Senhora Sulista escrita por Nynna Days


Capítulo 17
Dinnie Ray


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo e bem mais importante, além de ser o meu favorito.



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Capítulo 17 – Dinnie Ray

Aquela tinha sido a semana mais rápida e mais dolorosa de toda a minha vida. De noite eu ficava enterrada até o último fio de cabelo em burocracias e coisas de Senhores Vampiros. E de dia eu ficava enterrada nas fotos antigas dentro da caixinha debaixo de minha cama. Ela tinha o cheiro de Daniel. Tudo aquilo doía muito. Muito mesmo.

A noite do baile, eu fui para casa mais cedo para me arrumar. Luanne tinha cuidado de tudo. Meu vestido, meu cabelo, tudo mesmo. Eu não tinha a punido por causa de Daniel. Se ela achava que aquilo era certo, que fosse.

Meu vestido era vermelho (que irônico) e longo, assim como mandava o convite. Meu cabelo ficou soltou, mas eu tive o cuidado de alisá-lo e deixá-lo lustroso e bonito. Não que eu me importasse com as aparências, mas eu tinha que parecer bem na festa. Além de ser comemoração do nascimento da filha do meu amigo, era outro problema burocrático.

“O que os vampiros dirão se você for vestida em trapos?”, Luanne tinha dito no dia anterior no quartel general para mim quando recusei o vestido.

Mas ali estava eu. Pronta para “Me Divertir”

Luanne apareceu segundos depois de eu terminar de me vestir. Ela estava usando um vestido longo azul , sem alças. Sua cabelos loiro estava preso em coque meio solto, deixando sua tatuagem a mostra. Ela sorriu assim que me viu. Demorei um pouco para reconhecer Noah, um pouco atrás dela.

Seu rosto não era de muitos amigos. Ele estava gostando da ideia de ir a um baile tanto quanto eu. Ele me deu um olhar frustado e ajeitou a gravata de seu smoking. Seu cabelos perfeitamente penteado para trás. Ele tinha o braço na cintura de Luanne e os olhos azuis fixos em mim, me pedindo para desistir daquela loucura. Mas minha cabeça estava em estado de torpor. Eu não tinha nenhuma ideia do que fazer com Luanne para não irmos ao baile.

Noah me estendeu seu braço e me guiou até o elevador.

“Você está linda, Senhora”, Luanne disse com um grande sorriso.

“Obrigada”, eu disse com a voz já sem vida.

Como se eu tivesse vida antes. Eu estava m iludindo quando comecei a me envolver com Daniel. Quando comecei a amá-lo. Sabia que nunca teríamos um futuro juntos. Ele era um caçador e eu uma vampira. Ele não podia me amar. Eu não podia amá-lo. Essa era a verdade. Nunca daríamos certo. O que os vampiros diriam se me vissem com um caçador? Eu tinha uma imagem a preservar.

Fiquei tão presa com meus pensamentos que nem percebi quando chegamos a Área Oeste. Um carro nos seguia quase colado. Descansei minha cabeça no vidro e observei a paisagem passando. Até que, finalmente, chegamos ao castelo de Dorian.

Ele era bem maior que a casa que Dorian vivia com a família. Na verdade, perto do castelo, a casa que Dorian vivia parecia uma cabana feia e suja. No grande pátio estavam grandes carros e limousines e delas saíam os principais Senhores de todo o mundo. Cada um com seu animal tatuado em seu pescoço. Cada um com sua escolta e sua companhia. Avistei Doug de longe, mas o ignorei enquanto Noah me dava seu braço e eu o envolvia com minha delicada e pálida mão enluvada em vermelho até os pulsos.

Seguimos em passos ensaiados até as grandes escadas que nos levavam para a parte detrás da festa. A cada passo, meus pés pareciam pesar mil toneladas. Não que eu nunca tivesse ido a uma festa de vampiros. Mas nunca tinha ido a uma que envolvessem todos os Senhores e Senhoras do mundo vampírico. Se eu pudesse prender a respiração, era o que eu estaria fazendo. Se meu coração ainda batesse, estaria quase atravessando meu peito.

Eu sabia que Dorian era um Senhor influente, mas não tinha noção do quanto influente ele era. Só agora tive um pouco de certeza do qual bom foi de eu ter me aproximado dele. A cada passo, nossa vez de ser anunciado chegava. Apertei minha mão no braço de Noah e o vi reclamar um pouco. Ás vezes eu tinha saudades da minha vida humana de quando eu era fraca e inofensiva.

