Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 19
(Com)Paixão


Notas iniciais do capítulo

"Era, talvez, seu espírito, por si. Ou apenas seu corpo. O que fosse, parecia estar deixando-a cada vez mais transtornada."



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                Acordei.

                ...Eu dormi?

                Não consigo lembrar com muita clareza. Só que eu estava na nave com Kasumi e Ana apareceu do outro lado do cockpit. Depois disso, nada. E agora, eu estou... num quarto de hospital? O que aconteceu? Será que voltamos à Terra por algum motivo? Ou então... Será que eu sonhei isso tudo? Não, não pode ser, é muito tempo pra caber num sonho. A não ser que eu tenha sofrido um acidente grave... Será que eu tô em coma e não me lembro?

                - Até que enfim você acordou, Me-kun!

                Ok, não foi um sonho.

                Kasumi surgiu do nada, como sempre, e quase pulou em cima de mim, não fosse por eu estar deitado. Ela estava usando uma roupa de enfermeira (muito curta, por sinal) e segurava uma prancheta.

                - O que você tá fazendo assim?

                - Cuidando de você, outra vez – ela respondeu – Depois que você ficou inconsciente, eu tive que te trazer pra cá.

                - Eu fiquei inconsciente? Foi porque a Ana apareceu?

                - Mais ou menos. Você levou um susto, sim, mas aí bateu a cabeça no regulador de temperatura da nave e caiu no chão – ela tentou manter uma expressão preocupada, mas logo soltou um “Pfff!” e desatou a rir freneticamente – Ah, foi muito engraçado!

                - Tá...

                Enquanto ela se recuperava, passei a observar melhor o ambiente.

                - Por que é que a gente tá num quarto de hospital?

                - Ah, isso? É a sala multifuncional da nave. Ela se transforma em tudo o que eu programar.

                - Ah, é?

                - Sim. Olha! – ela tirou uma espécie de controle remoto do bolso e apertou um botão.

                *click*

                Sem que eu percebesse como, a sala mudou para uma praia paradisíaca e deserta, e eu estava deitado numa esteira.

                *click*

                A Terra se projetava num espaço aparentemente infinito, cheio de estrelas cintilantes.

                *click*

                Eu estava no meu quarto, exatamente como o deixamos antes de sair.

                *click*

                Quarto da Ana. Até o cheiro dela estava no ar.

                *click*

                Quarto... hã?!

                - Kasumi, o que é isso?? – eu via meu reflexo no teto, deitado numa cama de casal enorme e circular, com um forro rosa brilhante e cortinas semitransparentes. As paredes eram vermelhas com detalhes em forma de corações. Era noite, a única luz vinha da lua cheia do lado de fora e de um par de velas numa mesa, ao lado de incenso aceso. Havia uma porta de vidro que dava numa varanda com uma jacuzzi iluminada.

                - Esse eu preparei pra quando vocês dois quiserem ficar sozinhos – ela disse, deitando-se ao meu lado com um sorriso quase indecente – A cama não é confortável?

                - Você voltou o SPIPA pra versão antiga, de novo?

                - Não. Eu só queria ver vocês mais à vontade, mesmo.

                - Sério, não tem como ficar “à vontade” nesse quarto...

                - Claro que tem! Alguns filmes que eu estudei da Terra mostram isso muito bem.

                Que tipo de locadora ela pesquisou?

                Antes que eu pudesse perguntar isso, ela me envolveu por trás com os braços. E as pernas...

                - É mais ou menos assim... – deslizou a mão por baixo da minha camisa.

                - ...ei! Já chega, eu sei o que acontece – falei, me levantando.

                - Sabe, é? Hmmm, seu hentai – ela mantinha seu sorriso imoral.

                - Dá pra parar com isso? – eu sentia que todo o meu sangue subia às minhas bochechas – Eu quero voltar à nave, por favor.

