Cliché escrita por Nuvenzinha


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Enjoy ~~



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Aquela era mais uma manhã abafada na Ordem Negra. Naquela manhã em especial, o refeitório estava mais lotado que o normal, sem nenhum motivo aparente para que todos os exorcistas se juntassem lá de uma vez. Todos comendo adoidados, como se não houvesse amanhã, e falavam extremamente alto, criando um barulho ainda maior ao se juntar com o barulho dos hashis/talheres se chocando contra a louça em que era servida a comida.

Estavam sentados Lavi, Allen, Kanda e Lenalee na mesa de costume, tagarelando coisas banais de seus agitados dias em missões, que seriam deixados de lado naqueles próximos dois dias de férias. A postura de todos ali era igual à que sempre portavam. Allen comia como de costume, Kanda reclamava como de costume, Lavi ria como de costume e Lenalee tentava apartar as brigas como todas as vezes em que havia tal reunião.

A única coisa que faltava lá era Limitto, que não saíra do quarto desde a noite passada, depois do jantar.

A franzina garota passeava pelos corredores da Ordem, passando em frente aos vários quartos dos vários andares, olhando pelos vãos da parte de baixo da sacada, admirada com a altura que uma vez ela caiu. Mas aquilo nem intimidava-a mais, uma vez que já tinha passado por coisas piores naquele enorme edifício.

O objetivo de Limitto era ver até onde a espiral de escadas e sacadas a levaria. Queria saber até que parte do céu a Ordem Negra era capaz de chegar.

A menina foi subindo lentamente as escadas da Ordem, a cada passo sentindo-se mais fraca pelo extenso jejum. Seu estômago clamava por comida, mas nada fez com que Limitto parasse, por mais que nem a mesma soubesse o que mantinha suas pernas em movimento. E, ainda mais, seria muito mais cansativo para ela descer tudo que ela já tinha subido sem nem ao menos concretizar seu desejo de tocar o céu.

Depois de centenas de degraus, dezenas de lances de escadas e algumas tremedeiras nos joelhos, a menina finalmente encontrou o que procurava: O céu que rondava o prédio da Ordem Negra. O terraço do prédio era imenso, de modo que Limitto mal conseguia ver sua extremidade, e o céu parecia sem fim, mas não havia nada para ver nele além das nuvens. A garota pôde sentir certa falta de ar, que atribuiu à altura em que estava e a pressão do ar.

Um vento forte bateu, forte o suficiente para que o vestido branco de Limitto se erguesse de maneira drástica, deixando expostas suas magras pernas, quase levando-a para junto das nuvens, que pareciam tão próximas que a garota poderia tocá-las com uma simples estendida de braço. Aquele azul infinito e vazio, por um momento, pareceu muito belo, quando um grupo de pássaros passou por perto.

Os olhos da menina brilharam ainda mais ao ouvir seu nome sendo chamado por uma conhecida e autoritária voz. Limitto virou-se bruscamente, colocando uma das mãos sobre sua franja, mantendo-a comportada em sua cabeça, e mantendo a outra mão sobre seu vestido, ostentando um enorme sorriso no rosto, enquanto cumprimentava o homem que a havia chamado.

-Ohayo Gozaimasu, General Cross!

Disse ela, não demorando em receber uma resposta áspera de Marian Cross, que estava bastante incomodado com aquele vento, que levara embora seu chapéu e jogava todo seu cabelo ruivo na direção de seus olhos, obstruindo sua visão. A menina então começou a andar na direção do general, que não demorou em movimentar seus lábios para dizer algo, e, por mais que apenas palavras inaudíveis saíssem de sua boca, elas atingiram Limitto como se fossem tiros de uma arma de fogo bem em seu peito.

