Love Is Waiting escrita por Gabriela Rodrigues


Capítulo 4
Capítulo 4




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Como na noite anterior (ou na madrugada daquele mesmo dia, melhor dizendo), dormi em seus braços.

Acordei de manhã, assustada: onde estava a rede, o edredom verde e que coisa macia era aquela embaixo de mim? Demorei mais do que o necessário para entender que eu estava na suíte. Simplesmente apagara. Alguém devia ter me trazido para dentro. Mas quem?

- Bom dia, dorminhoca. – minha mãe me cumprimentou, abrindo as cortinas. – Todo mundo já acordou.

- Já vou levantar.

- A propósito... Seu celular tocou aquele seu alerta doido que anuncia a chegada de uma nova mensagem. Não se preocupe, eu não li. Só reconheci o som.

Levantei-me com calma, fui ao banheiro, tomei banho e só quando estava indo à cozinha resolvi pegar o celular para ver o que era. Devia ser só mais um torpedo de “envie tal número e baixe músicas iradas para o seu celular”, por isso fiquei surpresa ao ler: “Bom dia. Espero que tenha dormido bem. Nos vemos no riacho. Avise quando acordar. PS.: você é mais leve do que eu imaginei.”

Quase engasguei com o pão. Apertei ”Responder” e digitei o mais rápido que meus dedos trêmulos permitiam. “Acabei de levantar. Estarei aí em meia hora ou menos. Desculpe demorar tanto. PS.: Obrigada por me rebocar para o quarto.” Engoli o resto do café às pressas, escovei os dentes, peguei minha bolsa e disparei para o celeiro.

Quase caí tentando montar Radar sem ajuda, mas por fim consegui e cavalguei o mais rápido que pude até a nossa casa da árvore.

- Cheguei! – eu gritei enquanto descia do cavalo.

Jake desceu de um galho baixo.

- Bom dia, Bela Adormecida! Dormiu bem?

- Dormi.

- Tive que te levar pra dentro... Você tava com frio.

- Hmmm... Mas hoje a temperatura ta boa. Quais seus planos?

Ele ficou radiante.

- Que tal se eu te mostrar a parte mais divertida desse córrego? Depois faremos o que você quiser. – ele propôs.

Naquele dia estava quente. Eu acordei com calor, suando sob a grossa camada de edredons que jogaram em cima de mim. Estava usando um shortinho laranja e uma blusa preta, junto com meu tênis All Star também preto (era difícil montar um cavalo usando chinelos) e, por baixo, vestia meu biquíni vermelho e verde (cores do Fluminense).

Enquanto eu acomodava minha bolsa num dos galhos, ele tirou a camisa e me esperou tirar a blusa. Andamos até a beira do riacho e eu coloquei os pés na água. O arrepio que percorreu por meu corpo foi instantâneo e eu recuei de imediato; ou, tentei.

Jake me pegou no colo e no segundo seguinte eu estava voando, indo aterrissar no meio do córrego. Quando levantei a cabeça para respirar ele já estava quase do meu lado, os cabelos castanhos brilhando ao sol, mesmo molhados.

- Para onde? – perguntei procurando.

- Vamos ter que nadar uns bons metros, mas vai ser com a correnteza ao nosso favor... Ruim vai ser voltar... – ele riu.

Nadamos um bom trecho, sempre lado a lado. O córrego ficava mais fundo em algumas áreas, mas nunca a uma profundidade que não desse pé. Pegamos um pequeno deslize e nadamos por uma curva larga. Então eu vi: no final do riacho margeado por altas árvores, abria-se uma pequena clareira onde, eu percebi, o córrego se abria em uma mini lagoa, ou uma piscina particular de água natural que até então eu não conhecia.

Era lindo. A água batia no meu ombro e não havia pedras no fundo. Naquele trecho não tinha mais tantas árvores (só umas cinco, porém uma distante da outra, o que deixava o lugar fresco, e com um grande brilho graças aos raios de sol que nos encontravam com facilidade sem a obstrução das folhas) e o declive para sair da água era menos acentuado, com um mato ralo e baixo que ia até a beira da água.

