Memórias Aventurecas - o Orfanato da Perdição escrita por Davi Mello


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Este é o primeiro capítulo do livro que estou escrevendo e que pretendo publicá-lo assim que possível.
Espero que gostem dessa pequena prévia. ;)



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A maioria dos contos de fadas inicia-se com “Era uma vez” e terminam em “felizes para sempre”. Mas, este não é um conto de fada, portanto, nem começará com um “Era uma vez”, tampouco teremos um final agradável – se é que realmente este livro possui um fim.

Sou Edward Stewart e esta é a minha história... Na verdade, não é minha história, mas ajo como se fosse, pois ela faz parte de minha vida.

Os contos de fadas que se prezem relatam a vida medíocre de uma órfã que virará uma princesa, ou então, uma princesa que roncará durante milhares de anos devido um feitiço de uma bruxa má.

Esse não é o caso da história de Antony, Annie e do cãozinho Berry, embora logo nas primeiras páginas você perceberá que teremos uma bruxa. Não uma bruxa como nós conhecemos: símbolo do medo, sempre feia, gorda e com uma enorme verruga no nariz ranhento; o tipo de bruxa que presenciaremos a seguir é aquela cuja pessoa é má e recebe “carinhosamente” a nomenclatura de bruxa.

A senhora Hedwiny caminhava rapidamente pelas ruas encharcadas da Vila Pó-de-Arroz carregando em seus finos braços uma pequena cesta feita de palha.

Hedwiny era uma velha louca de cabelos prateados altamente desgrenhados que vestia dezenas de peças de roupas a fim de esconder a sua corcunda torta e cheia de cravos. Era conhecida como bruxa por ter essa aparência desagradável e devido os seus olhos estrábicos cor de esmeralda lutarem com uma enorme verruga peluda entre eles. Ela não era uma pessoa má, entretanto, não podemos dizer “Nossa, que doçura de velha!”, pois como eu disse antes, ela era uma lunática completa. Caso você não saiba o porquê de eu ter empregado a palavra “lunática” como característica principal de uma velha coitada, eis a resposta: Hedwiny brigava com os muros, xingava os postes, corria dos pombos, agredia as portas, “varria” a calçada com um rodo, penteava seus cabelos com um garfo, temia os livros, perseguia a sombra e cantava ópera em funerais.

Os vizinhos a julgavam uma pessoa cruel pois ela nunca os atendia com simpatia – se é mesmo que ela os atendia -, nem mesmo doava esmolas aos mendigos, nem oferecia uma xícara de café quando alguém precisava. Na verdade, Hedwiny era vista poucas vezes na região. Passava o dia inteiro em sua casa de madeira – que aparentava ser mais velha que ela – e raramente deixava o lar para comprar mantimentos, ou varrer a calçada com o seu rodo que os vizinhos acreditavam ser como uma vassoura de bruxa moderna.

Mas, se me permitem invadir esta maçante narrativa, nossa história não tem o objetivo de relembrar o passado da senhora Hedwiny (pelo menos nesse momento), e sim, relatar o que ela fazia naquela noite chuvosa na Vila Pó-de-Arroz acompanhada de uma cesta feita de palha.

Os vizinhos estranharam a presença da velha, no mínimo, “ela iria comprar elementos de bruxarias”, deduziram.

- Ela está escondendo alguma coisa naquela cesta! – exclamou um dos vizinhos, Ramlet, que estava rodeado de pessoas no armazém do senhor João.

- Deve ser um gato preto! – supôs Elvira, a vizinha mais fofoqueira, nojenta, metida, desprezível e maldosa de todo o bairro.

- Ou então, um boneco de vodu! – supôs Alvira, a irmã da vizinha mais fofoqueira, nojenta, metida, desprezível e maldosa de todo o bairro, que era tão fofoqueira, nojenta, metida, desprezível e maldosa quanto a cruel Elvira.

Naquela noite escura, os vizinhos havia suposto tantas coisas que eu, que também estava presente no armazém do João a fim de me proteger da chuva, perdi as contas de quantas pessoas disseram que dentro da cesta havia uma salamandra devoradora de humanos, ou então, de tantas outras que disseram que no interior do objeto jazia um ovo de dragão que num futuro próximo, incendiaria todas as casas.

A senhora Hedwiny continuava a caminhar, exausta e assustada; suas pernas tremiam ainda mais quando ela decidia proceder mais rapidamente.