A frágil menina deu alguns passos para trás, perdendo sua estabilidade, por mais que nenhum som houvesse chegado à seus sensíveis ouvidos. Um vento mais forte ainda se chocou contra Limitto, desta vez conseguindo quebrar totalmente o equilíbrio da garota, que não conseguiu manter seu peso sobre seus pés e começara a cair de costas, deixando que suas pesadas pálpebras cobrissem suas orbes esverdeadas enquanto sua queda parecia ir cada vez mais devagar.

-Ite!

Limitto exclamou, sentindo sua cabeça ricochetear no chão com certa força e ouvindo o som do impacto ecoar pelo chão. Ela sentiu um pouco de tontura de imediato. Franziu as sobrancelhas, ainda mantendo os olhos fechados, que palpitavam.  Será que ela havia morrido? Não podia ser, ela só tinha caído no chão. Mas ela havia batido a cabeça na queda e ela não entendia nada de medicina. Por mais que ela não acreditasse nessas coisas, ela sentia um profundo medo de abrir seus olhos e ver seu corpo estirado no chão, com seu espírito flutuando no ar.  Limitto manteve-se de olhos fechados por mais algum tempo, tentando tomar coragem de abrir seus olhos e averiguar a situação, até que ela pôde ouvir a voz de seus amigos chamando-a.

Ela então engoliu sua saliva, nervosa. Fechou com força suas pálpebras, antes de abri-las de uma vez e perceber que seu medo não tinha fundamento. Ela estava sã e salva em seu quarto da Ordem Negra e a dor de cabeça que sentia era puramente porque ela havia caído de sua cama enquanto dormia. Tudo aquilo, as escadarias, o céu azul e as palavras cortantes de Cross, era apenas um sonho ruim.

Limitto abriu a porta de seu quarto, após soltar um suspiro de alívio, abrindo um sorriso despreocupado, logo sentindo um braço razoavelmente forte passar por suas costas e trazê-la para fora do cômodo.

-Limitto-chan, você preocupou a gente. - Disse Allen, olhando meio severo para Limitto, que ainda não entendera o porquê de Lavi estar cutucando sua bochecha com o indicador direito, enquanto a levava para frente com o outro braço.

-Gomenne... - Disse Limitto, coçando a nuca enquanto olhava para baixo, sem querer olhar nos olhos bravos do albino, que logo disse que estava tudo bem.

-Ora, isso já passou. Estamos todos bem. - Disse Lenalee, positivamente, sorrindo para a franzina amiga - Você deve estar com fome! Vamos ao refeitório!

-Uhm!

Não demorou para que o grupo chegasse ao refeitório, que estava absolutamente lotado. Limitto parou na porta, apoiando-se no batente, deixando seus olhos contemplarem a enorme concentração de exorcistas que estava tendo ali. Claro que ela sabia que haviam muitos mais exorcistas além de seus amigos, mas ela não fazia idéia que o número era tão grande.

Por um instante, as magras pernas da menina estremeceram. O cenário à sua frente era simplesmente parecido demais com o que aparecera num flash em seu pesadelo que ela não queria ficar lá dentro. Pediu com gentileza aos amigos para que eles voltassem mais tarde, quando houvesse menos gente e menos barulho, mas estavam todos muito famintos para ceder para a vontade de Limitto, que se viu sem opção além de esperar sozinha.

Limitto suspirou, andando angustiada pelos corredores da Ordem, fazendo a longa jornada de volta até seu quarto. Ela teria que atravessar o prédio praticamente inteiro! E, onde quer que ela fosse, havia muito barulho, muita conversa. A poluição auditiva era tão grande que nem entre as quatro paredes do quarto da menina, ela era capaz de tirar aquele zunido de vozes humanas misturadas aleatoriamente de seus ouvidos. Ela saiu de seu quarto, trancando a porta por fora, logo depois colocando a chave no bolso do casaco que vestira por cima de seu vestidinho branco rendado.