Aquelas reuniões me lembravam a época que eu ainda era uma das humana mais disputadas na sociedade. Mesmo que eu tivesse passado um pouco da idade de casar, com 20 anos, tinha muitos pretendentes caindo aos meus pés, graças aos meus incríveis olhos azuis violetas. Eu era uma garota muito boa. E tinha sido aquela bondade que tinha me transformado no que eu era hoje.

Dallas, Texas. 1561.

Aquele era um dia importante para mim. Era o dia que eu iria anunciar meu noivado e sair , finalmente, da casa da minha mãe, assim como fez meu irmão mais velho, Isaac. Não riria sair, especificamente naquele dia, mas a cada dia a menos debaixo do mesmo teto que minha mãe. Um dia melhor para mim. Meu falecido pai, era o prefeito de Dallas, mas morreu de ataque cardíaco a dois anos. Desde então, minha mãe tem feito a minha vida um inferno.

Ela achava que, já com recém feitos 20 anos, eu já deveria ter arrumado um noivo. Mas eu não queria me casar. Só queria ser feliz junto com minha irmã mais nova, Susan. Mas, ela não entendia isso e por isso me empurrou para um dos solteiros mais cobiçados da cidade, Jonathan Miller.

No início, o achei metido e pretensioso, mas , conforme eu fui o conhecendo, o achei um homem bonito, apenas dos poucos 25 anos. Ele também tinha um bom coração. E foi o que me fez continuar o noivado.

Algum telefone perto de mim tocou, me tirando das minhas memórias. Olhei para o lado para ver Luanne conversando alegre com alguém. Noah estreitou seus olhos azuis e eu imitei seu movimento, também desconfiada. Assim que desligou o aparelho, ela sorriu para nós dois e se aproximou, sussurrando rápida e precisa.

“Tenho que dar uma saída.”, ela disse e no segundo seguinte não estava mais ali.

“Percebeu como Luanne está estranha esses dias?”, Noah disse. Nós subimos mais um degrau, esperando nossa vez de ser anunciados. Parei para pensar. Ela realmente estava estranha aquela semana, mais que o normal. Primeiro , fazia questão que eu me vestisse feito uma lady. Depois, ficava saltitando por aí, mesmo com meu estado melancólico. E sorria como nunca. Exatamente como minha mãe ficou quando me arrumou um noivo.

“Droga!”, eu exclamei um pouco alto. Alguns Senhores que também esperavam sua vez de serem anunciados me encararam com os olhos arregalados, mas eu não dei importância. “Ela está me arrumando um encontro”

E a coisa que eu menos esperava aconteceu.

Noah riu de mim.

“Oh, Senhora, isso é um normal de Luanne”, ele disse. O pior era que ele tinha razão. Mas, o fato disso está me lembrando minha mãe que incomodava. Eu e minha mãe não tínhamos um bom relacionamento, mas no dia em que ela arrumou meu noivo, ela estava radiante e tão boa comigo, querendo me arrumar como se eu fosse uma boneca.

“Querida, se vista logo.”, minha mãe disse com um grande sorriso. Os cabelos loiros presos em um coque bem feito, o longo vestido verde esmeralda, as mãos enluvadas. “Nós vamos nos atrasar”

“ Desde quando mamãe te chama de 'querida'?”, Isaac me perguntou enquanto me esperava para me guiar escada a baixo. Ele iria substituir meu pai, no noivado, por isso deixou sua mulher e suas duas filhas em casa. Os únicos com quem eu me dava bem na família eram ele e Susan.

“Desde o momento que ela conta os segundos para mim ir embora”, eu respondi rindo. Isaac riu também. Terminei de ajeitar meu coque e visualizei minha imagem no grande espelho que tinha em meu quarto. O longo vestido azul-violeta era tão ou qual lindo quanto meus olhos. Minha pálida pele parecia brilhar. Isaac sorriu.

“Você está linda, Dinnie.”, ele disse pegando as luvas e me entregando. “Vai representar bem nossa família com os Miller. Estou até vendo as notícias: Noivado anunciado: Dinnie Ray Marques, filha do meio do nosso falecido prefeito, Teodoro Marques, e Jonathan Miller, filho de um dos maiores donos de transportadoras de Dallas, Texas.”

Ele continuou falando enquanto eu colocava minha mão em seu braço e ele me guiava escada a baixo. No caminho até a casa dos Miller, minha mãe também entrou nas fantasias de Isaac. Ela sonhava em um casamento perfeito para mim, como os se contos de fadas. Eu apenas concordava e queria que aquilo tudo acabasse.

