Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 27
Amor


Notas iniciais do capítulo

"Tudo o que veio a seguir se passou em menos de um segundo na minha mente. Uma memória ressurgiu."



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                Movimentos estranhos me despertaram.

                Senti uma mão deslizando pelo meu cabelo, e descendo em direção ao pescoço e ao peito, passando por baixo do lençol. Meus olhos se abriram. Notei que ainda estava naquele quarto bizarro que Kasumi tinha projetado, com o diferencial de estar praticamente sem iluminação. As velas estavam apagadas, e a lua simulada do lado de fora estava encoberta por nuvens artificiais. E um corpo feminino se projetava bem ao meu lado.

                - Ngh... Ana? – sussurrei, ficando sem jeito com as carícias – Não é mais o incenso, é?

                - Não é a Ana, Me-kun.

                ...Ka...

                - Kasumi? – por susto, me afastei dela – O q-q-que você tá fazendo aqui? Cadê a Ana?

                - Ela saiu pra fazer uma longa manutenção na nave. Eu quebrei uma peça de propósito.

                - Hã? Pra que você... Espera aí... Como é que ela vai fazer manutenção, se ela mal faz ideia de como isso aqui funciona?

                - Não... Ela sabe também.

                - ...O que você quer dizer com isso?

                De repente, ela pareceu se culpar por algo. Recolheu seu braço, que ainda me envolvia.

                - Me-kun... Eu não posso fazer isso...

                - O quê?! Do que você tá falando, Kasumi?

                - Eu não posso interferir... na relação de vocês... Não posso...

                Kasumi parecia confrontar sua própria vontade enquanto dizia essas palavras. Eu estava completamente confuso com a situação. Não é que eu não gostasse dela, mas ela tinha razão - Ana era a pessoa que eu realmente amava, e ela me amava também. Ainda assim, me senti mal por Kasumi... Como eu poderia consolá-la?

                - Me-kun... – ela continuou, chorosa – Eu não consigo...

                Sua mão voltou à minha nuca.

                - Eu não consigo mais...

                Continuávamos de lado quando ela me beijou. Com uma intensidade ainda maior que Ana, há pouco tempo, havia demonstrado. Fiquei inicialmente atordoado, mas não consegui deixar de me render. Ela me fazia sentir extremamente bem. Com cada movimento eu ficava ainda mais propenso a acompanhá-la.

                - Resista, Me-kun – ela conseguiu dizer, antes de tocar minha boca novamente. Suas pernas se entrelaçaram às minhas, e suas mãos passaram às minhas costas, ainda distantes.

                Como? Como ela queria que eu resistisse àquilo? Ah... Eu devia, mesmo... Ana passou como um flash pela minha mente. Mas... Kasumi... Ela também... Eu... Eu nem consigo pensar direito. Kasumi é a única presente. É a única que importa agora.

                - Por favor... Resista... – ela murmurou. Ainda parecia lutar contra alguma vontade maior, mas agora, se rendia aos próprios desejos. Aparentemente, ela sabia que não podia, mas fazia de qualquer jeito. Típico.

                E eu não conseguia resistir.

                Por mais que Ana piscasse na minha cabeça, eu não conseguia resistir. Por mais que eu imaginasse que eu era um idiota fraco, eu não me importava. Por mais que eu achasse que eu queria resistir... No fim das contas, eu não queria.

                A intensidade com que me beijava só aumentava a cada segundo. Nossos corpos finalmente se encontraram num abraço forte. Ela estava quente. Resolvi explorar com as mãos a pele macia de suas costas...

                ...Pele?

                - Kasumi, você está...? – não consegui continuar a frase. Também não queria. Queria prolongar aquele momento com ela o máximo possível, sem interrupções.

                Seu corpo rolou para cima do meu. Fios do seu cabelo roçavam pelo meu ombro recém-desnudo. Mesmo sendo um corpo simulado, o tato, a sensação humana, o calor que emanava, eram inconfundivelmente verdadeiros. Ela me pressionava contra a cama, enquanto suas carícias ficavam cada vez mais intensas.

                - Me-kun... – ela disse, num profundo suspiro, enquanto sua mão voltava para minha bochecha – Eu não quero mais resistir...

                - Eu... Eu não consigo resistir a você, Kasumi – falei, duvidando se me sentia derrotado ou vitorioso – Eu acho que... eu realmente te...

                - Não, Me-kun... Você precisa... – ela não terminou a frase. Ela também não parecia querer. Seus lábios, que já estavam excessivamente próximos dos meus enquanto falavam, voltaram a beijá-los.

                Suas mãos escorregaram pelos meus braços.

                Nada mais importava.

                Sua língua passou para o meu pescoço.

                Déjà vu. Mas dessa vez, eu não queria me controlar.

                Por mais que eu imaginasse que isso poderia ser só uma simulação muito bem articulada, eu me recusava a aceitar. Ainda que fosse... O que Kasumi teria a ganhar com isso? A única coisa que ela parecia tentar conquistar, mesmo indo contra os seus princípios, era o meu amor.

                E ela conseguiu.

                Mesmo indo também contra os meus princípios...

                Enquanto Kasumi tateava partes cada vez mais inferiores do meu corpo, eu consegui pensar. Não era pela parte carnal. Toda a atitude dela até ali me levou a um nível que eu nunca imaginaria alcançar. Algo muito mais profundo do que tudo o que eu já experimentei em toda a minha vida. Um sentimento puro, um carinho que não podia ser medido com palavras. Nenhum capacete, por mais avançado que fosse, podia simular isso.

