AUGUST 15, 2008

MAIS QUE MERDA! – gritou a garota ruiva, correndo para tomar banho.

Estava mais uma vez atrasada. Havia ficado até tarde praticando em seu inseparável violino. Além de ter tomado algumas doses de uísque, o que era mais do que normal pra garota com seus 24 anos por chegar.

Entrou desabalada no chuveiro, ligando-o rapidamente, esperando que a água realmente quente caísse e acalmasse seu animo e aplacasse seu frio.

Enquanto o maldito chuveiro não esquentava o suficiente, Kylie se despiu o mais rápido que podia, se enfiando logo em seguida no chuveiro. Seus cabelos loiro-arruivados escorrendo levemente em seu rosto, causando uma sensação de bem estar que ela sabia que só um bom banho a proporcionava.

Saiu do chuveiro em menos de 5 minutos e correu para seu closet, que estava, como sempre, totalmente bagunçado. Pegou a primeira calça jeans que viu e uma blusa com estampa de banda, como muitas que ela tinha. A sorteada da vez foi uma do Ramones, preta com silk branco e vermelho. Vestiu-se rapidamente e pegou uma jaqueta de moletom preta, que não sabia de quem era mais tinha certeza que não havia comprado. Calçou seu inseparável par de All Star preto, pegou a mochila que estava sempre preparada, seu violino e o case. Correu até a cozinha e pegou algumas torradas meio velhas. Não daria tempo nem de comer na rua, muito menos cozinhar tranquilamente.

Kylie não era uma garota Nova Yorkina comum. Para falar verdade, nem de Nova York ela era. Kylie Steele era uma inglesa, com muito orgulho. Vinha de uma família de classe média, mas teve que trabalhar desde cedo, e nunca teve nenhuma inclinação para nada em termos de emprego. Não sabia o que queria ser quando crescesse, mas tinha certeza que não teria verba o suficiente para fazer uma faculdade ou algo assim. Afinal sua família não a ajudava com nada, imagina então pagar seus estudos. Quando fez 16 anos surgiu a oportunidade de sua vida. Ela era uma rockeira intratável, mas sempre amou instrumentos clássicos, como piano e violino. E isso fez toda a diferença.

Aos 16, Kylie já trabalhava fora para ajudar em casa, não que a familia precisasse realmente do dinheiro, mas a mãe a obrigou a trabalhar desde sempre. Não era muito dinheiro, mas ajudava bastante. Um dia, saindo do seu trabalho na lanchonete após muito trabalho, Kai, como seus amigos a chamavam, viu um anuncio de aulas de musica clássica. Era seu sonho de vida. Imagine só, uma garota do "subúrbio", tocando na numa orquestra! Os olhos se iluminaram com a possibilidade, mais logo se anuviaram novamente. Para fazer aulas de musica clássica ela precisaria de, no mínimo, tempo. E era algo que ela não tinha, já que trabalhava e estudava. Além disso, ela precisaria de um instrumento clássico, e para isso, de dinheiro. E ela não tinha nem um, nem outro.

Mas ela teve uma ideia que poderia mudar um pouquinho as coisas: e se ela, antes de tomar decisão qualquer, conversasse com a professora de música? ”É, vou fazer isso logo que sair da escola amanhã”.

Como planejado, no dia seguinte, Kylie estava na porta do estúdio de musica que dava as aulas. Pediu para falar rapidamente com a dona do lugar, com medo de se atrasar para o serviço.

- Boa tarde, senhorita...? – perguntou a proprietária. Era uma senhora de aproximadamente 60 anos, com um ar inteligente, com uma elegância digna da realeza britânica. Seu nome era Judi Fowler.

- Steele. Kylie Steele. – respondeu – Senhora Fowler, vim aqui para saber das aulas de musica clássica. A senhora, por algum acaso, estaria dando bolsas de estudo para alguns alunos?

- Sinto muito, senhorita Steele. Nós geralmente não damos bolsas de estudos para alunos, já que quem faz aula de musica clássica, geralmente, tem bastante dinheiro. Convenhamos que as aulas não sejam nada baratas.

Kylie suspirou frustrada. Eram as ultimas esperanças para seu sonho se realizar. “Já era” pensou. “Me arrumei, não vim de preto nem de maquiagem pesada, tentando ser apresentável. Engoli toda a minha falta de educação, pra dar em nada. É minha sina mesmo”

- Ah, obrigada pela atenção, Sra. Fowler. Desculpe o incomodo – disse Kylie, levantando-se da confortável poltrona de chintz e se encaminhando para a porta.

- Ah garota, como você é idiota! Desde quando favelados como você se interessam por musica clássica? Hein? – perguntou Judi, exaltada.

- Como é que é? Vai se ferrar, sua idiota. Não é porque eu não tenho dinheiro pra enfiar no seu rabo que eu tenho que ouvir suas chateações! – respondeu Kylie, em seu mau humor constante. – Além disso, foi até melhor eu não ter conseguido. É uma idiotice, eu não tenho nem como comprar um graveto, imagina para comprar um instrumento clássico. Mas ainda assim você não tem o direito de tirar tão bruscamente o sonho de alguém.

