Estava escuro, e não pelas cortinas fechadas. A noite caía vagarosamente e os raios de sol que antes batiam tristemente na janela agora haviam sumido completamente. Havia se passado quase uma hora desde que Saga fechara a porta. E tudo estava quieto lá fora. Morto. Pelo menos para Shou, pois toda a vida de que precisava estava bem na sua frente. Saga o beijou de novo, agora um beijo relaxado, cansado. Descolou os lábios dos de Shou e caiu ao seu lado. Shou sentira na hora o calor do corpo de Saga deixando o seu e deixou escapar um baixo gemido. Saga o abraçou, como se tivesse que consolá-lo, e o beijou novamente. Shou esperou até o beijo terminar e disse novamente que amava Saga, e dessa vez não hesitou. O outro dissera o mesmo, com a mesma convicção, e continuou abraçando Shou, sentindo aos poucos a respiração de ambos normalizar . Não falaram mais nada naquela noite, e acabaram dormindo pelo cansaço algum tempo depois.

[...]

 - Shou! Acorda! – Saga o sacudia, parecendo ainda semi-desperto mas agitado.

 - O que...? – Shou o olhou, confuso. Normalmente demorava um tempo para acordar totalmente, principalmente se era acordado com tanta pressa.

 - A gente vai se atrasar, corre! – e com isso Saga pulou da cama, correndo até o closet e pegando um uniforme dos de Shou mesmo. Ir até seu quarto só os faria se atrasarem mais.

 Shou levantou também, e pôs o uniforme automaticamente, como fazia todas as manhãs, enquanto Saga jogava apressadamente seus livros na mochila, com a escova de dente na boca. Mas não era uma manhã como as outras, Shou percebeu. Estava atrasado. Mas por quê? Frações de segundos até se lembrar que não tivera tempo de buscar o despertador no outro quarto noite passada. Agora lembrava, agora estava acordado realmente. Corou irremediavelmente ao olhar Saga na sua frente, lembrando do que havia acontecido. Saga pensava na mesma coisa, e sorriu ao ver que Shou ainda parecia sem graça na sua presença, mesmo depois de ter dado sua maior prova de cumplicidade. Terminou de jogar suas coisas na mochila, largou a escova de dente e saiu apressado com Shou de sua casa.

 Os dois não falaram nada no caminho até a escola. Talvez por estarem correndo, talvez por não saberem como começar um assunto quando tudo parecia tão sem importância. A única coisa que importava para ambos no momento não podia ser falada. Por mais que tentassem, alguns sentimentos simplesmente não têm um meio perfeito para serem expressos por palavras. Quando entraram na sala, – milagrosamente em tempo de chegarem antes que o professor do primeiro período – cada um foi para o seu lugar, ainda sem falarem nada, mas Saga encarou o outro por um momento. Por um momento aterrorizante Shou chegou a imaginar que Saga o beijaria ali mesmo, na frente de toda a barulhenta sala de aula, dada a proximidade dos dois e a intensidade com que o olhava, mas Saga não faria isso. O encarou brevemente e foi para seu lugar. Shou ainda ficou o olhando por algum tempo, o vendo se sentar com as pessoas que chamava de amigos e sorrir ao cumprimentá-los. Sentiu que poderia ficar ali o resto da manhã, apenas observando Saga ser ele mesmo, apenas o observado, mas Hiroto o puxou pela camisa, fazendo-o cair sentado em seu lugar.

 - Bem vindo à terra. – Hiroto não parecia estar totalmente brincando. Olhava Shou com ar curioso.

 Shou sorriu, ignorando o olhar do amigo. Virou-se para colocar a mochila nas costas da cadeira e pegar o livro de história, e tentou demorar o máximo que pôde assim. Sentia que se voltasse a olhar para Hiroto ele saberia. Hiroto sempre sabia quando algo havia acontecido com Shou, e não estava mesmo pensando em contar para Hiroto tão cedo. Talvez até contasse logo, mas precisaria se preparar primeiro.

 - O que aconteceu com você? – Hiroto mantinha o olhar curioso, quase inquisidor, e percebeu que havia algo diferente com Shou quando este tentou evitá-lo.

 - O que? Como assim? Nada... – Shou odiava esse olhar. Sempre que Hiroto o olhava assim descobria se estava mentindo ou não. E agora estava mentindo. Descaradamente. Havia passado provavelmente pela experiência mais importante que havia vivido até o momento.

 - Tudo bem. – Hiroto normalmente continuaria perguntando o que havia acontecido até Shou ser derrotado pelo cansaço e acabar falando, mas já estava ficando cansado dessa situação. Shou não era mais o mesmo com ele, não era mais seu confidente. Ultimamente tinha que insistir muito para conseguir saber o que acontecia com Shou, e não era isso que queria. Não queria mais obrigá-lo a contar o que estava acontecendo com ele, não queria forçá-lo a continuar sendo seu amigo. Se sentia ciúmes? Talvez. Shou fora seu amigo por toda a vida, e em uma semana tudo muda por causa de alguém que nunca nem dera “oi” pra ele antes. Hiroto se sentia ofendido, quase traído: se estava dando todo seu apoio para Shou, o mínimo que queria era um pouco de seu amigo de volta, daquele que contava tudo sem nem pensar. Os dois nunca mais haviam saído juntos, sequer estado fora da escola juntos, depois que Shou se envolvera com Saga. E se Shou queria assim, Hiroto o deixaria ser feliz em paz. Olhou uma última vez para o amigo e se virou, ficando de frente para seu caderno e permanecendo assim pelo resto do período.

 Shou percebeu a irritação do amigo e isso acabou o aborrecendo um pouco também. Como Hiroto poderia esperar que ele chegasse e lhe contasse de cara que havia perdido a virgindade com Saga? Não era fácil para Shou nem pensar em falar sobre isso com Hiroto, mas se o outro não entendia sua situação não poderia fazer nada. Apenas esperar que um dia entendesse e o deixasse contar tudo em seu tempo. Mas Hiroto não parecia tentar o entender no momento, pelo menos Shou achava que não, e isso o aborreceu de verdade. Também virou para a frente e não falou nada o resto da aula.

[...]

[comentário pessoal: eu jurei não colocar lemon aqui e não vou colocar...mas já era hora de uma esquentadinha ;D]