ㅤ ㅤAquela tarde foi bem fria. A lanchonete, onde eu trabalhava como balconista, estava vazia, e o tédio reinava perfeitamente por lá. O lugar era grande, com várias mesas e poltronas, havia também alguns outros funcionários entediados zanzando por lá. Decidi então sair para comprar algumas coisas que faltavam na cozinha. Não agüentava mais aquilo.
 ㅤㅤTanaka Koki, o gerente, tinha total confiança em mim, e por isso me deixava todo esse trabalho. Nós também éramos muito amigos fora da lanchonete. Peguei a quantia certa de dinheiro para as compras, e saí, usando um casaco emprestado dele - eu sempre esquecia de levar tal coisa para o serviço.

 ㅤㅤEstava, realmente, frio! Eu caminhei lentamente pela calçada por um longo tempo, até começar a chover. Céus! Por que isso tinha que acontecer justo quando eu saí da lanchonete? Eu nem sequer tinha um guarda-chuva.
 ㅤ ㅤCorri para o ponto de ônibus mais próximo, o mais rápido que minhas pernas poderiam correr, mas ainda assim, ao chegar, eu estava totalmente encharcado.

 ㅤㅤ– “Mas que droga!” – Resmunguei para mim mesmo ao notar minha situação. Aquele era meu uniforme novo!

 ㅤㅤFoi quando, de repente, alguém também veio correndo para debaixo da cobertura onde eu estava.
 ㅤ ㅤEle segurava uma mochila grande entre os braços e estava bem molhado. Pela hora, devia ser um estudante. Parou ao meu lado, com os ombros encolhidos pelo frio, e nem mesmo olhou para mim.
 ㅤㅤEu não sei por que, mas comecei a repará-lo. Seus cabelos eram negros, lisos, e cortados um pouco acima do pescoço. Era bem mais baixo do que eu, e estava totalmente alheio ao que acontecia ao seu redor. Mas, de repente, ele olhou para mim. Isso foi tão repentino que me assustou.
 ㅤ ㅤAquela troca de olhares... No mesmo instante que aqueles órbes claros entraram em contato direto com os meus, eu gelei. Meu coração disparou, e eu pude sentir meu rosto aquecer. O que foi aquilo?
 ㅤㅤO rapaz abriu a boca em menção a falar algo, mas fora interrompido pela chegada de um ônibus. Por sua reação, aquele seria seu ponto de partida. Mas, eu não podia deixá-lo ir sem nem ao menos perguntar seu nome. Eu precisava daquilo!

 ㅤㅤ– “Espera!” – Chamei sua atenção, mas ele já havia adentrado o veículo quando me ouviu. Lá de dentro, ainda na porta, se virou em minha direção e novamente me fitou.

 ㅤㅤAs palavras não saíram de minha boca. Eu precisava saber, eu precisava muito saber quem era ele. Mas o nó em minha garganta me proibiu tal coisa. A porta se fechara, e o ônibus logo partiu, levando consigo aquela bela e misteriosa criatura que havia me encantado.
 ㅤㅤO sentimento de perda logo invadiu meu interior. Era a primeira vez que o via, mas parecia conhecê-lo há muito tempo. Estranho, não?
 ㅤㅤBaixei minha cabeça, suspirando desapontado, e fiquei fitando o chão. Foi quando algo me chamou a atenção: um pequeno papel plastificado havia caído da mochila daquele rapaz. Certamente havia se esquecido de fechar algum bolso, o que consequentemente resultara naquele acidente. Rapidamente, peguei tal coisa e enxuguei para ler melhor sobre o que se tratava.
 ㅤㅤPara minha sorte, era um pequeno documento com as informações dele. E para o meu azar, o plástico havia se rasgado e a água que adentrara manchou quase completamente o que havia escrito ali.

 ㅤㅤ– “Tegoshi Yuya, 23 anos.” – Aquelas duas coisas foram as únicas que consegui identificar.

 ㅤ ㅤPela idade, poderia ser um estudante de alguma universidade. Eu já tinha um nome, uma foto e a possibilidade da universidade. Procurar por ele? Naquela hora, me pareceu uma péssima idéia. Seria melhor voltar no dia seguinte para aquele ponto de ônibus, naquela mesma hora, e esperar por ele. Simples.
 ㅤㅤEntão, eu esperei a chuva passar um pouco para, enfim, comprar o que era para ser comprado.