A adolescente começou a andar rente à beirada da sacada com passos largos, contemplando por alguns instantes os vários metros que ela percorreu em queda livre em seus primeiros dias na Ordem numa tentativa de suicídio, que aumentavam de velocidade cada vez que ela ia se sentindo mais perto de fugir de todo aquele barulho que ainda atordoava seus tímpanos. Nem mesmo a mente de Limitto lhe proporcionava paz, uma vez que uma imagem nítida do rosto de Cross tentando lhe dizer algo, que havia aparecido em seu pesadelo, não saia de sua mente.

Ela foi subindo as escadas da Ordem, sem mais saber onde estava indo, vendo lances negros de escadaria até onde sua visão deteriorada pelo cansaço podia enxergar. Seus joelhos tremiam como um bambu balançando ao vento, já não conseguindo mais agüentar o peso de Limitto. No rosto desta, gotículas de suor desciam por sua pele branca. Ela já estava ofegando havia tempos. Mas ela não pararia antes de não ouvir mais nada.

Depois de mais alguns lances de escada, Limitto finalmente enxergou uma porta no final, assim como percebeu o silêncio que reinava naquela parte deserta da Ordem. Respirou fundo, levando as mãos em formato de concha ao seio esquerdo, onde ela podia sentir seu coração palpitar. Ela finalmente chegara ao seu canto de silêncio e paz. Abriu a porta, tendo um primeiro vislumbre de luz, que a cegou por alguns instantes. Quando finalmente conseguiu enxergar com clareza novamente, sentiu todo seu cansaço esvair.

Um belo céu azul se abriu diante dos olhos verdes de Limitto de maneira aconchegante. A menina então re-estabilizou seu equilíbrio que havia sido deturpado pelo cansaço, caminhando lentamente para fora do corredor escuro de escadas, estendendo seus braços e deixando-os soltos ao vento, com um sorriso similar ao sorriso que a rapariga sempre imaginava ao ler seus livros de comédia romântica. Que situação mais clichê.

Limitto caminhou até uma parte mais central do terraço do prédio da Ordem, admirando o vasto céu azul e as macias nuvens que lhe eram tão confortantes.  O sol brilhava radiantemente e o clima era agradável, tirando os ventos extremamente fortes que batiam diretamente em suas pernas e erguiam a saia de seu vestido. O vento parecia cantar para a menina, que inspirava aqueles ares puros até onde seus pulmões eram capazes de agüentar, logo depois soltando um suspiro quase apaixonado.

-Ei, pirralha. - Limitto pôde ouvir uma voz grave e ríspida chamando-a daquela maneira tão particular, como se fossem íntimos o suficiente para que se tratassem desta maneira tão "carinhosa" - O que veio fazer aqui, tão longe do seu lugar? Pretende se jogar de novo? Eu não vou te ajudar de novo se é isso que você quer fazer, sua ingrata.

-C-Cross! - Balbuciou Limitto, assustando-se com a presença imponente do ruivo que aparecera tão de repente e em hora tão incômoda, logo se virando na direção do General com uma expressão raivosa, com certa vermelhidão na área das maçãs do rosto e no topo de seu nariz, cruzando os braços, fazendo birra - Eu não estou pensando em me atirar de novo, imbecil! Eu aprendi minha lição!

-Hah, sei. - Disse Cross, abafando seu riso com a mão, logo depois se aproximando da menina com as mãos no bolso da calça e uma expressão séria no rosto - Não me faça essa cara, estava procurando por você. - ele disse, olhando para o lado, deixando que parte de seu cabelo cobrisse o rosto, acendendo um cigarro e colocando entre seus lábios.

- O que você quer comigo?

-Não quero nada de você, baka. Só vim dizer que vou sair em missão e ficarei vários dias longe dessa prisão. Vê se não desaprende o que aprendeu desde que chegou aqui. Não quero me decepcionar com você.

-D-Decepcionar você? C-Como assim?

Um silêncio entre eles se instalou depois daquela frase. Cross engoliu seco algumas vezes, soltando várias nuvens de fumaça pela boca enquanto pensava em como completar sua frase, enquanto Limitto ia ficando cada vez mais tensionada pelo silêncio que agora ela queria tanto que se fosse, por mais que ela só estivesse naquele terraço por querer solidão.

