Eu não consigo mais aguentar... É forte demais para eu lutar, está aos poucos me dominando. Meu psicólogo disse que era apenas coisa da minha imaginação, mas eu simplesmente não consigo vê-lo como fruto de minha mente. Ele é real, faz parte de mim, e chega sempre no período de lua cheia. Por mais que eu tente negar a sua existência, por mais que eu tente esconder que ele tem controle sobre mim, ele sempre chega.

Lavei o rosto e suspirei, deixando a água fria levar as minhas preocupações até o ralo. Como eu já esperava, foi em vão. Ouvi alguém bater na porta do banheiro, e ouvi a voz da Miku.

- Kaito, você está bem? – Ela me perguntou, com a preocupação perceptível em sua voz. Odiava vê-la preocupada, ainda mais por minha causa.

- Miku, eu preciso falar com você. – Eu disse, enxugando o rosto e as mãos e logo após abrindo a porta.

- Kaito, eu preciso saber... O que foi aquilo? Eu fiquei muito preocupada! Você não disse nada a ninguém – Ela disse, com aquele tom doce e levemente irritado.

- Preciso falar com você a sós – Eu disse, e puxei-a pela mão, levando-a à cabine a prova de som. Notei que ela corou bastante, o que até me divertiu um pouco. Queria falar isso com ela, mas não queria que ninguém escutasse.

O chão da cabine era todo coberto por um tapete macio, metade rosa chiclete e metade azul turquesa. As paredes são todas acolchoadas de veludo vinho. Me sentei em um pufe vermelho, enquanto Miku sentou em um pufe roxo. Logo a frente ficava o karaokê, e no teto, escondido, ficava um globo de espelho de tamanho regular, podendo ser acionado por controle remoto, tanto ele quanto as luzes e a música.

- Então... – Miku disse, mexendo em uma de suas marias-chiquinhas, nervosa e um pouco corada. – O que você queria falar comigo?

- Não precisa ficar assim – Eu disse, rindo um pouco. – Nem parece que está falando comigo.

Nós dois rimos um pouco, e ela corou mais.

- Bom, o que eu queria dizer – Continuei – É que, bem... Esse estresse todo do palco, dos shows, essa coisa toda... Foi o que me deixou assim – Eu menti, e abri o freezer para tirar um picolé de blueberry, o meu preferido. Realmente odeio mentir para ela, mas ela me julgaria louco se eu contasse a verdade. Só o sorvete pra me acalmar, estava começando a ficar nervoso e temia que ela descobrisse a mentira. – Peço desculpas se eu preocupei você... Não foi a minha intenção. Quer um sorvete?

- Quero sim – Ela sorriu, e eu dei a ela um de melão – seu sabor preferido. – Puxa, é bom ouvir que é só o palco mesmo. Os shows também estão me deixando sobrecarregada... É um uma vez por semana, desse jeito eu vou à loucura.

- O que acha da gente sair pra ir ao teatro? Eu sei que você gosta – Ele disse, e eu entrei em um pânico interior que não acabava mais. Minha face podia estar serena, mas não era a minha, era a dele. Pare de me controlar! Miku, por favor não aceite! – Vai ser ótimo para extravasar todo esse cansaço e estresse.

- Vai ser maravilhoso, amo teatro! E a peça que está em cartaz eu queria ver já faz algum tempo, mas eu não pude por causa dos shows! – Ela disse inocentemente, animada e feliz. Miku, por favor recuse! – Quem mais vai conosco?

- Eu estava pensando... Que tal irmos só nós dois? – Pare! Desgraçado, cale a boca!

Miku corou muito. Oh, não, eu não acredito! Ela vai aceitar! Pobrezinha, pare de brincar com o coração dela, seu desalmado!

- Como... Como em um encontro? – Ela perguntou, com olhinhos brilhantes de ansiedade. Minha inocente Miku... Por favor, pare com isso... Eu imploro – Eu simplesmente adoraria, Kai-kun! Não sabe o quanto eu estou feliz! – Tarde demais...

