Hidden escrita por jduarte


Capítulo 62
Incontestável


Notas iniciais do capítulo

Mais ummm!!
Beijooos,
Ju!



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   Tudo não passou de um sonho. Tudo. As flores com cheirinho doce, as gárgulas que pareciam rir do meu desespero, os pássaros pequenos que às vezes ficavam na barra das grades esperando por um pedaço se quer de pão. Oh, como eles faziam falta!

   Eu sentia falta dos beijos estalados na testa que recebia – às vezes escondidos – de Bernardo... Sentia até falta da autoridade que King exercia sobre mim... Sim, eu também sentia falta de Norbert, e de Adam. Principalmente de Adam.

   O que será que aconteceu? Quero dizer, era um sonho ridículo. Eu não podia viver tudo isso e simplesmente acordar como se nada tivesse acontecido. Levantei cedo aquele dia. Pressentia algo bem ruim chegando. Quase a morte.

   Meu irmão abriu a porta de meu quarto todo vestido de cinza e verde esmeralda, e disse que havia tido uma visão, e que era para nós nos mandarmos da casa.

- Como assim? – perguntei levantando, e prendendo o cabelo com um elástico que se encontrava em meu punho.

- É, temos que picar a mula! Sair da casa! – meu irmão começou a gritar.

   Levantei quando ele pulou na cama gritando:

- Levanta!

   Ele começou a arrumar todas as minhas roupas – que não eram muitas – em uma sacola pequena, e me esticou uma calça jeans rasgada e velha para vestir, e um moletom puído que eu havia ganhado de mamãe há alguns anos. Vesti a blusa e a calça sem me importar que meu irmão estivesse comigo no quarto, e coloquei a bolsa nas costas.

- Vamos, eles estão subindo! – meu irmão começou a se desesperar.

- Como assim? Quem?

- Os monstros. – sussurrou subindo em meu colo.

   Sorri carinhosamente.

- Querido, monstros não existem e...

   Minha frase foi interrompida por um brusco ruído do piso da sala, e por um rosnado incrivelmente brutal e ridículo. Meu sangue gelou. Se monstros existiam, eles estavam embaixo da cama, e não dentro de minha casa!

   Segurei a boca de meu irmão que se preparava para gritar, e saí do quarto. Demos as mãos, e senti meu corpo sumir. Tínhamos esse poder conjunto, que era a invisibilidade. Nossos dedos se encontravam, e a única coisa que precisávamos, era de concentração. E a mágica acontecia. Sumíamos de vista.

- E agora? – perguntei caminhando silenciosamente.

- Continue andando, passe pelos monstros, e sai da casa rápido. – meu irmão se apertou em mim, mantendo seu olhar grudado na escada que fazia barulho.

   Como meu irmão havia dito, continuei andando, e tampei a respiração quando vi uma perna peluda aparecer no vão da escada. Fiquei mais perto da parede, e dei uma estacada quando percebi que aquela perna não era humana. O resto do corpo da coisa era horrível. Ele tinha o rosto com espinhos pontiagudos e brilhantes.

   Ofeguei quando uma corrente de ferro fez barulho pela escada de mármore. A criatura puxou a corrente até a mesma enrolar em seus punhos do tamanho de tomates, e grunhiu. O som fazia meu estômago se contorcer dentro de mim, e a adrenalina subir pelas pernas.

   Quando atravessei a parede, indo parar no outro cômodo, percebi que só bastava deixar meu corpo atravessar o chão, e estaríamos na cozinha, e então, era só correr para a porta. Correr como se minha vida dependesse disso. E dependia. Realmente dependia.

   Pensei em um lugar bonito, e respirei fundo. Ouvi um grunhido louco vindo do peito da criatura que se encontrava do outro lado da parede, e suspirei abraçando meu irmão.

- Desculpe-me. Eu te amo. – ouvi-o dizer.

   Fiquei confusa. O que ele queria dizer com: “Desculpe-me”? O que?

   Tudo fez sentido quando ele abriu a boca e gritou tão estridente que fez minha cabeça girar. Senti a casa tremer sob meus pés, e me desequilibrei.

   Puxei seu corpo para junto do meu, e atravessei o chão empoeirado de algum lugar da sala que não reconhecia. Quando bati os pés no chão da cozinha, corri. O mais rápido que pude.

   Senti o grunhido perfurar minha cabeça e abri as asas, saindo pela porta da frente. Senti a liberdade de voar pela primeira vez em vários meses. Era tão bom sentir o vento em nosso rosto, senti-lo por entre nossas penas... Tão libertador!

   Meu irmão chorava compulsivamente.

- Pare de chorar. – ralhei com ele, que engoliu o choro rapidamente. – Rubens, nós estamos sem mamãe e papai, quero que você permaneça intacto até os encontrarmos.

   Ele assentiu tirando uma das mãos de meu pescoço para poder limpar as lágrimas pequenas que ainda não haviam descido por sua face.

- Eu te amo ok? E isso é o que importa. – disse a ele.

   Rubens afundou a cabeça em meu peito, abraçando-me o pescoço. Sorri. Era muito fácil fazer meu irmão chorar.

   Quando já estávamos a quase uma hora no ar, desci das nuvens para dar uma olhada no caos ali embaixo. Para minha surpresa, não havia nenhum caos. As ruas estavam vazias, mas nada muito especial, e os prédios do subúrbio pareciam bem desgastados, mas fora isso, parecia ser um ótimo esconderijo.

