“Meu Pai, que o Senhor me dê forças para seguir em frente, que o Senhor guie meus passos e minhas ações. Vós que sois o Deus eterno e supremo, me ilumine e proteja com sua manta de glória e justiça. Que assim seja.”

Levantei decidido após orar para meu Pai. Beijei minha espada sagrada e a guardei invisível aos olhos dos mortais. Eu tinha uma missão e ela seria cumprida. Muitos de meus irmãos falharam antes de mim e eu tinha plena consciência do risco que corria, mas esse era o meu dever. Fui pessoalmente designado por Miguel, que depositou em mim sua confiança e eu não iria decepcioná-lo.

Fechei o sobretudo para me proteger do ar gelado da madrugada e fui até onde minhas pesquisas haviam me guiado. Soxx era minha meta. O delegado dos vampiros daquela região era poderoso, não só pela idade e pelos poderes físicos que isso acarretava, mas sua fama estava tão consolidada na região, que os vampiros não mais temiam a nós. Soxx conseguiu destruir Valuhiel, Anazael e Maluriah, meus antecessores, e sua fama e posição se consolidaram. Os vampiros lhe eram gratos e seu domínio estava seguro.

Era minha missão acabar com isso. Como anjo enviado de Deus, minha missão se resumia em extinguir da Terra os filhos de Caim, os Filhos do Pecado, também conhecidos como vampiros. Soxx era um vampiro centenário e por minhas mãos, estaria com seus dias contados.

Entrei num bar de terceira chamado La Frontera. Eu sabia que Soxx estaria ali. Um dos meios de sobrevivência dele era o tráfico de entorpecentes, entre outras coisas, e esta noite a polícia tinha rastreado uma possível negociação entre um conhecido traficante chamado MD e Soxx e eu tinha monitorado toda a investigação. No fim, haviam policiais civis infiltrados no meio dos frequentadores do La Frontera, aguardando a chegada de MD e seu possível encontro com Soxx.

O lugar era um antro de selvageria. Os vampiros atraiam as pessoas até eles. Além do sexo e das drogas, havia um componente extra que os humanos desconheciam: a atração irresistível que os vampiros impõem por sua natureza. Os humanos são inconscientemente manipulados por estas criaturas, que encantam e fascinam os desavisados.

Os que frequentavam o lugar geralmente iam atrás do que Soxx e sua gangue, ou família, ofereciam: prazer químico, físico e ilusório. Inevitavelmente acabariam sendo drenados em algum momento e alguns poucos, convertidos.

Eu sentei em um dos bancos altos do bar e estava tamborilando ao lado da minha garrafa de cerveja. Sempre detestava a parte que tinha que ser convincente. Meus olhos e sentidos aguçados, porém, estavam muito longe do efeito destrutivo do álcool que meu corpo ingeria. Foi quando olhei para uma jovem sentada há poucos metros de mim. Eu a vi apenas de perfil, mas reparei em suas finas feições. O nariz reto e pequeno, a íris verde. Sua pele era muito branca e fina e contrastava com os cabelos vermelhos brilhosos que caíam pelas costas.

A moça ruiva estava olhando fixamente para longe. Meus olhos acompanharam sua visão e se depararam com um jovem humano que saía apressado do lugar. Poucos segundos depois, ela o seguiu. Silenciosamente, orei ao meu Pai pela alma do pobre infeliz.

- Procurando diversão, meu gato?

Olhei para o outro lado e vi uma mulher de pé perto de mim, Ela trajava umas roupas de couro negro, mas eu via muito mais de sua pele nua e pálida sendo exposta como a mercadoria que era. Também reparei em seus caninos levemente pontiagudos.

- Eu já estou esperando alguém, senhorita, obrigado. – respondi.

- Ah! É uma pena. Se mudar de idéia, pode me procurar. Não é certo alguém como você ficar sem diversão numa noite como essa... – ela passou a mão pelo meu peito e se aproximou do meu ouvido – Não se preocupe benzinho, pra você será apenas diversão gratuita.

Acenei em acordo e a mulher se afastou. A Filha do Pecado também não percebia, mas eu, com minha essência angelical, também exercia um fascínio inconsciente sobre as criaturas. Somente os vampiros mais antigos conseguiriam me distinguir de um humano qualquer. Um tão experiente quanto Soxx, certamente.

Não demorou muito tempo e eu percebi um movimento na parte superior do clube. No segundo patamar, onde supostamente funcionava a área VIP, era onde as negociações aconteciam. Na multidão, os policiais infiltrados se movimentaram. Levantei e discretamente fui andando para perto de uma das escadas que davam acesso ao segundo patamar. Fiquei próximo o suficiente para poder me infiltrar na primeira oportunidade, mas distante o bastante para não ser pego pelos seguranças que guardavam o local.