                “Kasumi... Eu te amo.”

 

 

                Tudo desapareceu.

                                                                                              E tudo apareceu novamente.

                                               Tudo em dobro.

                                Milhões de informações.

                Jyhl.

                                Neth.

                                               Zerphys.

                                                               C.E.M..

                A.

                                Ana.

                Joana.

                                                                                              Kasumi.

                                                                                              Eu.

                E um campo infinito se estendeu.

                Um branco absurdamente claro. Mas que não me cegava.

                Eu não tinha olhos. Eu não tinha corpo.

                Eu não precisava de um, ali.

                “Então essa é toda a verdade?”

                “Sim, Matt. É isso.”

                O desespero me invadiu. Mas a mente dela me acalmou momentaneamente.

                “Podemos encarnar?”

                “Tudo bem.”

                E o branco deu lugar a um vasto campo esverdeado. Um céu azul de beleza inigualável. Um corpo. E outro para Kasumi.

                Caí de joelhos e comecei a chorar.

                Ela veio em meu amparo, como da vez em que Ana teve suas memórias apagadas.

                Heh. Ana já não existia mais. Nunca existiu. E isso era quase insuportável.

                Mas Kasumi estava lá. Ou sua manifestação mental.

                Ela me usou.

                Eu fui fraco.

                                Ela me amava.

                                Eu a amava.

                Ana me usou.

                                Ana não me amava.

                                               Ana não existia.

                A Terra continuava condenada.

                E a única esperança que tínhamos ainda residia na sede do C.E.M..

                “Podemos interromper um pouco de nossas ligações mentais? Eu só quero ficar aqui, com você, como ficaria em qualquer lugar."

                - Tudo bem, Me-kun.

                Minha cabeça repousava em seu ombro. Ela acariciava meus cabelos. Olhávamos para o pôr-do-sol que surgiu no oceano recém formado.

                Tudo era gerado pela mente de Kasumi. Não tinha nada a ver com o SPIPA. Aquela era a verdadeira forma de amar de seres como ela. Minha mente e a dela tornaram-se uma só. E nós entendemos plenamente um ao outro.

                Ficamos ali por um tempo incontável. Tempo, ali, corria como nos sonhos: infinito, mas que termina. A presença de nós dois era suficiente para que todas as coisas ruins deixassem de existir. Não precisávamos de mais nada. Nossas conexões mentais deixaram claro que eu não poderia ficar ali pra sempre, por limitações do meu nível inferior... Mas era o que eu queria.

                Apesar de tudo, uma pergunta se manifestou:

                - Por que você não me contou antes, Kasumi?

                - Eu não deveria ter te mostrado até chegarmos ao C.E.M., Me-kun. Ana te mataria. Ela vai te matar assim que nos encontrar.

                - Entendo – era fácil compreender qualquer coisa naquele lugar.

                - É por isso – ela continuou – que eu vou precisar apagar sua memória assim que sairmos deste estado.

                - Tudo bem. Você vai transmiti-la de volta quando estivermos lá, não é?

                - Sim.

                - E nós vamos salvar a Terra... certo?

                Ela ficou em silêncio. Como eu imaginei, ela não sabia. Não dependia só de nós, mas da vontade de Neth.

                - Sua disposição é admirável, Me-kun – ela me surpreendeu – Seu apego pelos outros, por menor que pareça, é incrível.  Acho que não existem raças com tanto afeto em nenhuma classificação do C.E.M.. Essa é uma vantagem que poderemos usar contra meu irmão.

                - Então – comentei – você quer salvar a Terra por admiração à raça humana?

                - Não... – ela ficou um pouco envergonhada de si mesma – Certo que eu não entendo o que leva Neth a destruir outros planetas, e a Terra pode não ser o único que teve esse destino. Eu não gosto disso. Eu não sabia, e não aprovo. Mas o meu apego maior à Terra é exclusivamente por você, Me-kun. Eu te amo. Acima de qualquer coisa, eu te amo. E se a sua vontade é preservar a vida dos outros, essa é a minha vontade também.

                - Kasumi...

                O céu tornou-se cinza. Raios fizeram minha cabeça latejar. Minha visão ficou turva.

                - Seu tempo limite neste estado chegou, Me-kun. Não podemos ficar assim por mais tempo, não sei o que pode acontecer a você.

                Eu não conseguia responder. Não em palavras. E se Kasumi restabelecesse nossas conexões mentais, eu provavelmente não agüentaria mais. Eu ainda queria ficar mais ali com ela, mas a dor era insuportável.

                Mais uma vez, um clarão.

 

 

                De repente, estávamos de volta ao quarto.

                Eu ardia em febre.

                Kasumi deslizou seu corpo, que ainda repousava sobre o meu, para fora da cama. Suas roupas ressurgiram com um comando do SPIPA.

                 - Você vai me perdoar por isso, Me-kun?

                Juntei as forças que me restavam para responder:

                - Claro. Eu só preciso me lembrar disso. Nós vamos salvar a Terra de qualquer jeito, não vamos?

                - É, vamos – ela respondeu com um sorriso triste. Depois de um último beijo, pude ver um flash fraco por trás dos seus olhos.

                E voltei a dormir.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Mais um capítulo que volta ao passado. Dessa vez, pelo menos, uma lembrança bela =]
Agora já está quase tudo definido. Falta só o destino da Terra o/