Capítulo 1

Eu estava lá desde às quatro da tarde, quando acabava mais um dia de trabalho naquele pedaço do inferno, e a Morgan não parava de falar nem um segundo. Ia e voltava, e continuava falando.

-Er, o que você está fazendo aqui mesmo? Só abre depois das sete... Precisa de alguma coisa?

É bem desse jeito que eu sou recebida, cortesia por ser uma boa amiga. Eu estava agitada, mas não ia começar a beber de tarde. Já é demais, até para mim.

-Vim te fazer companhia. Não quer? Eu vou embora então!

Ela quase derrubou uns copos que um cara recém havia colocado ao lado dela para me segurar pela blusa.

-Ah, desculpa! Desculpa, mesmo.

Eu e a Morgan nos conhecemos desde... Desde que começamos a dividir um apartamento. Ainda não sei por que eu comecei a dividir um apartamento, ela é louca. Mas quando nos conhecemos ela parecia tão adorável! Porém é só fachada, debaixo daquela carinha de anjo tem... Hm, a verdadeira Morgan.

-Quer beber alguma coisa?

Todas aquelas garrafas com conteúdos coloridos pareciam tentadoras, mas, repito ainda são quatro horas (quase cinco) e eu não iria começar a beber. Ainda.

-Me dá só uma água.

Ela me serviu em um copo e sumiu por uma porta de novo. Pelo menos eu não tenho que ouvir mais sobre os vícios adolescentes dela. Eu e ela temos mais de vinte anos (prefiro não revelar quanto, e é falta de educação perguntar isso, hunf), mas ela continua gostando das mesmas bandas de três anos atrás.

E gostando é uma forma carinhosa de dizer... Ela é completamente viciada, eu tive que intervir porque ela ia tatuar o nome de algum integrante no braço. Nada contra quem faz, mas não. Eu não deixaria ninguém fazer isso.

Convenci ela à fazer outra coisa, mas ela ficou com medo e no fim não deu em nada.

-Voltei!

-Podemos conversar agora?-Perguntei mirando o relógio no meu pulso novamente.

-Claro!

Morgan mandou eu me apressar, porque ela tinha mais quinze minutos e depois tinha que trocar de roupa.

-Virou bar de strip-tease agora?-Fiz uma careta.

-Não, eu só tenho que vestir com o uniforme bonitinho para chamar atenção dos clientes.

Significava que ela ia vestir um trapo, ficar quase nua para os bêbados virem er, se embebedar mais.

-Ai, Camila!

Suspirei, tentando dar fim àquela discussão e troquei de assunto.

-Então, sabe um colega seu? Meio loiro e d...

-Ouvi que eles estão na cidade! E se eles aparecerem aqui? AH!

Morgan começou a rodopiar pelo bar feito a doida que é e, de novo, quase derrubou mais copos quando tropeçou. Eu avisei que ela era louca.

-Não querendo te desanimar, mas... -Prolonguei um pouco o silêncio, para fazer suspense. -Mesmo que eles aparecessem aqui, você nunca ia reconhecer... Fica escuro e não se enxerga nada. E não é sonhar um pouco demais?

Ela pareceu extremamente ofendida e me deixou sozinha.

Alguns colegas dela me cumprimentaram e o loiro (do qual ela não me deixou falar) surgiu, sorrindo. E eu não estou lá essas maravilhas, com essa roupa feia que dói e o cabelo todo embolado. Sou meio preguiçosa às vezes.

Mas nessas situações de extremo desespero eu devia sempre trazer alguma roupa, pelo menos uma blusa bonitinha.

Odeio meu trabalho.

Pulei na cadeira e fui me refugiar no banheiro. PAI DO CÉU! Eu estou um monstro! Só faltavam uns arranhões, a roupa um pouco mais velha e rasgada e eu era um perfeito zumbi de Hollywood.

Legal! Quando eu estou arrumada/sexy/aceitável ele nunca aparece ou não me dá atenção, agora quando eu estou exatamente igual à uma mendiga ele quer bancar o sociável e dar sinais de querer compartilhar interesse comigo.