Kylie ficou ainda mais mal humorada quando a Sra. Fowler sorriu, de repente. A ruiva fez um trejeito engraçado com as sobrancelhas, como se achasse que a velhota Judi Fowler tivesse alguma doença mental. A senhora logo fez um sinal para que Kylie se sentasse novamente.

- Sabe Kylie, eu realmente gostei de você. Tem personalidade, fibra. Tudo que um bom musico precisa. Acho que eu estou disposta a bancar seu curso se você tiver talento com algum instrumento. Você veio com tempo?

Kylie estava abobada. “Como essa velhota primeiro me xinga de favelada, e depois vem dizer que vai pagar meu curso? Que mulher louca”.

- Pra falar verdade, não. Eu tenho que trabalhar daqui a uns 20 minutos, e pra chegar lá tenho que andar bastante. Desculpe – respondeu a Steele, amuada.

- Vamos lá garota. Se você for realmente boa, te levo de carro até onde você trabalha.

- Primeiro: porque esta tentando me ajudar tanto assim? E segundo: eu nunca coloquei nem meus olhos num instrumento clássico. Como você espera que eu me saia bem?

- Steele, você deve achar que eu nasci cheia da grana; mas não é bem assim. Não nasci rica, construí minha própria riqueza. Eu era moradora de favela mesmo, sem ter nem o que comer direito. Mas nunca, nunca mesmo, desisti dos meus sonhos. E olha onde eu estou! – respondeu Judi, abrindo os braços – E se você tiver o dom, vai saber o que fazer quando ver um instrumento. Quem tem dom, tem dom. É isso ou nada.

Suspirando pesadamente, Kylie resolveu aceitar. Um dia a mais ou a menos de trabalho escravo naquela lanchonete não iria fazer nenhum mal.

- Tudo bem, Sra. Fowler. Vamos logo com isso.

- É assim que se fala garota.

- Entendeu Kylie? Estas são as notas que você deve executar. Depois nos iremos para o violino. Estes dois, piano e violino, são os básicos e principais instrumentos que um bom musico deve saber tocar. Quer que eu repita a sequência? – perguntou Judi, após tocar uma curta melodia. O objetivo daquele treino era saber se Kylie seria capaz de reproduzir a mesma melodia errando o mínimo possível de notas.

- Não, eu realmente entendi. Acho que posso repetir.

Kylie sentou-se na banqueta de frente ao piano. Alisou cada uma das teclas, tentando absorver cada gota daquele momento mágico. Fechou os olhos e começou a apertar as teclas, conforme a melodia ouvida anteriormente, quando a Sra. Fowler a tocou. Fluiu tão calmamente, tão natural, que Kylie até se assustou. Parecia que era novamente a Sra. Fowler ao piano, tocando uma simples canção. Quando terminou a sequencia, Kylie ainda ficou algum tempo, tentando absorver seu primeiro contato com um piano. Foi tirada de seu torpor por palmas entusiásticas vindas da velha Judi, que estava com os olhos até marejados.

- Aconteceu algo, Sra. Fowler? – perguntou Kylie, com medo – eu fiz algo errado?

- Não criança. Sabe o que você fez? – Steele negou com a cabeça – Você simplesmente pegou minha canção e a reproduziu com tanta emoção que a música ficou perfeita. Poucas vezes vi um pianista como você, Steele. Foi incrível.

Kylie olhou para os lados, esperando ver outra pessoa além dela mesma naquela sala.

- Eu? Pianista? Sério?

- Nunca falei tão serio menina. Você foi incrível! – senhora Fowler respondeu, ainda emocionada – Vamos para o violino! Anda logo, estou ansiosa pra ouvir você outra vez.

Judi foi ate um violino e colocou-o em posição. Rapidamente mostrou a Kylie como encaixar o instrumento em seu corpo. Depois começou a tocar uma melodia profunda, que chegava ao cérebro de Kylie com tal força que a menina se emocionou. Violino parecia realmente mais complicado, mas não seria nenhum impedimento para a pequena Steele. Assim que a Sra. Fowler terminou, entregou o violino para Kylie, que tremia involuntariamente.

- Fica calma, menina. Você é um gênio. – disse a senhora Fowler.

- Você tem a noção que pegar num violino é meu sonho? – respondeu Kylie, pegando o violino e encaixando-o corretamente ao seu corpo. Steele respirou fundo e começou a liberar os primeiros acordes da musica que deveria tocar.

Judi olhava incrédula para Kylie. A menina tocava com tanta emoção que Judi estava arrepiada. “Ela não errou nenhuma nota. Sua capacidade de reprodução é inacreditável. É difícil acreditar que esta menina nunca sequer tocou num violino. Ela foi realmente bem ao piano, mais quando pegou neste violino...” pensou a Sra. Fowler. Quando Kylie terminou a música reparou que no rosto da velha Judi corria uma lagrima solitária, mas emocionada.

- Você nasceu para música, Srta. Steele. E por mais dificuldades que você tenha, peço que se empenhe o máximo que puder.

“Mas as dificuldades nunca foram barreiras pra mim”, pensou Kylie nostálgica, enquanto adentrava no grande anfiteatro, onde todos já a esperavam.