Acordei novamente de minhas lembranças quando chamaram meu nome. Noah se mantinha firme ao meu lado e eu forcei um olhar firme em meu rosto. Frio e superior, esse era o meu olhar. Não muito diferente do de Noah. Enquanto alguns Senhores e Senhoras entravam sorrindo e acenando, eu entrava assentindo e encarando.

“Apresentando a Senhora Sulista de Seattle, Estados Unidos.”, o vampiro disse e eu dei um passo junto com Noah passando pelo batente da porta e começando a descer a longa escadaria. “Dinnie Ray Dallas , acompanhada de Noah Cortez.”

Fomos parados por alguns Senhores e Senhoras que estavam no final da escadaria e nos sorriam. Fiz uma pequena mesura e Dorian que estava ao lado de Patricie em um pequeno palco um pouco longe de onde eu estava. Entre eles, um belo berço, onde, eu tinha certeza que habitava uma bela menina de olho dourados.

Noah e eu atravessamos com passos lentos o salão, observando cada vampiro presente e nos dando conta que , a cada um Senhor Vampiro, tinha mais três acompanhantes. E se a cada estado do mundo tinham quatro Senhores, o salão estava lotado de vampiros. Não foi difícil encontrar algum conhecido.

“Dinnie Ray, minha amada”, uma vampiro se aproximou e beijou minha mão livre. Demorei a reconhecê-lo, mas no segundo que meus olhos encontraram os seus, a lembrança me bateu.

“Pietro Bonacera, seu conquistador”, eu disse sorrindo para o vampiro de olhos lilás a minha frente.

Ele era o Senhor Nordestino de Roma, Itália. Os grandes olhos lilás tinham a mesma tonalidade que seu colar preso em seu elegante smoking. Os cabelos loiro e longos presos em um rabo de cavalo por uma fita lilás. Ele tinha 700 anos, sendo 650 como Senhor Nordestino de Roma, sendo mais ainda que ele tinha sido paralisado nos seus 22 anos. Um belo corvo lilás tatuado em seu pescoço. Ao seu lado, sua esposa já a 400 anos, Mirella. A elegante loira me seu um sorriso saudador.

“Parece que você encontrou um rumo, não foi, querida?”, Pietro me perguntou olhando para Noah. Ele tinha sido uns dos que tinha me ajudado quando eu estava perdida nos primeiros meses de vampira, tentando procurar a minha área vampírica.

“Oh, não.”, eu disse ficando sem graça. “Quero dizer, mais ou menos.”, Pietro sorriu ao ver que me deixou sem graça. “Achei o lugar onde eu pertenço, mas não a quem pertenço. Noah é apenas um velho amigo”

Noah fez um rápida mesura para Pietro que o respondeu com os olhos estreitos. Mirella também fez sua mesura. Eu não tinha percebido antes, mas logo atrás deles, tinham mais dois vampiros, bem arrumados, mas que, com certeza não eram Senhores. Deveriam ser os convidados de Pietro.

Só de pensar em convidados, meu estômago se revirou. Peguei um copo da bandeja que o garçom estava servindo. O conteúdo vermelho e grosso dançava no copo enquanto eu o encarava. O cheiro de sangue pinicou meu nariz e me sorrir, me lembrando do meu primeiro e último brinde com meu noivo.

Chegamos a casa dos Miller, na hora prevista e eles nos esperavam de braços abertos. A Senhora Miller veio me abraçar e me dar um beijo no rosto , dizendo o quanto eu estava linda. Eu corei e fiz uma rápida mesura ao Senhor Miller. Susan se juntou a irmã mais nova de Jonathan e foram ao quarto, brincar.

Eu me sentei no sofá e esperei Jonathan aparecer. Belo como sempre, ele não me decepcionou. Veio e me deu um demorado beijo no rosto. Então se sentou ao meu lado. Os olhos tão negros que pareciam duas esferas sem fim. Os cabelos escuros bem penteados e sem nenhum fio fora do lugar. Ele era o marido perfeito.

“Você está linda”, ele sussurrou no meu ouvido e eu sorri.

“Obrigada”, eu disse de volta.

“Os dois pombinhos precisam fazer o brinde para oficializar o noivado”, a Senhora Miller disse trazendo suas taças de vinho. Eu peguei uma e Jonathan outra. Nos olhamos nos olhos e batemos com leveza, nossas taças entre si.

“A uma vida longa e bela”, ele disse sem desviar os olhos dos meus.

“A uma vida longa e bela juntos”, eu disse bebendo com delicadeza o vinho e vendo como ele tinha um gosto doce por minha garganta.