                - Ah, Me-kun, você não muda... – ela apertou novamente o botão do controle, e voltamos ao quarto de hospital. Por um momento, fiquei mais tranqüilo.

                - E Ana? Ela está bem?

                - Ah, sim, vou chamá-la pra você – ela se levantou e saiu do quarto, sem antes virar para mim e piscar um olho. A louca...

                A porta se abriu novamente e Ana entrou.

                Levantei-me da cama para abraçá-la, mas me detive. Seria certo? Ela não tinha recuperado a memória.

                - Não – ela disse – Continua.

                Olhei bem para ela. Sua expressão era a mesma de quando nos encontramos pela última vez: confusão. Não era possível definir alegria ou tristeza. No entanto, ela dava a entender que queria ficar perto de mim novamente.

                Abracei-a com força. Ela retribuiu, emocionada e silenciosa ao mesmo tempo.

                Como isso é possível?

 

                - Ana... – perguntei, depois de nos sentarmos na cama, lado a lado – Por que você veio?

                - Se eu soubesse, eu diria – ela respondeu, melancólica – Mas eu sentia, por algum motivo, que eu devia seguir vocês.

                - Você viu o que aconteceu no seu quintal?

                - Na verdade, não. Só reparei que você estava lá, depois da nossa conversa. E você parecia estar falando com alguém... Quando eu saí pra tentar entender, você estava subindo uma escada invisível – ela riu, ainda melancólica – Era pra eu ter fugido assustada nessa hora, mas algo dentro de mim me empurrou pra lá. Quando a toquei, a nave apareceu. E eu subi antes que ela decolasse.

                Ela não estava em choque. Eu estaria.

                - É como... – continuou – Sei lá, como se uma força estivesse me chamando pra dentro dela.

                - Acho que sei o que você quer dizer. Foi uma força assim que me fez encontrar Kasumi pela primeira vez.

                Ela riu, novamente.

                - É, deve ter sido algo assim. Mas comigo, foi diferente. Não era por causa dela que eu estava subindo. Eu soube, no momento em que eu te vi, que era por você, Matt.

                Fiquei sem reação.

                - Que coisa, eu tô mesmo falando isso? – começou a rir.

                Eu dei crédito a ela. Normalmente, Ana não diria uma coisa dessas em voz alta, a personalidade dela não permitia. Mas não era a personalidade quem a comandava ali. Era, talvez, seu espírito, por si. Ou apenas seu corpo. O que fosse, parecia estar deixando-a cada vez mais transtornada.

                Acompanhei seu riso por um momento, até que ele se transformou num choro confuso. Lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto ela se recostava sobre meu ombro. Ela não podia ter outra reação. Era informação demais de uma só vez. E o pior, eu não sabia o que fazer para que ela se sentisse melhor.

                Abracei-a novamente.

                - Matt... Por favor, me conta o que tá acontecendo... – ela soluçava – Por favor, me diz por que nós estamos aqui. E me diz por que é que eu quero tanto ficar com você.

                - Ana... Eu vou dizer, pode deixar.

                Ela continuou chorando. E eu não a soltei.

 

                Contei a história inteira quando ela já estava mais calma. Foi estranho, na minha cabeça, contar novamente a mesma história para a mesma Ana. Dessa vez, eu contei também a nossa história, desde que nos conhecemos até o reencontro pós-Kasumi.

                - Então foi essa Joana que causou tudo? – ela perguntou.

                - Sim. Aparentemente, a serviço do C.E.M.. Só não sei por que ela quis sua memória tanto assim.

                - Talvez porque ela fosse muito má e queria te deixar triste – ela debochou.

                - Heh... Bom, isso prejudicaria a missão da Kasumi.

                - Ela tem uma missão? Você não me contou qual é.

                - É porque eu também não tenho certeza. Ela nunca me disse diretamente. Só uma vez, ela mencionou que “me manter feliz” fazia parte da missão dela.

