Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 23
Memórias


Notas iniciais do capítulo

"Só um sentimento misto de surpresa e raiva me invadia. O que é que ela fez? Aliás, o que EU fiz?"



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                - Ana-chan sabe do que eu sinto por você e de tudo o que eu fiz, Me-kun.

                Ok, isso pode ser um tanto problemático. Não, espera...

                - Mas isso não deveria ser um problema – protestei – A Ana já sabia que você gosta de mim, Kasumi. Eu mesmo já contei isso pra ela.

                - Sim, ela já sabia o que você contou.

                - ...O que você quer dizer com isso?

                - Que tem coisas que você não deixou escapar.

                O que é que eu poderia ter omitido? Eu falei tudo pra ela. A chegada, a atração, as roupas indecentes, até o beijo noturno e a insônia. Não teve nada mais grave que isso...

                Olhei para Kasumi com dúvidas profundas, e só então percebi: o rosto da alienígena tinha adquirido o mesmo tom misterioso de quando ela exibia aquelas reações de “resistência”. Mas agora, acima de tudo, ela parecia estar profundamente arrependida de alguma coisa. Não erguia a cabeça.

                - Kasumi, você...

                - Me-kun... – ela interrompeu, dando espaço a um silêncio perturbador, depois continuou – Tem algo que você não sabe.

                Mais um intervalo totalmente desconfortável.

                - E o que...?

                - Algo que eu fiz. E que não deveria ter feito.

                - Por que você não me contou, até agora?

                - Porque você participou – ela levantou rapidamente o olhar, mas logo o desviou novamente.

                O que ela estava dizendo? Se tivesse algo tão ruim que eu tivesse feito, eu me lembraria. A não ser que...

                - Sim, Me-kun. Eu tirei essa memória de você – um calafrio percorreu todo o meu corpo, ao mesmo tempo em que espasmos da forma verbal “resista” ressoavam na minha mente – Quando Ana-chan te analisou, o SPIPA mostrou também toda informação que ele já colheu de você. Inclusive isso.

                ...

                Por quê?

                Mais uma vez, eu estava sem ideias que poderiam ser transcritas em palavras. Só um sentimento misto de surpresa e raiva me invadia. O que é que ela fez? Aliás, o que EU fiz?

                - Eu não vejo como você poderia me perdoar pelo que fiz – Kasumi continuou – Eu devia ter resistido. Mas mesmo com Ana ao seu lado, mesmo com sua vida em risco, eu não conseguia pensar em nada com clareza. Eu me perdi em você, Me-kun. Na sua mente... e no seu corpo.

                Meu olhar de absoluta confusão foi o que ela conseguiu em troca das suas palavras. Dezenas de pensamentos e implicações adentraram de uma vez em minha consciência.

                - Me-kun... Na nave... Eu... – ela não chegou a terminar o que ia dizer. Nesse momento, um pequeno som a fez virar-se para o sistema de segurança. Lá estava Ana, com um sorriso estampado no rosto.

                - Pronto, está liberado! Podem vir! – ela acenou para onde estávamos.

                - Não, Ana-cha... ah, quer dizer, An! Eu não posso aparecer assim, lembra?

                - Que bom! Vem só o “Meeto”, então – ela fez a mesma expressão estranha de quando saiu para descobrir a senha.

                - O quê? Eu não posso ir sozinho, eu não faço a mínima ideia de como mexer nessa coisa! Você precisa vir também...

                - Não, Me-kun – a própria interveio – Ela está certa, especialmente sabendo o que sabe. Vai na frente, é fácil, depois vocês voltam com o SPIPA. Eu fico aqui, pensando numa solução pra isso tudo.

                - O que é “isso tudo”, afinal de contas? – eu estava perdido em subentendidos.

                - De novo, não é uma boa hora pra você saber – eu não me lembro de ter visto Kasumi mantendo uma expressão séria por tanto tempo – Agora vai.

                Andei até Ana, contrariado. Eu deveria estar feliz por estarmos avançando no resgate das memórias dela, mas tudo o que aconteceu até ali só serviu para me fazer sentir cada vez mais ignorante e impotente. Eu não sabia de uma coisa que eu mesmo fiz... Ou que Kasumi fez comigo. Ou nós dois fizemos um com o outro. Pensar assim faz parecer que...

