessário... As coisas simplesmente... vem pra mim. - Deu de obros - Mas não está curiosa sobre o que é?

— Se é algo ruim sobre mim, pode guardar pra você. Eu não preciso de mais informações desnecessárias na minha cabeça. - Revirei os olhos.

— Você que sabe então... Achei que gostaria de saber o que andam dizendo do seu novo namorado.

— Meu novo... o que? - eu apertei os olhos pra encará-lo, descrente

— O conde Phantomhive foi visitá-la pela manhã... Depois de vocês terem entrado juntos no labirinto em um baile... - Ele me analisava, aguardando que eu esboçasse alguma reação que me entregasse. - Isso só pode ser visto como uma coisa: um novo romance. 

— As pessoas andam tão desocupadas assim? - eu ergui uma sobrancelha, tentando disfarçar enquanto meu coração quase pulava pra fora do peito - Francamente... Logo estarão me casando com algum velho solteirão e será uma surpresa até pra mim. 

— Não se faça de sonsa, sua safadinha... - ele sibilou, rindo com gosto em seguida

— Alois...! - Eu empurrei-o pelo ombro, sentindo minha face esquentar

— O que foi? Até parece que eu não a conheço. Kyro nunca foi seu tipo, já o tal de Cícero...

— Ciel. 

— O que?

— O nome dele é Ciel. 

Alois abriu um sorriso ainda mais largo e sugestivo, se virando pra mim por completo e cruzando os braços na frente do corpo, como se tivesse conseguido o que queria.

— Isso não é nada demais, eu apenas sou mais atenciosa que você. - me defendi, dando de ombros

— Ah é? Qual o primeiro nome do conde Svarnov então? - ele perguntou, mantendo o sorriso

— Lucian. E sua esposa se chama Emmelie, aliás. - respondi com confiança.

— E a condessa de Thudor? - Ele arqueou uma de suas sobrancelhas. 

Eu desviei o olhar, mordendo meu lábio inferior.

— Isso não significa nada. - soltei em um muxoxo.

— Claro  que não... - ele começou

— Você vai me ajudar ou não, Alois? - bati o pé com impaciência.

— Claro que eu vou, prima. Só precisa me dizer quando e onde você precisa de mim que estarei lá. Sempre disse que em mim você pode confiar. - ele sibilou convencido, empinando seu nariz

— Obrigada. Haverá um baile real amanhã à noite. Você poderia tentar descobrir algo de alguns magnatas... Eles sempre se reúnem em uma sala afastada onde eu não posso nem mesmo chegar perto.

— Sei bem do que se trata. 

— Você já entrou? - arregalei os olhos surpresa.

— Não. Mas fiquei sabendo. - deu de ombros.

Eu suspirei desapontada, balançando a cabeça em negativa antes de ouvir os passos de Claude se aproximando.

— O chá está servido, me acompanhem por gentileza. 

Ele nos reverenciou e logo começou a caminhar até a sala de estar, que era exatamente para onde estávamos indo antes. Alois apressou-se e agarrou-se ao braço de seu demônio, que retesou seu corpo tentando conter sua repulsa. Era exatamente isso que tornava a brincadeira tão divertida para meu primo, tinha certeza.

— Claude, arrume minha roupa mais séria. Temos negocios a resolver amanhã. 

— Como desejar, meu lorde. 

— Arrume algo bom para você também. Precisará se enturmar enquanto eu me divirto.

— E-espere...! - eu me apressei para poder ficar ao lado deles, encarando Alois com confusão. - Eu achei que você ia me ajudar, Alois.

— Claude vai. - ele piscou pra mim, achando graça. - Você não espera que eu faça todo o trabalho sujo, não é? Além do mais... Quero ver o que mais "você" vai aprontar. 

— A senhorita pode ficar tranquila. Eu sou um servo eficiente, não atrapalharei seus planos.

— De certo que não.

Eu não me contive e bufei um pouco mal humorada. Não sabia se era coisa da minha cabeça, mas tudo que eles falavam soava como uma indireta nada sutil com relação ao fato de Sebastian ter me abandonado. 

Permitir que minha mente voltasse a Sebastian fez eu desviar o meu olhar para o chão, imaginando onde ele estaria e o que estaria fazendo. Talvez tivesse voltado para "casa". Ou então... Havia encontrado um outro alguém a quem servir. 

Era tolo e infantil da minha parte sentir falta dele, sabia disso. Mas me consolava dizendo a mim mesma que era normal depois de tantos anos juntos. Tê-lo ao meu lado todo dia era tão certo quanto minha necessidade de respirar. Não devia me culpar nem martirizar por isso... 

Mesmo assim, ao erguer meu olhar para Claude e Alois uma ideia surgiu em minha mente. Pigarreei para atrair a atenção de ambos, já que meu primo ria de forma descontrolada enquanto rodopiava na frente de seu mordomo. Ambos se viraram pra mim, Alois irritado com a interrupção e o demônio com um olhar agradecido (ou o mais próximo que ele conseguia chegar disso).

— Err... Eu posso ficar um momento a sós com Claude? - perguntei, só então me dando conta do quão incomum era o que tinha dito.

— Com Claude? Sozinha? - Alois ergueu uma sobrancelha, desconfiado. - Por que?

— Eu queria fazer uma pergunta a ele. 

— Então faça na minha frente. - o loiro cruzou os braços na frente do corpo. - Não suporto que falem de mim pelas costas. 

— Isso não tem nada a ver com você, Alois. - bufei

— Mais um motivo para eu não precisar me retirar então. - deu de ombros.

— Tá! - revirei os olhos, cruzando meus braços e dirigindo meu olhar ao demônio, que me encarava num misto de curiosidade e incredulidade 

— Estou esperando. - Alois bateu o pé no chão, exatamente como fazia quando queria algo quando éramos menores.

— Supondo que... Eu queira retomar o contrato com Sebastian... - Minha voz era quase um sussurro de tão baixa. - O que eu não quero, pode ficar tranquilo. - eu falei para Alois ao vê-lo abrir a boca para me interromper. - Mas, caso eu quisesse... O que eu teria que fazer? 

Claude olhou para seu mestre, aguardando seu consentimento para que pudesse me responder. Meu primo hesitou um pouco, mas assentiu silenciosamente alguns segundos depois.

— Não há o que fazer. - Claude respondeu, curto e grosso. - Um contrato pode ser feito uma única vez, visto que você tem uma única alma a oferecer. 

— Não existe uma forma de reverter o que aconteceu?

— Isso depende da forma pela qual o contrato foi quebrado. Mas, independente de qual seja, está fora do seu alcance fazer qualquer coisa. 

— Fora do meu alcance, você diz... - eu pensei alto. - Mas... O demônio poderia fazer algo. 

— Em determinados casos, sim. Poderia. - Claude não hesitava, o que só tornava suas respostas mais duras e impossiveis de serem refutadas. - Se a senhorita me permite dizer... - Ele tirou seus óculos, limpando-os  com calma - Seria mais saudável esquecer isso. Aproveite a chance que recebeu de não ser devorada. 

— Isso mesmo, esqueça aquele exibido. Se ele fosse mesmo tão bom, você não estaria aqui agora, tendo que depender do meu mordomo.

Eu mordi meu lábio, tentando conter o ardor em meus olhos e disfarçar a dor em meu peito. Não pela forma como me atacavam, mas por saber que Sebastian poderia ter feito algo. Se ele realmente se importasse comigo, conosco, ele poderia ter dado um jeito em nossa situação. 

Mas ele não se importava.

Alois estava certo desde o começo, ele nunca se importou.


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