                Ana ficou pensativa.

                - Ela também foi vítima disso, no fim – adicionei – Talvez a “missão” dela fosse só coletar informações pro C.E.M., sem que ela soubesse da verdade.

                - Será que eles mandariam uma funcionária extra pra Terra só por isso?

                - Não sei. Acho que temos que conversar com ela.

                - É.

                - Então, vamos lá?

                - Agora? – ela segurou minha mão – Agora que tudo passou a fazer sentido de novo?

                Fiquei parado enquanto ela me invadia com seu olhar penetrante. Sorria.

                - Eu ainda não consigo me lembrar de nada – continuou – mas tudo o que você disse se encaixa perfeitamente. Matt, você não faz idéia de como isso me deixou mais feliz. Será que a gente não pode aproveitar um pouco que ainda está tudo calmo? Só por alguns instantes?

                A cada palavra, Ana se aproximava. Na última frase, seus olhos já não estavam mais abertos.

                - Será que agora eu posso te beijar sabendo o porquê?

                Ela pôde.

                E também não faz idéia de como me deixou feliz.

 

                Milênios depois, abrimos nossos olhos, só para ver uma suíte de luxo de motel nos rodeando.

                - Kasumi!! – gritamos, em coro.

                Veio uma risada da porta do quarto, que se abriu. A alienígena olhava radiante para nossos rostos extremamente corados.

                - Vocês precisavam de um lugar mais confortável pra ficar. Aproveitem que ainda temos mais 10 horas de viagem até nosso destino – ela se virou para fechar a porta, mas ainda voltou para dizer – Juízo, hein?

                - Você quer tudo da gente, menos “juízo” – falei, destacando o óbvio.

                - Eu sei. Isso é psicologia reversa – ela sorriu novamente e saiu.

                Ficamos ainda sentados por algum tempo esperando o sangue descer de nossos rostos, o que não aconteceu tão rápido.

                - Ana, você precisa descansar.

                - Você também, Matt.

                Deitamos.

                - Só espero conseguir dormir com esse meu reflexo no teto...

                Ana riu, antes de dizer:

                - Tenho uma idéia: você tenta prestar atenção só no meu reflexo e eu, no seu.

                - Tá, vou tentar.

                Rimos juntos.

                Eu me virei para ela, ao mesmo tempo em que ela se virava para mim. Seus olhos verdes ficavam ainda mais lindos à noite.

                - Matt...

                - Hm?

                - Juízo, hein?

                - Heh. O que você acha que eu poderia fazer?

                - É que eu acho que aquilo ali é algum incenso afrodisíaco.

                - Ah... Você acha melhor apagar?

                - Não precisa... A gente consegue resistir, né?

                - Eu consigo. Se eu consegui resistir à Kasumi até agora...

                Ela riu baixinho.

                - Você gosta da Kasumi?

                Por que a Ana tinha que reviver esse tópico?

                - Eu preciso ser sincero. Eu não sei.

                - Ah. Realmente, deve ser difícil ela te amar e falar pra você não amá-la.

                - Mas ela sabe que eu gosto muito mais de você.

                - Ah, é?

                - É.

                Ela me fitava num silêncio desafiador.

                - Tá bom, pra mim – me surpreendeu o modo como ela se precipitou para me beijar depois disso. E foi provavelmente o beijo mais intenso que ela já me deu. Suas mãos moviam-se pela minha nuca e costas quando ela insistiu em colocar seu corpo sobre o meu. Num pequeno intervalo de tempo em que ela se soltou, eu bloqueei seus movimentos.

                - Sério, acho bom a gente apagar aquele incenso.

                - Concordo.

                Joguei as velas na pia do banheiro.

                E dormimos abraçados.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Perdão pela demora! x_x
Mas aí está, finalmente, um capítulo novo!

Espero que sirva de redenção... =]

PS: Semana que vem, não vai dar pra postar >—>