Uma das árvores ficava bem à margem e um de seus galhos, o mais grosso, estendia-se até quase o meio de nosso lago, perfeito para subirmos e mergulharmos de lá.

- O que achou? – Jake perguntou.

- Fantástico! – eu consegui sussurrar. E em meio a toda euforia eu pulei no pescoço dele sem pensar e quase o enforquei num abraço.

Ele riu, mas não se soltou; apenas me puxou mais para si.

Brincamos a manhã inteira. Plantamos bananeira, cambalhotas dentro d’água e relembramos nossos concursos de mergulho e recordes de quem ficava mergulhado mais tempo. Depois, fizemos competições de natação (eu ganhei duas de cinco). A água de lá era perfeitamente clara e dava para ver nossos pés submersos quase com perfeição. Não sei quanto tempo ficamos lá nem que horas eram quando finalmente resolvemos voltar, pois estávamos com fome.

A volta para nossa árvore foi, ao mesmo tempo, engraçada, triste e cansativa. Triste porque estávamos indo embora (ficaríamos para o almoço, mas voltaríamos para a casa de Jake perto das três, mesmo que ele fosse dirigir o outro carro. Nós já havíamos combinado). Cansativa visto que era uma subida contra a correnteza e engraçada, pois Jake e eu, como andávamos no barro e contra a correnteza, vivíamos escorregando e muitas vezes voltávamos mais que o esperado. Só não voltamos pelo mato porque este batia na nossa cintura e tinha muita planta que dava coceira.

Chegamos, com dificuldade, à arvore e Jake subiu para baixar o elevador. Peguei nossas coisas, coloquei na caixa, entrei e icei-me como fizera tantas vezes no dia anterior. Jake tocou a Marcha Fúnebre para mim outra vez (eu nunca cansava de ouvir) e nós nos enxugamos e colocamos a toalha no sol, para não molhar tanto o interior de minha bolsa.

Estávamos deitados nas almofadas quando ouvi algo vibrar no piso de madeira: o celular de Jake. Ele atendeu.

- Alô. – disse ele irritado.

- Filho? Cadê você? O almoço fica pronto em quinze minutos! – ouvi minha tia berrar do outro lado da linha. Sua voz era muito parecida com a da minha mãe. – A Rosa quer saber se a Zoey está com você. Ela a procurou a manhã inteira.

- Sim. Ela ta aqui do lado. A Rosa quer falar com ela?

Arregalei os olhos para ele. O que ele queria fazer? Atirar-me aos leões? Jake reprimiu um sorriso e me passou seu telefone.

- Oi, mãe. – falei, tentando parecer despreocupada.

- Onde você está? – ela estava irada.

- Tava andando a cavalo e resolvi parar no riacho. Jake tava aqui, então nós nadamos um pouco. Ta quente, hoje.

Ela pareceu se contentar. Ainda bem.

- Volte pra casa logo. Não quero que você pegue um resfriado. – a casa da árvore sacudia enquanto Jake ria em silêncio ao meu lado, desdenhando das ameaças não verbais que eu fazia para ele - Vamos almoçar daqui a pouco. Chame seu primo.

- Ta. Deixa comigo. – falei, e desliguei.

- Muito zangada? – ele perguntou ainda se divertindo.

- Eu ou ela?

Ele fingiu pensar um pouco.

- Ambas.

- Muito bem... A fúria dela não é tanta, mas ela quer que voltemos logo... Agora a minha, você não tem noção.

Ele riu outra vez e acrescentou:

- Então é melhor a gente voltar. Não gosto de irritar duas pessoas no mesmo dia.

Fechei a cara pra ele. Ele percebeu e ficou cauteloso.

- Desculpe. – disse ele com sinceridade. – Mesmo. Não quis te irritar. Só achei que você devia contar pra ela onde tava. Eu não vou deixar sua mãe brigar contigo.