Os vizinhos curiosos decidiram seguir a velha, tomando cuidado com as poças de água para que assim não fizessem barulho, evitando que a senhora Hedwiny (que não é um sobrenome) não os vissem. Mas, ela era mais esperta que eles! Constantemente ela olhava para trás a fim de averiguar se ninguém a seguia, e a cada novo passo que dava, desaparecia nos muitos becos do bairro, que eram ainda mais escuros do que um gato preto escondido dentro de um tecido negro enquanto devora um fruto da árvore ebenácea em uma noite sem estrelas, e assim, despistava os intrometidos.

A pobre Hedwiny já estava muita cansada a ponto de não conseguir nem mesmo dar um último passo, porém, antes que ela pensasse em tentar sentar no banco da praça para serenar um pouco, ela tropeçou em uma pedra cinzenta que surgiu ali do nada, e então, veio a cair de uma forma tão bruta que alguns vizinhos que presenciaram essa triste cena e que ainda a seguiam – estes eram os espertos, que carregavam lanternas de lâmpadas alógenas em seus bolsos, assim como qualquer outro gênio – imaginaram que a pobre coitada havia quebrado, no mínimo, as duas pernas e a corcunda feia, que não era algo ruim, é claro! Mas os vis moradores da Vila Pó-de-Arroz – estes sim tinham que ser apelidados de bruxos, magos, feiticeiros ou de qualquer outro ser malévolo – nem se importaram em acudir Hedwiny, que estava caída no chão, igual massa de pizza. No que eles realmente estavam interessados era na cesta, que agora voava pelo céu aveludado salpicado de estrelas brilhantes.

- Pegue-a! – exigiu Elvira a irmã.

Alvira deu um salto mortal, chegou a encostar seus finos dedos na cesta mas caiu em uma área lamacenta.

A cesta continuava a circular contra o vento e foi distanciando-se rapidamente da Vila Pó-de-Arroz, como se pudesse saber do que a aguardava se caísse nas mãos dos habitantes do bairro.

A chuva logo cessou, os vizinhos se entreolharam pasmos e inconformados. Eles jamais saberiam o que a velha carregava naquela cesta. Até podiam perguntar a Hedwiny quando a mesma acordasse, mas acontece que ela não acordou.

Essa é uma das partes da história em que você pode usar uma das folhas do livro para enxugar as suas lágrimas, assim você evita inundar o ambiente no qual está lendo este livro.

A última cena de que os vizinhos tiveram da suposta bruxa foi dela sobre uma maca retirada de uma ambulância, com um tecido negro tampando o seu corpo e a sua face enrugada.

- Até que ela não era uma pessoa má! – disse um vizinho em meio as lágrimas.

- Se não fosse má, não esconderia o que ela carregava naquela misteriosa cesta de palha! – exclamou Elvira empinando seu nariz pontudo enquanto se distanciava junto com a irmã.

Em todos os contos de fadas, pessoas más acabam reencontrando o que elas tanto desejam, e eu sinto em lhes dizer isso, mas... essa história, mesmo não sendo de uma princesa ou uma fadinha, não será diferente. Embora os moradores do bairro da Vila Pó-de-Arroz não soubessem, um dia estariam frente a frente àquela coisa misteriosa que se encontrava na cesta, e se me permitem dizer algo mais, eu também estava lá, e não foi um momento nada agradável.

A cesta sobrevoou o céu estrelado durante horas a fio, e antes do alvorecer, ela pousou em frente a um pequeno rancho.

Se você já foi a um rancho, provavelmente presenciaram muitos animais, muito mato e muito mosquito chato que te devora em uma só noite. Esse não era diferente, com exceção de uma coisa: não tinha muitos animais, apenas alguns cavalos e porcos e um pequeno galinheiro sujo.

- Ande rápido, mocinho! – exclamou uma senhora que possuía um sotaque caipira enquanto retirava as roupas de um curto varal.

Dentro de instantes, um garoto de roupas remendadas deixou o galinheiro e correu para o chiqueiro para se ajuntar aos seus irmãos (desculpe, mas é que ele era muito sujinho). Havia três porcos gordos e bem rosados amarrados um nos outros, e quando o garoto segurou a ponta da corda que os enlaçavam, ficaram em quatro.

- Mais rápido, filho! – gritou novamente a mulher, que agora enxugava suas mãos molhadas em seu avental de trapos amarrotados. – O pessoal do circo chegará a qualquer momento.

O garoto conduziu os três porcos que não paravam de grunhir até a frente do rancho e amarrou a ponta da corda em uma das cercas de madeira que rodeavam o lugar.

- Mãe, e esta cesta? – indagou o moleque, aos berros.

- Cesta? Deve ser a comida dos porcos que seu pai separou antes de ir trabalhar! Ela irá junto, acredito.