                - Matt, quanto tempo! – Ana me recebeu com um abraço caloroso.

                - Não faz nem cinco minutos que a gente se viu, Ana, o que foi isso? – falei baixo, tentando evitar que nossos nomes fossem ouvidos.

                - Ah, eu só queria lembrar que eu estou com você. Especialmente depois de ter que... ah... você sabe.

                Eu quase tinha esquecido o que ela tinha que fazer pra conseguir aquela senha. Só o que me vinha à cabeça era o mesmo alienígena vermelho dos tentáculos... Argh!

                - Só por curiosidade, quem é que você analisou?

                - Aquele ali – e apontou para uma forma quase humana, porém azulada. Tinha um capacete que lembrava um cabelo bastante modelado, que em conjunto com seu rosto e uniforme, o fazia parecer um membro de alguma banda Visual Kei. E eu tinha que admitir: para padrões terrestres, ele era muito bonito.

                - Bom, você escolheu bem. Até demais...

                - Ah, você está com ciúmes? Que... engraçado – ela lançou um olhar frio para onde Kasumi estava. Esta ignorou a ação, parecia estar conversando apenas com a própria mente.

                - Por que você está fazendo isso, Ana? – perguntei, um tanto irritado – Você sabe que eu te priorizo sobre a Kasumi.

                - Sim, eu sei. Mas ela não se importa com isso.

                - Como assim?

                - Deixa pra lá. Eu não gosto de me lembrar daquilo.

                - Do quê?

                - Então, o monitor. Mexe aí, você é o expert.

                Ela estava fugindo do assunto. Parece uma tendência de quem me rodeia. No entanto, achei melhor não insistir, por enquanto. Poderia ser ruim até pra mim.

                Na tela, se lia: “Sistema sabotado com sucesso. Proceder para qual setor?” e várias opções saltavam da superfície. Procurei alguma coisa que tivesse relação com o que eu procurava, e toquei a caixa de “Memórias Colhidas”. Daí, várias caixas e caixinhas foram surgindo, até que eu achasse especificamente a que eu realmente procurava: “Nível 42 – planeta Terra – Memória nº 1”. Era a única disponível do nosso planeta. Só podia ser essa.

                “Comando recebido – prosseguir para a câmara de implantes memoriais”, leu-se na tela. Do outro lado da sala, pudemos enxergar um letreiro que se acendeu: “Câmara de Implantes Memoriais --- Acesso”, logo acima de uma porta cilíndrica, que lembrava a cápsula de Kasumi.

                - Vamos lá! – Ana me levou pela mão.

                Atravessamos o ambiente lotado de criaturas sem notarmos os mesmos olhares de curiosidade ou desprezo. A única coisa que deveria estar na mente de Ana era recuperar suas lembranças. Na minha, ao contrário do que eu mesmo esperaria, a prioridade era outra.

                 Eu não conseguia tirar o suposto “acontecimento que eu e Kasumi realizamos” da cabeça. O que seria? Por que Ana a odiou por isso? Por que ela tinha que resistir? Por que eu não resisti também? O que resistir tem a ver com isso, afinal?

                As mesmas dúvidas pairavam sobre a minha cabeça quando a porta se reabriu. Me toquei que eu nem vi ela se fechar. Ana surgiu atrás de uma cortina de fumaça, seus olhos arregalados. Quando pareceu que ela ia caminhar para fora da câmara, suas pálpebras se fecharam e ela caiu. Abaixei a tempo de segurá-la, antes que atingisse o chão duro e frio.

                - Ana! Você está bem? – exclamei, com certo grau de desespero. Nem me importei em perceber se ela estava realmente ouvindo.

                Ela estava. Seus olhos se abriram lentamente.

                - Não... Eu estou tonta.

                - Ah. Só descansa um pouco aqui, você deve melhorar rápido.

                - Matt...

                - Sim?

                - Chega mais perto, por favor.

                Aproximei-me, esperando que ela dissesse alguma coisa.

                - Assim, não. De frente.

                Virei.

                - Mais.

                - Já entendi.