Assim que eu e Noah nos afastamos de Pietro, voltamos a andar com calma até onde Dorian estava. Queríamos ir logo embora daquela festa, mas só conseguiríamos depois de falar com anfitrião. Mais uma vez, nosso caminhos foi interceptado. Dessa vez por Dália, a Senhora Sulista do Rio de Janeiro, Brasil. Os grandes olhos brancos me encararam e ela sorriu estendendo sua mão para mim.

“Dinnie Ray, quanto tempo”, ela disse sorrindo.

Dália, assim como Dorian, tinha a pele em um tom de chocolate, o que fazia um belo contraste com sua tatuagem de um pombo branco em seu pescoço. E seus olhos brancos felinos, e ao mesmo tempo, dóceis. Ela usava um vestido da mesma cor, branco e parecia uma noiva. Os cabelos longos e trançados estavam presos em um coque em arrumado. Ela tinha 500 anos, sendo apenas 100 como Senhora Sulista, paralisada nos 28, mas com mentalidade de 17.

“Dália, que surpresa te encontrar aqui”, eu disse sincera. Assim como Noah e eu, Dália odiava festas vampíricas. Ainda mais reuniões, mas ali estava ela. Bela e radiante como sempre. Quando eu a conheci, ela ainda não era Senhora Sulista. Mas era uma das fortes candidatas a ser. O antigo Senhor abdicou seu trono e ela assumiu.

“Ele me obrigou.”, Dália respondeu rolando os olhos e indicando ao vampiro parado ao seu lado. Ele sorriu, um pouco sem graça e olhou para Dália. “Além disso, sou muito amiga de Dorian e não perderia a festa de sua filha por nada.”

“Parece que a pequena Laura cativa a todos, mesmo tendo apenas dias de vida”, eu disse.

“E você , querida?”, Dália disse, seu olhar ficando preocupado. “Na primeira e última vez que nos vimos, você estava tão perdida. E agora eu te vejo aqui, na festa dos Senhores como Senhora Sulista de Seattle. Uma grande mudança, não é?”

“É uma longa história, Dália”, eu respondi vagamente.

“Um dia vá ao Rio e me conte.”, ela disse voltando a sorrir, então para o lado e começou a arrastar o rapaz que estava a acompanhando. “Hey, garçom”, ela gritou e começou a ir atrás de sangue. O rapaz nos deu um olhar de desculpa e foi se afastando , arrastado por Dália e o seu desejo incontrolável por sangue.

Balancei a cabeça e continuei meu caminho. Noah continuava quieto ao meu lado e, ora ou outra olhava para os lado, com certeza procurando por Luanne. Eu sabia que era inútil. Luanne seria anunciada quando entrasse no salão. Não adiantava correr atrás dela.

“Querida, me desculpe incomodá-la, mas poderia levar isso a Jonathan?”,a Senhora Miller tinha me pedido, minutos depois de Jonathan ter saído apressado para o seu trabalho.

Mesmo eu tendo dito que iria ir embora, ele insistiu que eu ficasse e o esperasse. Que seria rápido. Eu apenas concordei. Senhora Miller esticou um bloco de pergaminhos. Com certeza Jonathan não conseguiria trabalhar sem onde escrever. Eu apenas assenti e peguei os pergaminhos para levá-lo.

O trabalho de Jonathan não era muito longe de sua casa, por isso eu dispensei a carroça, mesmo escurecendo. Perto do escritório de Jonathan, tinha um tipo de floresta longa e densa e tinha alguns boatos de quem muitas pessoas tinham desaparecido por ali. Eu nunca acreditei naqueles boatos, mas minha mãe vivia repetindo para eu nunca passar por lá sozinha.

Assim que cheguei no escritório de Jonathan, estranhei o fato dele não ter vindo me receber. Vi a porta da sala dele entre aberta. Olhei para os lados procurando por informação, mas me lembrei que era Domingo e todos estavam de folga. Comecei a escutar alguns barulhos estranhos vindos da sala de Jonathan e sem pensar duas vezes, eu entrei.

“Jonathan”, eu gritei colocando minha mão na boca.

Jonathan levantou seu olhar para mim e olhou para a mulher deitada em baixo dele , com o vestido levantado. A reconheci como sendo uma das mulheres da noite que Jonathan tanto desonrava. Que ele tanto julgava. E agora , lá estava ele. A camisa com os botões abertos, a boca enxada e a calça meia aberta.