 ㅤ ㅤ– “Desculpe a demora! Choveu tanto... Tive que esperar passar um pouco.” – Eu disse assim que entrei na lanchonete, segurando algumas bolsas com as mãos.
 ㅤㅤTanaka retrucou. – “Você está ensopado! Troque de roupa e se enxugue bem, não quero que fique doente.” – Às vezes era bom vê-lo preocupado daquela forma comigo. Eu gostava muito.
 ㅤㅤ– “Mas, não tenho outro uniforme aqui.” – Respondi enquanto tirava o casaco.
 ㅤ ㅤEle riu. – “Pode ficar sem roupa lá dentro, não vou achar ruim.” – Riu novamente, prosseguindo. – “Mais tarde ainda vou lá te esquentar.”
 ㅤ ㅤSafado. Eu ri também, e joguei sobre ele aquela peça de roupa que havia retirado. – “Obrigado pela preocupação, chefe!” – Eu levava aquele tipo de coisa sempre na esportiva, mesmo muitas vezes sendo sério da parte dele.
 ㅤㅤ– “Tenho uma roupa no escritório, pode usar.” – Ele disse, deixando o casaco de lado para recolher o que eu havia comprado.

 ㅤ ㅤAo terminar de me trocar, peguei aquele documento e fiquei observando a foto que havia nele. Tegoshi havia me despertado muito interesse. Eu, com toda a certeza, iria até aquele lugar no dia seguinte para vê-lo. E torcia muito para que isso acontecesse.
ㅤㅤMas, não foi bem isso que acontecera.
 ㅤ ㅤNo mesmo local, no mesmo horário... E nada dele. Será que havia faltado na suposta universidade? Será que se atrasaria aquele dia? Eu não havia reparado o nome da cidade destino daquele ônibus, e estava me condenando por cometer tal erro. Se fosse uma única cidade destino naquele ponto seria muito mais fácil, mas eram várias e várias cidades.
 ㅤㅤEsperei meia hora. Uma hora. Duas horas. É... Ele não apareceria mais.
 ㅤ ㅤDesapontado mais uma vez, me virei e segui a direção da minha casa, já que eu havia sido liberado mais cedo do serviço. Mas não deixei de olhar para trás, esperançoso de que ele ainda aparecesse por lá. Entretanto, não obtive um resultado positivo.
 ㅤㅤEle poderia ser de uma cidade bem distante, talvez nem fosse mesmo um universitário. Droga! Eu não sabia nada dele além do nome e idade. Se eu não o encontrasse no ponto de ônibus, não haveria outra forma de encontrá-lo.

 ㅤㅤNo dia seguinte, eu não consegui parar de pensar nele. Passei a noite da mesma forma, até perdi o sono por um tempo.
 ㅤ ㅤMas não podia fazer nada por aqueles dias que seguiram. Estava bem ocupado no trabalho, e não poderia deixar Tanaka sem ajuda. Só que isso estava me fazendo mal, aos pouquinhos. Eu não entendia, mas minha atenção nas coisas ia diminuindo aos poucos, e eu só conseguia pensar naquele rapaz de cabelos pretos. Eu queria vê-lo de novo!
 ㅤㅤAlguns dias depois, no final de semana, contei o ocorrido para Tanaka naquela manhã de domingo, e à tarde voltamos a falar sobre isso. Parecia que ele notara meu desconforto. Passei os dias cabisbaixo, sem dar tanta atenção para as pessoas além dos clientes, e isso não estava correto. Normalmente eu seria muito comunicativo e alegre, por isso era fácil perceber quando algo não corria bem comigo. E como Tanaka me conhecia melhor do que qualquer um ali, ficava mais do que óbvio. 


 ㅤㅤ– “Por que não tenta de novo hoje? Eu te deixo sair cedo novamente.” – Ele disse, e bebeu um pouco do café de sua xícara.

 ㅤㅤEstávamos sentados em uma mesa. Naquela hora da tarde o movimento era quase nulo, então não havia problema em ficar por ali.

 ㅤ ㅤ– “Sério?! Eu gostaria muito de tentar novamente. Se ele não aparecer hoje, não sei o que farei.” – Suspirei, posteriormente bebendo meu café.
 ㅤㅤ– “Vá procurá-lo. Você tem algumas informações, não vai ser impossível.” – Eu acabei me engasgando por aquilo.