-Está escondida no banheiro por quê?

Dei um salto quando a Morgan adentrou o banheiro como um furacão.

-Acho que vou me esconder na cabine dois e assombrar esse banheiro. Vai trazer mais popularidade para esse lugar. -Choraminguei, já me dirigindo à cabine.

Mas Morgan continuou ignorando meus apelos e eu já estava prestes a entrar no vaso sanitário e dar descarga quando ela me puxou quase rasgando os meus trapos.

-Não se mata, eu vou buscar alguma coisa para você colocar. É rápido...

Não foi rápido o bastante para evitar que uma mulher entrasse no banheiro e tomasse um susto com a minha cara de defunto.

Relevemos que eu sou pálida além do normal.

-O que é isso? -Berrou ela, soltando algumas roupas no chão e indo conferir se a mulher ainda respirava.

Vou voltar para o meu vaso.

-Ok, calma! Você se veste e depois eu acordo essa moça.

Ela pegou um “pouco” de água na torneira e atirou na cara da mulher.

Isso mesmo, ela quase matou a coitada afogada.

-Desse jeito teremos dois fantasmas.

-Você não vai viver enfurnada nesse banheiro, não pode continuar sendo essa coisa triste, branca, solitária e que não pega ninguém!

Querida, a culpa não é minha se eu sou cor-de-papel, eu já tentei pegar um bronzeado igualzinho às mulheres brasileiras, mas eu fiquei igual a um camarão e tive que dormir dentro da geladeira.

-Me erra, Morgan.

E sair desse banheiro adicionará algum bronzeado a minha pessoa?

-Eu vou te vestir à força, então.

Aquele ser é extremamente bruto e violento quando quer. Não cutucarei a onça com vara curta.

Filosofei agora, aplausos, por favor.

-Calma! CALMA! -Gritei quando ela ameaçou avançar sobre mim. -Eu me visto sozinha.

Agarrei as peças de roupa e entrei na cabine no tempo exato de vinte segundos. Sou recordista mundial em fugir da Morgan.

Enfiei tudo sem prestar a atenção e abri a porta com a pose “Eu sou sexy demais!”.

-Será que está faltando alguma coisa?

-Você está horrível, eu pedi para escolher uma peça só, não enfiar todos os vestido e saias ao mesmo tempo.

Me encarei no espelho, e nossa!

-Vou tirar algumas peças.

Dessa vez antes de sair dei uma olhada básica para garantir que sairia normal.

-Ficou ótimo!

Eu estava sentindo falta de algum tecido em áreas estratégicas e frio em lugares que nunca se deve sentir frio.

-Para de se fazer se santa, você já usou bem menos que isso.

Depois de maquiar, pentear (lê-se: quase arrancar minha cabeça fora) nós saímos do banheiro assombrado.

-Ei, não nos esquecemos de alguma coisa?

Permanecemos pensativas por alguns instantes, mas um homem chamou a Morgan e o loiro sorriu para mim. Duas vezes! Eu devo estar arrasando.

Mas isso é só suposição.

Voltei para a minha cadeirinha e logo um copo com uma bebida colorida surgiu bem na minha frente, tipo muita MAGIA!

-Já vai começar?

Mas não era a Morgan , era o loiro. Que agora estava rindo da minha cara.

-Foi mal!

Começou a arrastar o copo para longe de mim, mas eu o impedi. E virei o copo.

Hihihi, tudo gira!

É eu fico meio estranha quando bebo.

De novo, só uma suposição.

.

Tudo já estava mais escuro, a música já estava alta e não mais cadeiras vagas ali no bar.

Morgan sempre parecia estar se divertindo, eu queria ter um emprego legal também. Já estou passando para o estado bêbado-depressivo.

-Quer mais, Camila? -Perguntou já misturando mais algumas bebidas.

-Você já sabe a resposta.

A bebida vinha cada vez mais colorida e forte, mas eu já nem ligava. Morgan reclamou da demora do pequeno intervalo que ela tinha, mas permaneceu na minha frente.

-Talvez eu tenha exagerado, mas aposto que você nem os reconheceria.