- É o que eu te disse. - disse o General, com rispidez na voz, atirando seu cigarro no chão e amassando-o com a sola do sapato,logo depois jogando um olhar cortante diretamente para a menina. - Eu só não te digo mais nada, pois seria muito clichê.

- E-Eu adoro clichês. - Disse Limitto, fechando os punhos, deixando que seus pensamentos saíssem de sua mente e que seu rosto ficasse rubro de uma vez só - Eu adoro scripts previsíveis, eu adoro quando eles resolvem os problemas todos e uma vez e adoro quando eles forçam um final feliz também. O que há de errado em trabalhar em cima disso?

Cross ficou mais alguns segundos em silêncio, apenas examinando a menina à sua frente, que acabar de dizer algo que ele nunca imaginara que Limitto fosse capaz de dizer. Ele então virou-se de costas para ela, dizendo apenas para que ela se cuidasse durante sua ausência da mesma maneira que falava com Allen: insensível.

Foi quando ele sentiu os magros braços da menina envolvendo seu tronco e a cabeça da mesma recostar-se sobre sua espinha, que carregara um longo arrepio até a nuca do General.

-Eu não vou te decepcionar, Cross-san... - Limitto sussurrou, fechando seus olhos e abrindo um inocente sorriso, tirando o peso de seus ombros e apertando o tórax de Cross com um pouco mais de força que antes -... Eu prometo!

O General arregalou os olhos lentamente, inspirando mais ar do que o normal e o soltando lentamente, enquanto imaginava que tipo de feição o rosto de Limitto abrigava naquele momento. Ele então respirou fundo uma última vez, estufando o peito, se soltando da menina e indo na direção das escadas com passos pesados, dando uma última pisoteada no bagaço do cigarro.

Cross simplesmente não queria que a menina visse que ele corou e foi embora, deixando que Limitto caída sozinha no chão do terraço.

-x-

-Wooow, jura que ele te falou isso? - Indagou Lavi, com seus olhos arregalados ao extremo, de modo que eles quase saíam das órbitas, e o queixo caído, estupefato com a história que a franzina Limitto acabara de contara ele e aos outros - Isso não é nenhum pouco a cara dele!

-Limitto-chan, tome cuidado com esse idiota. - Disse Allen, mostrando sua total desconfiança no senso de certo e errado de seu mestre, ocultando o máximo que podia sua surpresa.

-Limitto-chan, está contando a verdade? - perguntou Lenalee, duvidando bastante da história que a mais nova acabara de transmitir, retirando a pergunta ao ver a cara brava que Limitto fez ao questionarem sua autenticidade.

-Estou falando sério! - Esbravejou Limitto, fechando os punhos e erguendo os braços, com os olhos cerrados com força, quase caindo do sofá da sala de estar da Ordem. Uma típica cara de menina birrenta, que era a última imagem que ela desejava passar às pessoas ao seu redor, mas suas emoções não deixaram que ela simplesmente reagisse calmamente.

- Que história mais ridícula. - Disse Kanda, cruzando os braços e olhando para outro lado, mostrando seu total desprezo pela história e pelas pessoas ao seu redor - É tão clichê que dá vontade de vomitar.

-Ah, é?! Pois eu achei tão clichê, mas tão clichê, que chegou a ser original e muito bonito o que Cross fez! E eu simplesmente não estou ligando pro que nenhum de vocês acha sobre isso, porque essa é a minha memória, não a de vocês!

Aquela fora a última frase que Limitto dissera aos exorcistas ali presentes, antes de levantar correndo e ir embora com passos pesados até seu quarto, onde ela jogou-se em sua cama, abraçou seu travesseiro com força e soltou um enorme suspiro, deixando um sorriso se formar em seu rosto tímido.

Que sentimento apaixonado mais assustadoramente e encantadoramente clichê.  


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