- Vamos ficar aqui? – perguntou meu irmão olhando para baixo.

   Suspirei pesado, e desci alguns metros. O oxigênio estava escasso lá em cima, e por isso, tive que respirar fundo demais quando pousei. Meus pés tocaram o chão, e, ainda segurando meu irmão, deixei meu ouvido em aguçado. Nada. Nem um barulho, nem uma respiração, nem um latido de um cachorro sequer.

   E então deixei meu irmão descer de meu colo. Ele pegou uma folha que voou em direção a ele, e começou a ler. Era como se fosse um panfleto. Um panfleto que estava sujo de terra. Peguei-o de sua mão, e joguei no chão novamente. Não me importava se ali tinha a fórmula secreta para salvar o mundo. Não queria meu irmão lendo isso. Entrei em um dos prédios, e descobri que era um casarão, e não um prédio. Bem, os outros eram, mas este não. Era grande demais, e um ótimo lugar.

   Sorri. Percebi que as luzes estavam apagadas, os pisos da cozinha estavam com sangue e que havia marcas de mãos pequenas que estapearam a geladeira branca e depois escorregaram, fazendo uns desenhos. E então, uma poça de sangue se formava perto dela.

   Vi uma mão por detrás do balcão, e ofeguei. O que é isso? Perguntei a mim mesma, andando cautelosamente para frente. Vi um ombro, com um casaco preto, e deduzi que a pessoa estaria pelo menos vestida. E então, vi que a poça de sangue continuava caminhando, silenciosamente, como se fosse muito perigoso fazer qualquer barulho.

   Quando andei mais um pouco, vi uma mulher, com os olhos arregalados e cinzas, com a boca cheia de sangue coagulado, e com as mãos todas cortadas. Ela não estava morta – ainda. Sua respiração era rala, e seu pulso quase não existia. Ela viveu somente para olhar para mim, esticar suas mãos em minha direção, e dizer: “corra!”. De repente, seu celular começou a tocar muito alto. Com aqueles ringtones bregas e baratos.

   Não conseguia me mover. A indignação havia me travado. Mas eu tentei. Ouvi, com minha audição mais aguçada do que nunca, uma voz falhada, e procurei sua origem. Nada mais do que um telefone com mais manchas de sangue e ainda com alguém falando pelo outro lado do telefone. Bem, peguei o telefone com um grande cuidado, e coloquei na orelha.

- Elle? Elle? É você? Ainda está aí? Ouvi uma barulheira louca, e depois um grito. Está tudo bem? – era uma voz masculina.

- Me ajude! – implorei para a voz.

   E quando fui falar onde estava a ligação caiu. Vi uma faca pairada em cima do balcão da cozinha, e meu corpo inteiro se arrepiou. Deus do Céu! Aquilo fora usado para matá-la.

   A porta da frente se abriu e corri para o lado de meu irmão que havia encostado ao sofá e se escondido daquela visão. Ainda bem que ele não havia visto a mulher caída no chão da cozinha.

- Quem é você? – perguntei com os olhos meio turvos.

- Quem é você, eu pergunto! – o homem rebateu.

- Camila.            

- Chen.

   Respirei fundo pegando meu irmão, que estava assustado, no colo. Ele estava mais leve do que eu lembrava.

   E então, eu tive certeza absoluta de que Chen era a pessoa que estava do outro lado da linha com Elle.

- Onde está Elle? – perguntou.

   Sem pestanejar, apontei para o local, com medo que ele fizesse algo conosco. Ele foi até lá, e suspirou pesado.

- Pobre, Elle... – sussurrou.

   Seu tom de voz foi meio assustador. Meio assassino. Meu corpo tremeu, e então comecei a me afastar dele. Vi Chen pegar da parte traseira de sua calça jeans preta, um fósforo e então soprá-lo. Para meu horror, a cabeça vermelha do fósforo se acendeu.

- Descanse em paz. – ouvi-o dizer, e jogar o fósforo que logo queimou suas roupas.

- Está louco? – gritei correndo para tentar apagar o fogo.

- Deixe queimar, sua idiota! – retrucou puxando meu braço.

- Por quê? – perguntei com os olhos marejados. De dor.

- Se ela voltar será pior. – avisou com a voz baixa.

   Ele então apagou a chama e disse:

- As conseqüências são somente suas por causa disso. – disse.

   Limpei qualquer sinal de que havia chorado, e perguntei:

- Será que dá para me ajudar a enterrá-la, pelo menos?

- Claro. – disse de mau-gosto.

   Queria dar uma revirada de olhos brutal, mas me contive, soltando um suspiro pesado e entediado.

- Pegue as pernas dela, e eu pego os braços. Baixinho, arrume uma sacola plástica. – ordenou Chen.

- Você não manda em nós. – disse Rubens.

   O homem ficou abismado.

- E quem você pensa que é, baixinho? – perguntou ele incrédulo, pegando no punho de meu irmão, e apertando.

   Os olhos de Chen começaram a ficar mais escuros, seus dentes pontiagudos. Senti uma raiva enorme dele subindo pelas minhas canelas, e se agarrando em meu corpo.

- Solte Rubens agora! – uma voz ordenou. Depois de muito fui perceber que havia saído de mim essa ordem.

   Chen não se moveu, porém já estava com suas feições de volta. Senti o chão aos nossos pés se moverem, e as lâmpadas penduradas nas paredes se chacoalharem.


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Notas finais do capítulo

continua....???