Ela pulou no meu pescoço sorrindo e super feliz, e ele sorriu inocente, ou pelo menos fingindo ser. Ela deu um beijo caprichado na minha bochecha, frio por causa do sorvete que estava tomando, e eu corei de uma forma tão tremenda que nem mesmo ele conseguiu esconder isso. Ah, Miku, eu te adoro tanto... Pena que não tenho controle sobre minhas ações agora, senão eu retribuiria esse beijo, me perdoe...

- Então – Ela sentou juntinho de “mim”, encostando a cabeça delicadamente no meu peito, continuando a tomar seu picolé. – Quando vamos?

- Que tal no Sábado, às nove horas? – Ele sugeriu. Desgraçado, você sabe que no Sábado é o primeiro show em conjunto da Teto, da Neru e da Maiko! Elas vão precisar da Miku aqui para recebê-las!

- Er, no Sábado não posso, Kai-kun... É o primeiro show em conjunto da Teto, da Neru e da Maiko. Teto e Neru são as mais novas na banda e também grandes amigas minhas, vão precisar do meu apoio. – Há! Toma na sua cara.

- Sem problemas, que tal na sexta-feira, no mesmo horário? – Ele disse, tomando o resto do sorvete de blueberry. Desgraçado, porque insiste nessa estupidez?

- Sexta de noite eu tô livre – Miku disse, mordendo o palitinho do picolé, que já tinha terminado. – Vai ser tão divertido, Kai-kun!

Ela me abraçou, e na sua inocência e pureza pude sentir seu coração, que batia mais forte. Minha Miku... De repente a porta se abriu, e Neru entrou, presenciando a cena de eu e Miku abraçados. Ele estava sorrindo, fingindo ser puro. Miku sorriu para Neru, e esta entendeu o que ela quis dizer, e retribuiu o sorriso.

- Ei, pombinho, já chegamos na sua casa. – Neru disse pra mim sorrindo, e ele sorriu.

- Ah, sim, vou indo – Ele disse, se levantou e sorriu para Miku. – Nos vemos na Sexta – Ele disse, e beijou-a levemente no rosto, saindo do aposento. Miku corou tremendamente, e Neru jogou assim que pôde o olhar e sorriso mais maliciosos que conseguiu. Pobre Miku... Indefesa perante ao charme dele.

Estava andando pela calçada calmamente em direção à minha casa. Uma casa simples, gostava do ar de simplicidade. Ele entrou em casa e deitou na poltrona reclinável, relaxando em seu veludo verde musgo.

“Como se sente ao me ver controlar a garota que você gosta, sem poder fazer nada?”

“Seu desgraçado, se você tocar num fio de cabelo dela sequer eu te mato.”

“Se eu morrer você também morre, está ciente disso, não?”

“Claro que estou. Vou te tirar do meu corpo, você verá, apenas aguarde o pouco tempo de sua existência.”

“Shio, Shio, não seja ridículo... Você luta contra meu domínio há anos, porque seria diferente agora?”

“Porque agora, ao menos, eu tenho alguém que tenho que manter longe de você.”

“A sua namoradinha? Não se preocupe, não vou machucá-la. Sou parte de você, portanto também nutro certo sentimento por ela.” Ele deu uma risada de provocação.

“Desgraçado, pare de brincar com os sentimentos dela!”

“Até mais, Kaito, vou deixar você manter o controle até a hora certa. Até Sexta. Ah, e nem pense em desmarcar o nosso encontro, eu não permitirei que faça isso.”

Aos poucos fui sentindo que retomava o controle sobre o meu corpo. Sentei bruscamente na poltrona reclinável e, suando frio, cobri meu rosto com as mãos. Comecei a massagear minha cabeça, que doía. Típicos efeitos colaterais que sentia antes e após o domínio dele. Fui até a cozinha cambaleando, e enchi um copo com água. Tomou um gole, e olhei para a lua cheia.

- Meu Kami-sama, como faço para impedi-lo? – Eu disse, praticamente suplicando uma resposta.

Como eu já esperava, nenhuma resposta. Abri o freezer e tirei um pote de sorvete de cream and coockies, e comecei a tomá-lo freneticamente. Nem o meu único refúgio – o sorvete – Estava me dando conforto. Seria uma noite longa...