Dei um passo para trás, ainda chocada. Nem notei que tinha deixado os pergaminhos caírem no chão. Jonathan saiu de cima da mulher que me encarava com um olhar divertido, e veio na minha direção com as mãos levantadas. Eu continuei andando para trás, batendo com meu quadril em uma mesa de madeira, onde seu guarda deveria estar.

“Dinnie, me deixe explicar”, ele pediu.

Mas, eu não o escutei. Apenas virei as costas e continuei correndo.

Finalmente conseguimos alcançar Dorian, sem mais interrupções. Doug também estava lá, com uma vampira grudada em seu calcanhar. Ele sorriu assim que me viu e veio falar comigo. Precisei andar um pouco mais para alcançá-lo antes e chegar mais perto de Dorian.

“Bela como sempre, Dinnie”, Doug disse pegando em minha mão e a beijando.

“Modesto como sempre, Doug”, eu respondi e fiz uma breve mesura a sua acompanhante que respondeu educadamente. Noah fez a mesma coisa com Doug que também o respondeu. “Agora, estou a festa inteira querendo ver a pequena Laura, se me der licença”

“Claro, claro.”, ele respondeu dando um passo para o lado. “Creio que você não irá se arrepender de ter esperado tanto. A menina é linda, como qualquer um de nós, vampiros, mas tem uma luz interior belíssima. Assim como você”, ele segurou minha mão e olhou no fundo dos meus olhos. “Sei que seria pedir demais, mas me concederia a honra de uma dança, mais tarde, claro.”

“Hum, é claro, Doug”, eu respondi já pensando com mais vontade na possibilidade de ir embora antes das danças começarem. Eu e Noah trocamos um olhar e ele sorriu, com certeza tendo o mesmo pensamento que eu.

Me virei para o anfitrião e dei meu melhor sorriso. Os olhos dourados de Dorian se arregalaram quando viram meu sorriso. Me aproximei dele e fiz uma mesura, soltando minha mão do braço de Noah. Ele sorriu e me puxou para um abraço apertado.

“Estou tão feliz por você”, eu disse sincera.

“Eu também quero estar feliz por você, Dinnie”, ele disse e nos afastou.

Eu olhei para o lado e vi Patricie olhando a pequena que dormia no berço. Abaixei um pouco para ver mais de perto a pequena que dormia e sorri. Ela tinha a pele da mesma cor que Dorian, chocolate. Os cabelos eram de Patricie, lisos e negros. Por um momento eu quis ver se os olhos eram de Patricie ou mesmo de Dorian. Ela era tão pequena e tão adorável. Um aperto se apossou do meu coração, me fazendo dar um passo para trás.

“Ela é linda”, eu disse meio engasgada.

“É, eu sei”, Patricie disse erguendo os grandes olhos castanhos. “Pena que não pegou os meus olhos”, ela brincou sorrindo para Dorian que a abraçou e deu um beijo em seu pescoço.

Eu dei um passo para trás e bati minhas costas em Noah. Era como se alguém estivesse me dando uma sequência de socos no estômago. Olhei para trás, a tempo de ver Daiene cruzando a porta, mas minha audição entrou em torpor. Minhas pernas começaram a tremer. Eu só tinha sentido aquilo poucas vezes. Droga! Tinha que sair dali.

Olhei para Noah e o vi assentindo. Ele já havia entendido. Fiz uma rápida mesura para Dorian e Patricie e andei com passos rápidos e longos até o lance de escadas logo atrás deles. Dois seguranças estavam lá, mas não disseram nada enquanto eu passava. Enquanto eu descia com pressa as escadas até o jardim, as lágrimas tomaram conta do meu rosto, a dor tomou conta do meu coração e as lembranças, da minhas mente.

Corri como nunca tinha corrido em toda minha vida. Não sabia ao certo onde estava indo. Só sabia que estava indo. Meu vestido estava ficando sujo e desgastado nas pontas e minha visão estava embaraçada. Eu nunca tinha sentido algo tão ruim quanto estava sentindo naquele momento.

Quando eu menos esperava, tropecei um alguma coisa e caí na terra úmida. Só aí eu percebi onde eu estava. Na floresta. E de noite. Aquilo parecia tão clichê. Me levantei rapidamente e comecei a olhar para os lados. O desespero tomando conta de mim. Para todo lugar que eu olhar, era apenas escuridão e árvores.

Passei a mão pelo meu rosto e limpei o rastro de lágrimas que ali habitavam. Respirei fundo e tentei me concentrar no lugar por onde eu tinha vindo. Se pelo menos, eu lembrasse, eu poderia sair dali. Um barulho atrás de mim, me fez virar. Os corvos saíam de seus esconderijos nas árvores e se punham a voar, avisando da aproximação do perigo. Me desesperei de vez e comecei a andar sem rumo.