- Ah, me poupe! Pare com essa mania de querer assumir a culpa por tudo.

- Quer levar bronca? – perguntou ele brincalhão.

- Sabe, seria até divertido. Pelo menos uma vez na vida eu iria receber um castigo e você ia se safar. Ia ser legal assistir a isso.

- É claro que eu não podia me esquecer de colocar um sorriso de triunfo no rosto por ver você se lascar.

Eu sorri.

- Esse é o espírito. - eu disse.

Cavalgamos de volta e chegamos bem a tempo de pegar a primeira fornada de pizza. Comemos só três fatias: uma de quatro queijos, uma brasileirinha e outra de calabresa (as pizzas que meu tio fazia tinham sempre dois dedos de massa e três de recheio, sem brincadeira), depois Ed e Fred foram aproveitar os últimos minutos na chácara brincando de pique - esconde.  Entrei no jogo para minha mãe não pensar que eu estava me isolando que nem Jake, que preferiu ficar na rede, assistindo e contando os esconderijos dos outros.

Perto das três, nos despedimos de tio Elliot e de Chris e fomos para o carro, pegar a estrada de volta a Americana. A viagem não demorou tanto quanto eu gostaria; eu sempre tinha assunto para conversar com Jake, mesmo com aqueles dois dias de pura tagarelice.

Ele não se cansava de falar sobre suas “aventuras” dos últimos quatro anos e também não se cansava de ouvir fofocas sobre pessoas que ele nem conhecia, como meus colegas de escola.

Naquela tarde, quando chegamos, depois de comermos um pouco e tomarmos um banho, nossas mães resolveram sair com Ed e Fred para levar o cachorro deles, Killer, para passear numa praça enorme que ficava no centro da cidade, rodeada de lojas. Eu estava esgotada de tanto correr, nadar, pular, andar e cavalgar, então resolvi ficar em casa. Jake, é claro, me fez companhia.

Ficamos num lugar em que há muito tempo eu não entrava: o quartinho de dispensa, uma salinha minúscula que ficava no quintal do cachorro e que servia de porta-tralha. Conversamos sobre quase todas as pessoas que eu conhecia: minhas melhores amigas (Cassie, Sidney e Juliet, sem ordem de preferência), meus melhores amigos (Brad, David, Wesley e vez ou outra, Henry), meus “amigos da reserva” (Amélia, a traíra da Rebeca, Tiffany, e tantos outros), os malas que infestavam o John Knox (escola onde eu estudo)... Mas o que pareceu atrair a atenção dele foi uma pulseira onde se lia “Força Jovem”, que eu nunca tirava do braço, nem mesmo para dormir.

- Essa pulseira de branca já ta amarela. – ele debochou. – Onde comprou?

- Ganhei.

- Quem te deu?

- Ninguém em especial...

- Não acredito... Você nunca a tira!

Corei, mas não falei mais nada.

- O que foi?

- Nada.

- Por que não me conta? – ele abriu um sorriso zombeteiro com certa relutância e perguntou – Foi algum namorado secreto que você não quer a sua mãe saiba?

- CREDO! – eu fiz o sinal da cruz.

Ele só faltava rolar de rir da minha cara, com algo mais em sua expressão. Alívio? Não tenho certeza.

- Então... O que tem de tão constrangedor... Em me dizer... Quem te deu a bendita pulseira? – ele disse arfando, lutando para puxar o ar.

- Nada. Só não estou com vontade de discutir a história de cada um de meus adereços...

- Sei...

Ele riu mais um pouco e depois falou, ainda sorrindo:

- Será que eu posso olhar essa relíquia um pouco mais de perto?

Estiquei o braço para ele e Jake o segurou num aperto de ferro. No segundo seguinte ele estava com minha pulseira na outra mão. Lutar foi inútil; ele já tinha visto o nome escrito na parte de trás: Brad.

- Tem certeza que não foi um namorado secreto? – ele perguntou tentando manter no rosto a aparência de quem se divertia, mas dava para perceber que ele sentia algo a mais. Decepção?

