Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 26
Os tempos estão mudando




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“Eu quero ser conhecido por você”

                Twenty one pilots

 

  A Semana Zero estava oficialmente encerrada – dava para perceber pela quantidade extra de fofocas e olhares superiores nos corredores, além dos típicos trios e grupos que voltavam a ocupar a maior parte do espaço disponível para transitar entre as salas.

  Mas a principal diferença era que alguns garotos magrelas e algumas garotas extremamente esguias começavam a sair da frente do meu caminho. A sensação de poder era absurdamente anestésica, boa demais para acabar tão cedo.

— Por que eles estão abrindo caminho, Ino? — Hinata inclinou um pouco a cabeça na minha direção e pisei mais duro quando percebi que três garotas cochichavam e olhavam nervosas para nós.

— Vai ver é alguma promessa de ano novo — estreitei os olhos para um rapaz alto e afobado que foi empurrado no meio do corredor, ele tropeçou um pouco para se enfiar no amontoado de grupos e trios na lateral que tomava a parede esquerda.

— Eu aposto que ela quebrou alguém — o comentário de Sakura fez brotar um meio sorriso confiante no meu rosto, virei o pescoço na direção de Hinata e, mesmo que fosse estranho ter Naruto por perto, não contive a piscadela cúmplice para ele.

— Valendo quanto? — O Uzumaki perguntou num tom desinteressado e manteve o braço no ombro de Hinata. Continuei de queixo erguido e endureci ainda mais a expressão quando alguém deixou cair dois cadernos bem na minha frente. Agarrei um deles e o atirei na direção em que o dono deveria estar.

— Cem.

— Duzentos — ele aumentou a aposta automaticamente.

— Se eu acertar quem ela quebrou dessa vez, você me deve trezentos — Sakura foi enfática e parecia não perceber que estava ajeitando de novo o capuz sobre a cabeça; os dois menearam a cabeça numa concordância muda.

— O que foi que você fez, Ino? — Dobramos o corredor e meus coturnos faziam muito barulho quando duas garotas saíram da frente da porta e o caminho estava livre outra vez. Hinata soava um pouco preocupada dessa vez e falou num tom mais baixo: — Você não espancou ninguém, não é?

— Bom... — as palavras dançavam na minha boca e observei os olhos perolados de Hinata; eu sabia que não conseguiria mentir para ela, então soltei o ar e respondi: — Você me conhece, Hina — ergui os ombros e ocupei a terceira mesa da segunda fileira e percebi que Sakura e Naruto faziam o mesmo na fileira à minha esquerda. — Não se preocupe. Palavra de escoteiro.

  Hinata puxou a cadeira à frente e me encarou por um bom tempo até girar o tronco e olhar para a lousa. Boa parte dos risinhos havia diminuído, enquanto os murmúrios e olhadelas curiosas aumentaram enquanto os outros se apinhavam no fundo da sala e se espalhavam pelas mesas assim que Kakashi Hatake passou pela porta.

  Uma semana não havia diminuído o olhar enjoado do único olho visível dele ou a postura arrogante quando ele jogou os livros em cima da mesa, atraindo atenção pelo barulho.

— Todos vocês vão elaborar um texto sobre... — a fala professoral foi interrompida quando Karin Y. Lee atravessou a porta em passos tão atrapalhados que qualquer um poderia dizer que era apenas uma novata nervosa em chegar atrasada na aula. — Mas o que...

  Aquela seria a primeira e última vez em que qualquer um poderia dizer que Kakashi ficou assustado o suficiente para ficar em silêncio. O olho direito de Karin estava fechado e havia virado uma bola de tênis roxa e inchada, a franja mal escondia o lado direito do rosto e ela mantinha a mão direita enfaixada com gazes e presa ao peito.

  Eu apostava que ela ainda tinha dificuldades em andar direito e que a mão não estava cicatrizando muito bem. Eu gostava de pensar que ela havia ficado todo esse tempo sem acesso a medicamentos e atendimento médico, da mesma forma como ela havia feito com Sakura e Hinata.

  Era cruel gostar que ela sofresse. Mas eu não sentia pena ou dava a mínima para a ética no que dizia respeito a Karin.

  O silêncio que tomava conta da sala era fúnebre e percebi que a maioria na sala não conseguia desgrudar os olhos de Karin, parada e acuada numa cadeira como se fosse um animal ferido. Reclinei um pouco na minha cadeira e apertei o maxilar quando ela finalmente levantou um pouco a cabeça, girou o tronco e me encarou.