Dois policiais disfarçados tiveram acesso a área VIP, certamente se passando pelos traficantes. Eu precisava apenas esperar o momento certo. Não poderia me aproximar demais a ponto de Soxx me detectar, isso teria que ser feito da maneira certa, caso contrário, seria eu o próximo anjo da lista de exterminados.

O tempo passou lento e nada aconteceu. Eu tinha que agir. Aproximei-me de uma moça muito bonita. Era loira, alta e como a outra que me abordou, vestia apenas o necessário. Ela sentiu minha aproximação e em pouco tempo, eu já a tinha convencido a distrair um dos seguranças da escada que dava acesso ao Soxx e deixei uma quantia generosa presa em sua micro-saia antes dela fazer o combinado. Levou apenas poucos minutos para ela o afastar por alguns metros e eles entraram num vão escuro entre a escada e a parede. Nem precisei olhar para saber o que ela estava fazendo, mas já não era da minha conta. Cheguei perto do segundo segurança e rapidamente atingi um golpe certeiro na nuca, que o fez desmaiar.

O barulho e a iluminação me favoreceram, além da relativa distância dos outros frequentadores. Depositei o corpo desacordado do segurança num canto afastado e subi lentamente as escadas. Ouvi uma discussão acirrada e vozes exaltadas. Esgueirei-me pelas pilastras, valendo-me da escuridão. Avistei um grupo de homens em volta de uma mesa repleta de garrafas e copos vazios. Distingui os dois policiais disfarçados e o traficante MD, junto ao seu parceiro de negócio. Junto a eles estavam um vampiro negro careca, armado até os dentes, e ao seu lado a figura magra e esguia de Soxx.

Pareciam estar fechando negócio, ou tentando. Vi quando um dos policiais levou a mão à canela. Ele foi rápido e sacou uma pequena arma. Seu companheiro sacou também uma pistola e em poucos segundos o caos se instaurou. É claro, que os humanos não sabiam o que enfrentavam, mas eu não estava ali para salvá-los, infelizmente. Meu objetivo era pegar Soxx desguarnecido o suficiente.

Minha chance chegou mais rápido do que eu imaginei. Os policias deram o flagrante em MD e Soxx e seus comparsas e chamaram os outros reforços camuflados no meio do clube através de escutas. Mas Soxx e o vampiro negro eram muito mais rápidos. Atacaram os dois policiais com tudo e MD, assustado com a cena, disparou na direção de Soxx. É claro que a bala não o mataria, mas foi suficiente para deixá-lo debilitado de um braço. Era minha chance.

Com minha espada sagrada em punho, avancei, saindo da escuridão. Soxx me detectou rapidamente e se esquivou. Toda a batalha entre os humanos e o vampiro negro ficou para trás. Eu e Soxx batalhamos. Ele era um vampiro antigo e poderoso, mas eu fui treinado por Miguel e tinha a confiança dele para estar aqui. Não falharia.

Soxx assumiu a posição de batalha, o corpo dobrado, os braços estendido. Seus longos e afiados caninos completamente à mostra. Minhas duas únicas opções eram cravar minha espada em seu coração ou decapitá-lo e até que eu fizesse uma dessas coisas, ele não poderia me ferir. Se eu sangrasse ali, no meio de tantos vampiros, eles sentiriam meu cheiro e seria o meu fim. Esse tinha sido o erro de meus irmãos.

Soxx avançou, rosnando ferozmente. Ele foi surpreendido pela minha presença e vampiros não gostam de ser pegos de surpresa, estava furioso. Esquivei de sua investida e consegui fazer minha lâmina raspar em seu braço esquerdo. O sangue do vampiro pingou no chão. Atrás de nós, os tiros e os sons da briga aumentaram e eu soube que o vampiro negro estava enfrentando os reforços policiais.

- Me diga seu nome, Ser Alado. – Soxx exigiu enquanto se recuperava.

Nós nos rodiamos numa dança mortal.

- Não me ordene, Vampiro, não sigo suas ordens.

- Então saiba que vai ter o mesmo fim de seus irmãos e seu sangue sagrado somente servirá para me fortalecer, Anjo.

Soxx saltou em minha direção e um grunhido enorme saiu de seu peito. No mesmo instante, minhas asas se materializaram e dei um impulso equivalente. Esse foi o erro dele. Sua natureza de domínio o fez querer se elevar sobre mim, mas no ar, ele não pode vencer um Anjo.

Ele veio com as presas em minha direção, mas encontrou minha espada. Cravei-a em sua garganta e ela saiu do outro lado, através da nuca. O corpo do vampiro caiu, debilitado ao extremo, mas não morto. Ele estava retorcido no chão abaixo de mim, que o sobrevoava com minha espada ainda encharcada com o sangue da criatura. Pousei sobre seu corpo fragilizado e direcionei minha arma para seu coração morto-vivo.

O terror preencheu os olhos negros do vampiro e sua cara desfigurada se contorceu.

- Eu sou Gabriel. – falei antes de cravar a espada em seu coração.