Parecia que a cada passo que eu dava, eu me infiltrava mais na floresta. Resolvi começar a gritar por ajuda, mesmo meu pai, quando vivo, dizer que nunca se gritar no meio de uma floresta, porque, envés de atrair ajuda, você poderia atrair a morte.

“Precisa de ajuda, jovem?”, uma voz me chamou.

Eu olhei para trás, mas tudo o que pude ver foi uma silhueta encoberta pela escuridão. Não sabia o que era, mas algo naquele cara me fez dar um passo para trás. Bati em algo gelado e quando me virei para olhar, a mesma silhueta me atacou, me jogando no chão. Eu gritei.

“Silêncio , querida”, ele sussurrou em minha pele. Eu mantive meus olhos fechados. Sua voz parecia a mais lindas das canções. Mas , naquele momento, me pareceu o mais doce chamada para a morte. “Você quer morrer e ter um enterro , ou morrer e ser solitária?”, ele disse e beijou meu pescoço.

“Solitária”, eu grasnei.

“Boa escolha”, ele riu , então só senti algo em meu pescoço como dois pregos. A agonia me atingiu e eu gritei como nunca tinha gritado em toda a minha vida. Senti minha alma indo embora e o resto de minha vida passando pelos meus dedos, como graus de areia.

Morri.

Acordei apenas no dia seguinte, com a luz do sol atingindo com força meus olhos. Levantei, sentindo meu corpo mais leve, quase como uma pluma e olhei para os lados, não encontrando nem uma pista do meu agressor. Mas vi algo que me fez abaixar. Uma carta. Estranhei o fato dos meus olhos estarem ardendo, mas nem tanto quando a minha garganta. E tinha alguma coisa afiada machucando meus lábios e , com surpresa, compreendi que eram meus próprios caninos.

Abri a carta e li cada palavra com cuidado, quase como se elas pulassem em meus olhos:

Querida Indigente,

Não sei o seu nome, nem sei de onde você veio, mas sei o que você se tornou agora, por livre e espontânea vontade. Não sei se você acredita na Mitologia ou em monstros, mas se não acredita, comece a acreditar, porque, no momento em que você escolheu morrer e ser solitária, você entregou sua alma ao demônio, literalmente.

Se você tiver família viva, se afaste, se ainda os ama. Não vai gostar nada, nada do que você vai ver de noite. O que você se tornou. Sua garganta deve estar ardendo, assim como seus olhos. Uma dica: Saia da luz e vá para a casa do seu maior inimigo, espere a noite cair e seus instintos tomarem conta de você. Depois, se você não aguentar com o que é, fuja. Te garanto que não irá passar fome.

Você deve estar se perguntando quem sou eu, ou o que você se tornou. Bem, a primeira pergunta eu não irei responder. Mas a segunda, é questão de sua fé. Você é uma vampira. Não do tipo da mitologia. Você não morre torrada no sol, até por que, se esse fosse o caso, você já estaria morta. Isso incomodando sua boca, são suas presas. A ardência em sua garganta, sede. A irritação em seus olhos, a luz do sol. Somos seres noturnos. De dia somos mais, humanos.

Seja rápida em sua decisão. E não se assuste com o seu pescoço.

Seu Criador.

Eu joguei a carta longe e coloquei a mão em meu pescoço. Ainda o sentia um pouco dormente, mas não o suficiente para achar que fui mordida por um vampiro. Mas, no segundo que aquele homem me fez fazer aquela decisão, eu jurava que estava morta.

Tirei todas aquelas bobagem da minha cabeça e caminhei para fora da floresta com calma. Cada movimento meu, era como se eu pisasse em alguma nova. Como uma criança aprendendo a andar. Com facilidade , cheguei ao lado de fora da floresta e segui até a minha casa. Deveria ser bem cedo, não tinha quase ninguém nas ruas, nem , ao menos comprando o desejum.

Entre em casa pela porta de trás e subi até meu quarto. Comecei a escutar inúmeros barulhos estranhos. Algumas coisa parecendo com o vento batendo na janela e outra parecida com o tic-tac do relógio. Tum-Tum-Tum. Ignorei e deitei na minha cama, tentando fechar meus olhos e dormir, mas pouco conseguindo.