  Não havia mais daquele ar de desafio ou de arrogância no único olho bom dela, apenas ódio cego e medo. Ela fedia a medo apesar das boas camadas de raiva e tremor.

  Levou um bom tempo até ela virar o rosto para frente e se concentrar em manter a mão enfaixada rente ao corpo. Talvez Kakashi tenha tentado controlar os murmúrios e os cochichos que brotaram nos grupos e duplas espalhados pela sala, talvez ele tenha dito alguma coisa sobre textos e cronograma – eu não havia escutado muita coisa desde que Karin tinha girado o tronco e me encarado.

  De qualquer jeito, não foi o olhar atônito de Kakashi que conseguiu chamar a minha atenção. Era o barulho infernal de um apito.

— Ino Yamanaka — a voz estridente de Orochimaru ecoou como uma sirene quebrada assim que ele pôs os pés na soleira da porta. Ele apontou com a cabeça para a saída e colocou o apito entre os dentes, ameaçando inflar as bochechas se eu não seguisse a ordem implícita para sair da sala.

  Levantei com calma e fiz questão de passar pela mesa de Karin; ela encolheu o lado esquerdo do corpo e imaginei que ela estava se esforçando para não tremer tanto quando virei o pescoço para encará-la. Sorri com o pensamento de que ela estava mesmo com medo e plantei os pés na saída.

— O que é que você está esperando? Ande, se mova! — Orochimaru inflou bem as bochechas dessa vez e o barulho do apito era extremamente agudo e irritante, mas consegui ignorá-lo quando captei a atenção de Karin mais uma vez.

  Foi o empurrão brusco de Orochimaru nas minhas costas que quebrou o contato visual com a ruiva e tropecei alguns passos.

— Está surda, garota? Pra diretoria agora mesmo — ele arqueou as sobrancelhas e andei mais devagar quando ele assumiu a liderança.

  O trajeto em si foi rápido, mas eu gostava de pensar que os adolescentes que me mediam de cima a baixo e os que saíam do meu caminho faziam isso porque sabiam quem havia remodelado o rosto arrogante de Karin. Aquela sensação de poder e reconhecimento era mesmo viciante – isso eu tinha que reconhecer.

  Quando Orochimaru parou na entrada da diretoria e apontou o braço na direção das três cadeiras alinhadas em frente ao balcão, arrastei os pés com o máximo de lentidão possível; Shizune mal ergueu a cabeça quando desabei em uma das cadeiras e ela me lançou o típico olhar azedo de sempre antes de voltar a olhar a papelada em cima do balcão.

— Quer dizer que a famosa Ino Yamanaka decidiu mostrar a que veio, hã? — Ela alinhou os papeis numa pilha e um sorriso sarcástico moldou seu rosto por alguns instantes. — Parece que dessa vez você conseguiu mesmo chamar a atenção da polícia, garotinha — desviei o olhar para a saída e uni as sobrancelhas quando percebi que Naruto e Sasuke vinham na minha direção.

— Isso significa que você não para de pensar em mim? — Arqueei uma sobrancelha e sustentei o sarcasmo enquanto Shizune torcia a boca, como se aquilo a incomodasse. Quanto mais, melhor.

— Eu gostaria de ver se você consegue manter essa pose quando for fichada por lesão corporal grave — um sorriso orgulhoso praticamente rasgou o rosto dela e ressaltou seus olhos pretos. O brilho neles era de pura satisfação. —  Porque isso vai acontecer.

— É mesmo? Quem vai garantir isso? A garota do balcão? — Estreitei levemente os olhos e me ajeitei melhor na cadeira, mesmo que uma boa parte do meu cérebro trabalhasse com aquela nova informação.

  Naruto bagunçou um pouco os cabelos quando encostou o corpo no balcão de madeira e Sasuke parou ao seu lado, nós dois trocamos o habitual olhar de estranhamento antes dele voltar sua atenção para a pilha de pastas verdes em cima das mesas que ficavam atrás do balcão.

— O que é que você está fazendo aqui?

— Por que você está me tratando dessa forma, Shizune? — Naruto inclinou um pouco a cabeça assim que a balconista suspirou e endireitou a postura quando pôs os olhos no loiro. — Achei que fôssemos amigos.