                Sua cabeça continuou repousada em meus braços quando a beijei.

                Ela só se separou por um pequeno instante para dizer:

                - Então era assim mesmo.

               

                Após algum tempo, levantamos e caminhamos de volta para o monitor de segurança.

                - Como foi receber as memórias de volta? – perguntei.

                - Violento. Não parecia muito diferente de assistir um filme, ou se lembrar dele, mas foi tanta informação de uma vez que eu fiquei nauseada.

                - Então foi simples assim?

                - Claro. Vocês dois já tinham me falado tudo, então não foi nenhuma surpresa.

                - Ah, sim... – engraçado, pensar dessa forma.

                - O que eu mais queria lembrar era de você, Matt. E você não sabe como foi bom.

                - É? Ahn, bem, hehe, tá... – corei.

                - Até lembrei que você me devia dez dólares.

                - Sério? Ah, wow, nem eu me lembrava disso!

                - Ha, seu espertinho... – ela abraçou meu braço e apoiou a cabeça sobre meu ombro enquanto andávamos. Kasumi nos esperava ainda no mesmo canto, imersa no mesmo inconsciente filosófico.

                - Então, deu tudo certo? – ela despertou num salto.

                - Ah! Você tava acordada? – indaguei, após levar um susto.

                - Eu não durmo, esqueceu, Me-kun?

                - Você me entendeu...

                - Então, Ana-chan – ela disse, em voz baixa – Como você está?

                - Meio enjoada, mas acho que não podia estar melhor – sorriu.

                - Que bom! Então, você pode me devolver o SPIPA agora, ou ainda está indignada comigo?

                - Por quê?

                - Porque eu tenho que assumir forma humana pra andar por aqui...

                - Não, isso não. Por que eu estaria indignada com você?

                - Ué, por causa do Matt.

                - Por que? O que ele fez?

                Ok... Ana me deixou oficialmente confuso, agora. Kasumi, mesmo em sua forma real, parecia ter a mesma expressão de perplexidade. Porém, em um instante, ela voltou ao normal:

                - Nada, não. Eu imaginei que você estaria com raiva de mim por gostar dele...

                - Nah, isso já foi esclarecido, não é?... E eu estou com o SPIPA? – Ana aumentou a minha perplexidade ao extremo e, aparentemente, o conforto de Kasumi também.

                - Aham. Você pegou pra conseguir a senha do sistema de segurança.

                - Sério?

                - Você não se lembra, Ana? – indaguei.

                - Pra ser sincera, eu só me lembro de ter entrado nessa sala e, depois, de recuperar as memórias. Teve alguma coisa entre um e outro?

                - Ah, teve – Kasumi, apesar de querer ocultar, estava exalando felicidade e alívio – É que recuperar memórias antigas apaga algumas mais recentes – então é isso...

                - Ahn... Que coisa. Me conta, então, o que teve nesse meio tempo?

                - Ok. Mas você pode me dar o SPIPA primeiro?

                Ana retirou o capacete e estendeu para a alienígena prateada.

                Enquanto nos dirigíamos outra vez para o elevador, Kasumi contou o que ocorreu até Ana recuperar as memórias. Obviamente, ela omitiu a análise dela e o “acontecimento perverso” que despertou a raiva da humana, o temor da alienígena e a minha perplexidade. Eu também me senti aliviado por Ana não estar mais com raiva da Kasumi, mas o fato não desapareceu da minha mente. E eu ainda encontraria um momento para falar com ela sobre isso.

                - Então – falei, quando chegamos ao elevador – Pra onde vamos, agora?

                - Aqui – Kasumi apertou um espaço mais acima, que se iluminou, e a porta fechou. Uma voz que saiu da cabeça dela (provavelmente do SPIPA) anunciou: “Nível de energia do Raio D: 97,5%”.

                - Então...?

                - Estamos indo desativar o Raio D.

 

 


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Notas finais do capítulo

E a "guerra" acabou muito mais cedo do que todos esperavam XD
A Terra está prestes a sumir do mapa! Go, Kasumi, go /o/
(que esquisito .-.)

PS: Daqui a pouco, os capítulos vão ter mais de 2000 palavras... Será que eu devia diminuir? x_x