- Não é da sua conta. – falei rispidamente.

- Não confia em mim? – ele deu um sorriso fraco.

Suspirei.

- Muito bem... A história é essa: não vou mentir, mas também não vou contar os detalhes. Foi ano passado, perto do meu aniversário de 15 anos... Eu tava lá na sala de aula e o Brad, eu já te falei sobre ele, ia com uma pulseira diferente a cada dia. Num desses dias ele foi com essa pulseira da Força Jovem; a bichinha ainda era branca.

“Eu a pedi emprestada para ver como ficava no meu braço e coube certinho. Eu já falei também que um sempre provocava o outro. Pois bem, naquele dia eu falei pra ele, só de brincadeira, que se ele quisesse a pulseira de volta ele ia ter que me pegar antes de eu chegar em casa, afinal o prédio onde eu moro fica na quadra da escola. Ele aceitou a corrida e eu ganhei e fiquei com a pulseira aquela noite”. Eu fiz uma pausa. Jake me fitava com atenção. Desviei o olhar e continuei:

- Devolvi a pulseira pra ele no outro dia. Eu a usava durante as aulas e a devolvia para ele no fim do dia. A rotina se seguiu por uma semana, mais ou menos, até que quando chegou perto do meu aniversário, ele me deu a pulseira de vez, já que ela ficava mais comigo que com ele e tinha dias que eu até me esquecia de devolver...

- Mas porque tem o nome dele? – Jake pensava que eu tinha escrito.

- Porque a pulseira era dele e ele tinha escrito o próprio nome com caneta permanente! Eu tentei não sei quantas vezes passar Bombril pra ver se apagava a tinta, mas não acontecia nada. E, antes que você pergunte... Eu durmo com essa pulseira porque eu já to tão acostumada a usá-la o dia todo que eu até me esqueço de tirar. Satisfeito?

Eu já estava impaciente. Por que tanta pergunta sobre minha vida pessoal? Desde quando ele se importava com isso?

Ele pareceu retomar o bom humor por completo e eu percebi que não iria vir mais uma tonelada de perguntas constrangedoras. Ainda bem...

- Então é só uma questão de hábito? – perguntou ele mais seguro.

- Sim. Mas agora você vai me responder uma coisa. – eu falei – e quero que seja sincero da mesma forma que eu fui.

Esperei por uma resposta, mas ele nada disse; só inclinou um pouco a cabeça para o lado e fitou-me com curiosidade.

- Pois então lá vai: por que você fez questão de saber de tudo isso? Quer dizer, que diferença faz pra você saber quem me deu ou deixou de me dar alguma coisa?

- Passo.

- Vamos lá... Eu tive que responder suas perguntas.

- E eu já respondi dezenas de perguntas suas desde quando você chegou aqui no dia 1º.

- Mas... – eu tentei encontrar argumentos.

- Nem vem. E tem mais: eu não prometi que ia responder a essa pergunta.

Foi o cúmulo. Eu sabia que estava sendo tola e infantil, mas levantei-me mesmo assim e saí batendo o pé até a suíte. Ele me seguiu, entrando no quarto da mãe dele que era agora meu quarto.

- Qual é... Não está mesmo com raiva, está?

- Não... Nem um pouco. – eu disse com o maior sarcasmo que consegui reunir.

Jake suspirou, derrotado.

- Tanto faz... Se isso fizer você voltar a falar comigo, eu digo o porquê de tanta curiosidade de minha parte.

Olhei para ele ainda de cara amarrada, esperando.

Ele suspirou mais uma vez para acalmar a respiração agora acelerada e começou:

- Porque... – ele tinha dito, mas nessa hora o portão rangeu e ele se calou de imediato, voltando ao fingimento de sempre. Bendita hora que a tal caminhada teve que acabar...

O resto do dia foi tão monótono quanto a vida que Jake fingia levar e a noite chegou logo. Como estava esgotada, dormi cedo.


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