Cinco minutos depois, uma pequena besta fora estacionada defronte ao rancho.

- Chegamos! – disse o motorista.

Um outro rapaz que estava sentado ao lado do motorista desceu rapidamente, abriu os fundos do veículo e entrou no rancho.

- Cem pratas! – exclamou ele, retirando de seu bolso uma pequena quantia de notas enroladas em um elástico.

O garoto caipira entregou os porcos ao rapaz assim que ele entregou o dinheiro.

- Espere! – gritou ele. – Tio Doo, você esqueceu a comida dos porcos!

O rapaz, que agora sabemos que era o tio Doo, voltou rapidamente até o sobrinho e pegou a cesta.

- Estranho! Meu irmão não me informou que deixaria comida aos porcos. Se eu soubesse, não teria trazido a enorme quantidade de ração nos fundos do automóvel. – tio Doo colocou a cesta dentro da besta e sentou-se novamente no banco.

- Adeus! Cuida-se! – exclamou ele enquanto acenava para o sobrinho.

Uma enorme nuvem de fumaça que fora lançado pelo escapamento do veículo pairou no ar durante um tempo. O garoto entrou para casa tossindo, pronto para tomar o café. Teve sorte, pois sua mãe não o confundiu com um porco e assim, não o assou no almoço.

A besta do tio Doo – me refiro ao próprio, não ao automóvel – só conseguiu explicar ao motorista aonde era o circo depois de terem passado em frente a ele mais de cinco vezes.

Quando eu passei perto do circo, certa e única vez, pude notar que uma enorme lona cobria um terreno lamacento e a placa “Circo Saint Louise” era tão grande que quase não dava para ver a lona por completo. Foi então que eu achei curioso o quão cego o tio Doo fora, pois até mesmo a minha tia-avó de setenta anos que tinha vinte e seis graus em cada lente de seus óculos conseguiu enxergar a placa do circo, a cinco quarteirões dali.

Tio Doo agradeceu a carona a seu amigo e entrou em uma pequena porta dianteira do circo. Deixou os porcos juntos com os demais animais e colocou a cesta sobre um banco prateado repleto de roupas grandes e engraçadas, provavelmente, de palhaços.

O dono do estabelecimento era um senhor calvo que possuía bigodes negros que se ligavam à sua grande barba. Seu nome era Ferdinando, tataraneto de um dos fundadores italianos do circo. Saint Louise era muito antigo e era passado de pai a filho a mais de duzentos e quatorze anos.

Ferdinando estava ali, junto com os animais apalpando a sua imensa barriga que, por detrás do paletó, transformava o mesmo em uma vestimenta de elefante. Já estava esperando os porcos há dois anos, todavia ninguém queria vender a ele por um preço tão miserável. Foi quando ele contratou Doo para ser palhaço de circo que ele descobriu que a família do mesmo estava endividada e disposta a vender alguns de seus animais. Ferdinando teve muita sorte, pois conseguiu obter os porcos por uma quantia abaixo do que oferecia.

Enquanto ele caminhava por entre os leões reclusos em resistentes jaulas e pelos macacos que ficavam aprontando com as vestes dos mágicos, ele notou a cesta, que se remexia sem parar. Se aproximou dela e a abriu... Foi aí que teve aquela visão tão deplorável!

Se os vizinhos de Hedwiny soubessem o que a cesta transportava em seu interior, jamais acreditariam no que veriam. Dentro dela não havia salamandra carnívora, ovo de dragão cuspidor de fogo, equipamentos de bruxaria, ou então, um cadáver humano fatiado em centenas de pedaços. Dentro daquela pequena cesta, de aproximadamente trinta centímetros de diâmetro, jazia um garotinho ainda menor que ela. Era frágil e magérrimo, entretanto, calmo, bem calmo...

Quando eu fiquei sabendo da verdadeira surpresa que a cesta escondia, não consegui explicar o porquê daquele garotinho em momento algum não ter chorado, nem como a cesta voou durante horas, assim, possibilitando até mesmo a queda do pequenino. Mas havia muito mais mistérios envolvidos naquela cesta, mistérios ainda maiores do que aqueles referentes ao garoto.

Tenho como objetivo contar todos os fatos dessa fantástica história, desde os agradáveis até os deploráveis. E, eu novamente sinto em acabar com o clima emocionante desse desfecho do primeiro capítulo, mas a sensação de Ferdinando ao pegar o menino nos braços não fora algo agradável. O senhor Ferdinando era um homem perverso e assim que ele lançou aquele sorriso falso à inocente criança, dava para se imaginar no plano maligno em que tinha em sua mente insana... e já adianto: não era nada bom!


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