 ㅤ ㅤProcurá-lo? Em Tokyo? Ah... Seria impossível sim! Há tantas universidades em Tokyo, tantas cidades, bairros, pessoas... Eu nunca encontraria Tegoshi.

 ㅤㅤ– “É impossível, eu levaria anos. Isso se ele morar mesmo em Tokyo.” – Suspirei.
 ㅤ ㅤ– “Eu vou te dar cinco dias...” – Ele abrira a mão com os dedos esticados ao falar, afirmando a quantidade de dias. – “... Para você procurar ele. Eu colocarei alguém no seu lugar somente nesses dias, então não se preocupe. Procure como quiser, mas está proibido de passar um dia a mais. Entendeu? Senão terei que deixar a pessoa definitivamente em seu lugar.” – Terminou. Ele parecia falar sério sobre aquilo. 
 ㅤㅤEngoli seco. – “Entendi.” – Respondi, me levantando. – “Então, se eu não encontrá-lo hoje, amanhã começarei minha busca!”

 ㅤ ㅤEu estava certo do que faria, mesmo sendo a maior loucura de toda a minha vida. Sim, eu não pensei nas conseqüências, riscos e possibilidades daquilo antes de dizer que começaria a busca. Ainda achava impossível, mas nunca me perdoaria se não tentasse.

 ㅤ ㅤNaquele mesmo dia, no mesmo horário da vez anterior, fui para o ponto de ônibus. Eu não sabia muito bem o porquê de querer tanto encontrar aquele rapaz, mas meu coração dizia que aquilo era o certo a se fazer, entretanto eu queria muito não precisar procurar Tokyo inteira.
 ㅤㅤ Porém, foi o que acontecera. Três horas se passaram, e nem sinal de Tegoshi. Eu teria que procurá-lo, de fato, e precisaria de muito otimismo e dinheiro. Suspirei longamente por isso.
 ㅤㅤAgora, era só avisar para Tanaka o que eu iria fazer e pegar algumas roupas e dinheiro para a viagem. Morava sozinho e não tinha muito contato com minha família, por isso não devia satisfação a ninguém sobre o que eu fazia. Exceto para Koki, já que ele era meu melhor amigo.

 ㅤ ㅤ– “Boa viagem! Leve o celular, e me ligue se precisar de qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo.” – Ele dissera enquanto me abraçava no ponto de ônibus.
ㅤㅤ – “Obrigado! Obrigado de verdade. Eu vou conseguir encontrar ele.” – Desfiz o abraço, ajeitando a mochila nas minhas costas.
ㅤ ㅤ – “Só uma dica: todo ônibus para cada cidade tem seu horário certo. Espere até a hora que encontrou o rapaz e entre no mesmo ônibus. Bem, até daqui a cinco dias!” – Ele riu, e foi embora, andando lentamente com as mãos nos bolsos.

ㅤㅤMas que... Como eu não pensei nisso antes?! Era tão óbvio! Eu esperaria o ônibus da mesma hora em que Tegoshi entrara e ele me levaria para a cidade dele! Que idiota eu fui por não notar isso. Eu precisaria de mais atenção na minha busca.

 ㅤ ㅤMeia hora se passou, e enfim aquele ônibus havia chegado. Meu coração batia acelerado, eu estava nervoso e muito ansioso para aquilo. Ao entrar, perguntei ao motorista se ele conhecia aquele rapaz ou se o viu por ali, enquanto mostrava a foto do documento. Ele nunca o viu naquele ônibus. Droga!

 ㅤㅤAssim que me sentei, perto da janela, olhei para fora dela. Estava começando a chover, e fazia frio. Perguntei-me o que ele estaria fazendo naquele momento, se ainda lembrava que me encontrara aquele dia... Eu o vi por menos de três minutos, mas já estava cheio de perguntas para fazer, idéias sobre o que fazer e falar para ele. Só queria que tudo desse certo.

 ㅤㅤO ônibus então partiu. Minha busca havia começado, e não tinha mais volta. Isso me dava medo, mas eu não poderia ser fraco. Eu encontraria Tegoshi, era uma promessa para mim mesmo!