Acordei de tarde, sendo balançada por pequenas mãos e sendo encarada por dois pares de olhos azuis violetas e um par de olhos castanhos. O barulho que eu escutei antes de dormir, aumentou e eu me sentei na cama com uma velocidade, extrema. Outro barulho também atiçou minha curiosidade. Parecia água descendo da torneira. Algo fluindo. E tinha um cheiro tão bom...

“Dinnie Ray Marques”, minha mãe gritou.

Eu abri os olhos , vendo que eu estava a centímetros do rosto de Susan a farejando como um cachorro. Me afastei de súbito e abri minha boca como um bicho. Como se eu fosse avançar. Minhas mãos em garras, minha boca aberta e um bagulho estranho surgindo do fundo da minha garganta. Isaac deu passo a frente de mamãe e Susan e as colocou atrás dele.

“Dinnie. Está tudo bem?”, ele perguntou.

Aquele cheiro, aqueles barulho. Eu não poderia aguentar. Olhei para a janela e vi o tom laranja atingindo os céus, avisando o final de mais um dia ensolarado. Então, eu entendi. Coloquei a mão instintivamente em seu pescoço, onde eu, pelo que era lembrada, fui mordida e vi todos os meus parentes seguindo o movimento da minha mão. Todos arfaram. Minha garganta continuava pinicando e ardendo, mas eu consegui recobrar a consciência o suficiente para saber que eu não poderia atacá-los. Então, sem mais esperar, eu pulei janela a fora, sem sequer, sentir o vidro em minha pele. E corri.

Enquanto corria, pensei em sair da cidade, mas o risco de dar de cara com alguém que eu, possivelmente poderia matar, me fez ficar.

Uma dica: Saia da luz e vá para a casa do seu maior inimigo, espere a noite cair e seus instintos tomarem conta de você.

Então uma ideia surgiu em minha mente.

Me sentei em sua cadeira de couro e cruzei minhas pernas, esperando. Não demorou muito e ele entrou na sala. Com ela. Nem, sequer, me permitir respirar. Fiquei observando-os, no escuro, com frieza planejada.

Esperei até que, segundos depois, Jonathan acendeu a luz. A primeira a me ver foi ela, que soltou um grito e apontou para mim. Os mesmos barulhos que eu escutei na minha casa, estavam mais altos e mais rápidos, o que fizeram minha garganta apertas e pinicar de antecipação.

Jonathan virou seu corpo e deu um passo para trás me viu. Eu sorri. Não o bastante para que minhas presas aparecessem, mas o suficiente para mostrar que eu não era a mesma Dinnie Ray de ontem. A mesma boba que pensava em casar e sair da casa da mãe. Meus sonhos tinham sido destruídos.

E o filho da mãe ainda estava com outra.

“Dinnie, graças a Deus , você está viva”, Jonathan disse , tentando quebrar o silêncio constrangedor que se formara ali. “Precisamos mesmo conversar”

“Claro”, eu sorri e me levantei de sua cadeira. A vagabunda fez menção de ir embora, mas eu a impedi. “Fique, querida. Vamos conversar todos juntos.”, eu disse hipocritamente.

“Acho melhor eu ir embora”, ela sussurrou no ouvido de Jonathan pensando que eu não poderia escutá-la. “Sua noivinha está um pouco estranha. Bem que você disse que ela era esquisita”, ela se virou para abrir a porta , mas eu fui mais rápida.

Antes que ela, sequer, piscasse, eu já estava encostada na porta, como se nada tivesse acontecido. Os olhos de Jonathan se arregalaram e iam e viam , da mesa onde estava antes até o lugar onde eu estava agora. A vadia de um passo para trás, tentando se afastar de mim. Eu sorri mais satisfeita ainda com minhas nova identidade.

“Sentem-se”, eu ordenei. Os dois ficaram me olhando como se eu fosse louca ou um monstro. E aquilo me irritou. “Sentem-se”, eu gritei.

Jonathan literalmente se jogou no chão, tentando se sentar o mais longe que pudia de mim. A vagabunda sentou na cadeira que havia logo atrás dela. Os dois não tiravam os olhos de mim, nem por um segundo.

Comecei a andar pela sala, com as mãos para trás e um sorriso sonhador e perigoso nos lábios e chutando partes do vestido que entravam em meu caminho. Como se eu dançasse. Como se eu fosse uma criança travessa.

