Posso apenas tentar reduzir o dano que sua presença causou quando te conheci.

Posso apenas tentar te impedir de cruzar a porta que me separará de você.

Estive esperando que minhas memórias voltassem por tanto tempo, que me esqueci da importância daquelas que construí a seu lado. Essas eram as que realmente importavam e não dei valor. Pelo menos não no tempo devido.

Hoje eu olho seus olhos, sabendo que um dele é falso. Sabendo que um deles, você perdeu num acidente. Sabendo que você olha o passado por um lado e o presente pelo outro. E sabendo que, em nenhum momento, acreditou que a realidade que se apresentava a seus olhos era a verdadeira.

Injusto.

Injusto que, apenas antes de você decidir por partir, eu saiba mais sobre você e seu coração do que em todos os momentos que passamos um ao lado do outro, seja dividindo um pequeno espaço na “sala de estar” de Bebop ou durante uma corrida pela busca de uma caça.

Mais injusto que isso é ouvir você dizer a Jet que não se pode fazer nada por uma morta, mas é à memória dela que você pretende ir à luta.

E por mim?

Eu, que estive ao seu lado... não mereço nenhum pouco de sua atenção?  Não mereço um olhar de amor...?

Talvez eu não seja o tipo de mulher que você ame, no fim das contas. Afinal, eu não tenho longos cabelos dourados. Não tenho a aparência de um anjo... não sou do tipo de mulher linda e perigosa a qual não se deixa sozinha... sou apenas eu. Faye Valentine. Poker Alice. Aquela que foi acusada de tantos crimes e ainda assim, conseguiu se safar de todos eles.

Sou aquela que aparentei ser desde o princípio. Eu não te traí. Bem, talvez eu tenha fugido com a recompensa uma ou duas vezes, mas você, no fundo, sabia que eu faria isso. Logo não é traição. Apenas apropriação.

E aqui, quando aponto minha arma, tentando tão inutilmente atirar em você, mas de forma proposital errando todos os disparos.. aqui eu apenas quero dizer que fique. Fique ao meu lado, por mim. Porque eu te amo.

Não quero ver suas costas. Não quero que esta parte de você seja a última coisa que eu veja. Quero ver seus olhos novamente. Olhar para sua face e ver seus olhos castanhos mirando os meus verdes de forma profunda, como se pudesse lê-los.

No fundo, no fundo, você sabe o que meus olhos dizem.

Quando minha memória voltou, me dei conta que só havia um único lugar para onde eu poderia voltar. Esse lugar era ao seu lado, Spike. Mas você, ainda assim... não ia ficar comigo.

Será que você não percebe que o passado já não importa mais? Nem o meu, nem o seu? Que o que importa, agora, é a maneira que nós dois construiremos nosso presente?

Minha vontade é pular em você, te amarrar em algum canto e te impedir de partir. Mas, infelizmente, não posso fazer isso. E a última imagem que tenho de você, são seus passos partindo de Bebop e indo de encontro ao seu passado, pra se certificar que ainda está vivo.

Será que, nessa sua busca por vida, você se dará conta que ela estava aqui, o tempo todo, só esperando pra ser acordada? Será que, na sua luta, você se lembrará que a vida estava pedindo para ficar e você partiu?

Enfim... olhando o vazio do lugar onde estou... só me vêem a memória a imagem dos seus olhos me fitando profundamente. E é esta que prefiro guardar em minha memória, a partir de agora.

Goodbye, Cowboy. Quem sabe um dia, nos encontraremos novamente. Você me verá como a vida que não deu valor no tempo devido. Eu te verei como aquele em que enxerguei vida, todo o tempo...