- Porque você não foi lá pra casa? – Hiroto o encarava com o ar mais ofendido do mundo, não podia acreditar que num momento daqueles Shou tinha preferido a ajuda de Saga do que a sua.

 - Foi a primeira coisa em que eu pensei, mas seria óbvio demais saber onde eu estaria. – os dois conversavam no lugar onde sempre ficavam no intervalo, num banco bem no fundo do pátio de onde se podia ter uma visão ampla da maioria do espaço apenas olhando para trás. Shou havia contado tudo o que havia acontecido na noite passada.

 - E não é óbvio saber que você está na casa do Saga?

 Shou ficou em silêncio, realmente não tinha ainda tomado consciência de que havia sido descoberto, de que estar com Saga não era mais uma coisa clandestina, e de que se seus pais quisessem realmente encontrá-lo, encontrariam.

 - Eu...não acho que meu pai realmente vá na casa do Saga me procurar.

 Hiroto deu de ombros e chutou uma pedra no chão. Por mais que quisesse, não sabia como confortar Shou no momento. Voltou a olhá-lo quando pensou em algo para quebrar o silêncio:

 - Você não vai voltar pra casa?

 Shou ficou em silêncio novamente. Não queria nem pensar na idéia de ir bater na casa dos pais depois de ser expulso por seu pai, mas não podia continuar na casa de Saga. Ele insistia para que ficasse, mas Shou não se sentia bem às suas custas.

 - Eu não sei. Não sei o que fazer mesmo...

 - Você já sabe que pode ir lá pra casa se quiser...não é?

 - Sei. – Shou sorrira. Hiroto sempre conseguia animá-lo mesmo sem querer com seu jeito meio tímido de demonstrar preocupação. – Mas seria pior se eu encontrasse com meu pai sem querer, sabe? Quero ficar o mais longe que eu puder dele por enquanto.

 Hiroto sorriu de volta, um sorriso forçado. Sentia mesmo pelo que estava acontecendo com Shou, mas sentia mais por não conseguir ajudá-lo. Sabia que estava fazendo o possível, mas o outro se afastava cada vez mais. Tinha medo de a amizade dos dois não ser mais como antes, mas não quis falar nada para Shou no momento, não queria fazê-lo se preocupar com mais isso. Decidiu deixar como estava, afinal, sabia que o outro devia estar passando por um momento muito difícil e não queria piorar isso. Apenas ouviu o que Shou tinha a dizer e tentou acalmá-lo.

[...]

 Saga olhava o teto de casa, jogado no sofá. Tinha saído a pouco tempo do colégio e estava sozinho em casa. Seus pais haviam ido trabalhar e Shou estava na casa de Hiroto pegando algumas coisas. Conseguira convencê-lo a ficar lá até as coisas se acalmarem, e sabia que seus pais não se importariam com Shou estar ali. Assim como não se importavam do próprio Saga estar ali. Cada vez que piscava sentia os olhos mais pesados e difíceis de abrir, estava com muito sono. Cochilara brevemente na noite anterior, mas acabara acordando em seguida e não quis dormir mais, ficara velando o sono de Shou, apenas sentindo-o respirar, com medo de que se fechasse os olhos e dormisse, no outro dia acordaria de um sonho bom demais. Nem tão bom, na verdade, pois sabia de tudo pelo que Shou estava passando e não gostava de vê-lo sofrendo daquele jeito. E o pior: tinha medo de que Shou não agüentasse a pressão que vinha de todos os lados e desistisse de Saga. Tinha medo de perdê-lo pelo preconceito dos outros, tinha medo de perder a única pessoa que realmente importava na sua vida no momento. Se sentia mais leve por ter dito para Shou o que sentia, mas mesmo assim achava que não era o bastante, precisava apoiá-lo nesse momento e achava que abrigá-lo em sua casa era o mínimo que podia fazer, afinal era em parte sua culpa de Shou ter sido expulso. Culpa. Tinha que parar de pensar em culpa, ninguém tinha culpa de nada. A não ser, claro, o pai de Shou, que preferiu ver o filho fora de casa do que com quem gostava de verdade só por ser diferente. Fechou os olhos de vez e decidiu parar de pensar no lado ruim da situação. Dormiu lembrando dos momentos bons que havia passado com Shou até então e acordou com sua voz e sorriso típicos, avisando que já havia chegado.