“Sabe o que aconteceu ontem comigo , querido, logo depois que eu saí da sua sala?”, eu perguntei me abaixando a sua frente e segurando seu rosto com cuidado. Ele negou. “Eu corri.”, respondi suavemente e me levantei, recomeçando a dança. Me sentia livre, mesmo com aquela ardência na garganta. “Eu corri para a floresta.”, eu cantei notando como minha voz estava diferente. Mais melodiosa e musical. “Notou algo de diferente em mim, querido? Além da voz e da rapidez, é claro”

Jonathan engoliu a seco antes de responder. O doce som de seu coração acelerado bombeando o sangue com mais rapidez para o corpo era indescritível. O cheiro, melhor de todos. Queria saber o sabor...

“Seu pescoço”, ele respondeu, me fazendo abrir os olhos. Nem percebi que os tinha fechado. Jonathan parecia procurar com cuidado, as palavras. Eu sorri e gesticulei para que continuasse. “Tem um desenho nele. Um tipo de raposa.”, ele gaguejou.

Eu levantei a sobrancelha. Sabia que meu pescoço estava sensível por causa de mordida, mas nunca desconfiaria de um desenho em minha pele. Parecia tão primitivo. Rapidamente voltei a minha expressão fria.

“O que mais, Jonathan?”, eu disse me aproximando novamente. “Quero que me surpreenda. Quero que me elogie como fazia antes. Mas, dessa vez, com sinceridade”

“Você está mais pálida.”, ele continuou mais seguro de suas palavras. “Não que você fosse muito morena, mas está mais fantasmagórica agora.”, ele percebeu que eu não estava brincando e continuou rápido. “Seus olhos parecem mais felinos, sua pele está gelada e macia, mas dura ao mesmo tempo. Na verdade, você está linda”, ele terminou e pressionou seus lábios juntos.

Eu me agachei novamente a sua frente e peguei em seu queixo para que ele não desviasse o olhar de mim. Mesmo eu não a dando atenção, não tinha me esquecido da outra sentada a metros de mim. Sua respiração ofegante era um bom lembrete.

“Eu estou linda, Jonathan?”, eu perguntei com um sorriso. Ele assentiu e se arriscou a tocar em meu rosto. “Você dizia que eu já era linda antes.”, balancei a cabeça em falso desapontamento. “Mas, você quer saber porque eu estou tão linda assim?”, eu sussurrei em seu ouvido.

Seu cheiro me atraindo tanto, que tive que beijar seu pescoço. Quando dei conta de mim, estava lambendo o lugar exato onde uma veia pulsava. Ele soltou o ar junto com um gemido. Eu sorri mais ainda e me afastei dele para poder olhar e seus olhos.

“Você quer saber como fiquei assim, querido?”, eu perguntei novamente, com o mesmo sorriso nos lábios. Jonathan assentiu. Eu me aproximei de seu ouvido e sussurrei com a voz mais angelical que tinha. “Eu estou assim, porque eu morri. E sabe o que eu vou fazer?”, ele balançou a cabeça, negando. “Vou te matar. Você e aquela prostituta sentada ali.”

Sem mais nenhuma palavra, eu o mordi. A sensação não tinha descrição. Era como sentir o gosto do mais caro e mais fino chocolate descendo pela sua garganta. Comecei a me habituar ao gosto enquanto minhas presas iam mais fundo em sua pele.

O grito da vadia que me despertou do prazer que eu estava sentindo naquele momento e largar o corpo , já morto de Jonathan para passar para a próxima vítima. Eu sorri quando ela se debateu em vão. Estava mais concentrada em aplacar minha sede.

Saí do escritório como uma criança que tinha acabado de ganhar um brinquedo novo. Sorria e saltitava pelas ruas de Dallas. Alguns me olhavam como se eu fosse uma deusa, outros como se eu fosse doida.

Só no dia seguinte que eu pesei meus atos e vi a repercussão da notícia na cidade. Também percebi que não poderia mais ficar em Dalas. Que, logo começaria a chamar atenção. Que, logo poderia matar alguém conhecido, assim como quase tinha matado minha irmã.

E, além disso, eu tinha que descobrir quem eu era agora. Ou, o que eu era. Saber amis sobre o mundo vampírico e talvez descobrir quem era o meu criador. Eu já tinha feito tudo o que desejava ali. Minha vingança estava cumprida.

Então eu deixei de ser Dinnie Ray Marques, filha do meio do falecido prefeito, para ser Dinnie Ray Dallas, a vampira nômade.

Um barulho me despertou de minha viagem no tempo. Nem perdi tempo. Me agachei pronta pra atacar qualquer um que tivesse vindo para atrapalhar minha paz. Mas, o vento mudou de direção , me trazendo um cheiro doce e o barulho de seu coração acelerado. Abaixei minha guarda e virei.

Para encontrar o par de olhos cinzas que eu tanto amava.


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