Ela deu um pequeno sorriso.

-É, pode ser.

Comecei a dar risada. E foi meio alto, porque umas pessoas viraram para olhar.

Não foram todas, porque parecia ter algo mais interessante lá na entrada. Eu gostaria muito de saber o que é, mas a manobra é muito arriscada e estou quase caindo da cadeira.

-Ai meus pés!

Agora reparei que ela estava mais alta, devia estar com saltos enormes.

-Tira os saltos!

Ela abaixou um pouco e começou a choramingar.

-Mas eu gosto de ser alta!

Peguei o copo e tentei beber de forma sensual, porque o loiro estava olhando.

-Psiu, Morgan...

Ela aproximou-se para ouvir.

-Como é o nome do seu colega lindão?

Morgan olhou ao redor. Anta.

-O loiro!

Ela respondeu “Erick!” de uma forma tão escandalosa que até o segurança lá na rua percebeu que estavámos falando do lindão.

-Me chamou?

Apoiei a cabeça na mesa enquanto ouvia o diálogo atrapalhado dos dois.

-Ei, esse lugar está vago?

Acenei de qualquer jeito e continuei na mesma posição.

Só podia ter permitido que vários bêbados bizarros sentassem ao meu lado, mas eu não ligava mais. Queria que o meu príncipe viesse me salvar e para termos uma quente noite amor...

As vozes deles começaram a ficar menos reconhecível e eu me imaginei em um pesadelo em que estava cercada de escuridão e Erick ficava cada vez mais distante e nunca conseguia alcançá-lo...

-NÃO!

Ops...

Pigarreei e voltei ao meu lugar ignorando todos que me encaravam de forma assustada. Os bêbados ao meu lado tentavam segurar o riso e eu até me virei para começar a xingá-los mas me faltaram palavras.

Tchau Erick, olá ruivo lindo. Sabe quando você tem a estranha sensação de que conhece uma pessoa, mas não se lembra de onde?

Aquelas caras me eram familiares.

Mas o mais importante: Er, como é mesmo? -Álcool afetando a minha cabeça.- Ah, como é que eu vou puxar assunto depois do mico que paguei?

-O-oi!

Eles sorriram e iam me responder, mas alguém me arrancou da cadeira.

-Vamos para casa.

Fiquei perdida por alguns segundos e só fui reconhecer a voz da Morgan quando ela esbarrou em alguém e quase quebrou o pé com aquele sapato de dois metros.

-Morgan! Eu estava tentando fazer amizade com os gatinhos!

-Você está bêbada, vou te levar para casa.

-E o seu trabalho.

-Erick vai me cobrir, prometi que não ia demorar!

Traidor! Só porque eu não te quero mais! Tentei achá-lo ficando na ponta dos pés, mas tinha gente demais.

-Não viu aqueles dois lá no bar? Eu estou tentando mudar o meu destino trágico de ficar ‘sozinha morando com vinte gatos’ para ‘vivendo um grande amor!’.

-E se eles forem psicopatas? Estupradores? Drogados? Psicopatas-Estupradores-Drogados?

Medo.

-Não são! Volta lá que você vai ver.

To cold for you to keep her

(Muito fria para você manter)

To hot for you to leave her

(Muito quente para você deixar)

Ela me guiou de volta segurando firme a minha mão, quase quebrando meus dedos.

-Tudo bem, onde estão?

-Bem ali!-Apontei para dois gatinhos de cabelo estranho. Agora que eu percebi.

-Daqui eles parecem drogados, vem...

Minha vez de puxar ela...

Arrastei Morgan e chegando onde eles estavam empurrei ela com força e...

Ela.

Caiu.

Ela vai furar meus olhos com aqueles saltos! Fujam para os promontórios!

-Tudo bem aí?

O santo do cabelo ruivo levantou e ajudou ela a se erguer. Perdeu pontos comigo porque ajudou o inimigo.

Agora o inimigo está olhando vidrado para o ruivo. Safada!

SAQUEI DE ONDE EU CONHEÇO ESSES DOIS!