— Você não tem assuntos a tratar por aqui — ela determinou e ergui a sobrancelha quando o Uzumaki murmurou com um tom arrastado e de flerte barato:

— Só você sabe como partir o meu coração.

— O caso é que eu preciso de uma assistência burocrática, Shizune — Sasuke soltou o ar como se não soubesse mais o que fazer e apoiou as mãos no balcão quando inclinou o tronco na direção de Shizune. — Eu sou uma pessoa ruim que precisa pagar pelos seus erros, e acontece que eu não confessei tudo o que eu fiz de errado na minha vida. E eu quero chamar um assistente social. O blá-blá-blá de sempre.

  O sorriso charmoso no rosto de Naruto aumentou um pouco quando o Uchiha suspirou com mais teatralidade e ergueu os ombros casualmente assim que Shizune ergueu o queixo para encará-lo. Eu não conseguia enxergar muito bem qual era a expressão no rosto pálido de Sasuke, mas sabia que era boa o suficiente para convencer as pessoas certas.

  Nesse momento, Shizune era essa pessoa.

— Confissão de qual crime? — A curiosidade na voz dela era bem nítida, apesar da arrogância praticamente natural em sua postura.

— Eu teria que te matar se você soubesse.

— O que ele quer dizer é que ele precisa de ajuda com a papelada — Naruto foi mais rápido e capturou a atenção de Shizune antes que ela percebesse que não havia muita ironia na voz do Uchiha. — Só você pode salvar o dia.

  Eu riria daquela voz quase rouca e estupidamente sedutora que Naruto usava com Shizune e da sua postura extremamente relaxada e sorrisos fáceis se a coisa toda não surtisse efeito. Por isso controlei a vontade de rir daquele ar de flerte ruim e da maneira como Shizune se derretia atrás do balcão, enquanto os cantos de seus lábios subiam com teimosia.

  Ela mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam com malícia e arrogância quando ela ajeitou a franja reta; assim que ela limpou a garganta num pigarro exagerado, o tom sério na sua voz não combinava com a expressão quase travessa que havia moldado seu rosto.

— Bom, eu posso providenciar os formulários e conseguir um assistente social ainda hoje. Eu tenho meus contatos — ela se gabou e, quem sabe, um lampejo de bom senso cruzou sua cabeça quando ela pôs os olhos na pilha de documentos espalhados em cima do balcão e depois encarou os dois garotos. — Vocês não estão planejando tirar nada do lugar, não é?

— É isso o que você pensa de mim? — O tom magoado na voz de Naruto era forçado, mas serviu para fazer Shizune cruzar os braços num gesto defensivo e morder o lábio inferior pela segunda vez. — Nós só precisamos da sua ajuda com a papelada, Shizune. Só isso.

  Ela conseguiu reunir um pouco da petulância de antes e explicou de forma mecânica:

— Eu vou pegar a papelada e nenhum de vocês vai se mexer enquanto eu faço isso — ela ergueu uma sobrancelha e dedicou um pouco mais de tempo encarando Naruto. — Pode demorar um pouco.

— Posso te ajudar, se você quiser — balancei o pé e respirei fundo para não gargalhar do ar de tensão sexual que parecia brotar de Shizune quando ela lançou um meio sorriso rápido para Naruto e uma careta fechada para o Uchiha e para mim antes de dar as costas e ir até uma das mesas cheias de pastas verdes.

— Eu sei onde cada coisa está, mas outro par de olhos é sempre bem-vindo.

— Muito bem, eu não aguento mais disso — murmurei e trinquei os dentes com força. Naruto puxou o tampo de madeira para cima como se já estivesse acostumado a entrar ali e se aproximou de Shizune.

  Sasuke esticou o pescoço e espiou a saída da diretoria por alguns segundos antes de começar a mexer na papelada que Shizune estava manuseando há menos de dez minutos. Ele dobrou uma folha de papel e a enfiou no cós da calça jeans escura, em seguida voltou a apoiar os braços em cima do balcão. Não levou muito tempo para a balconista erguer um prontuário verde e balançar uma quantidade considerável de papeis na outra mão, com ar triunfante.

— Vocês não tocaram em nada, não é? — Ela estreitou os olhos e sustentei minha melhor expressão tediosa quando ela pôs os olhos pretos em mim.

— Não precisa desconfiar deles, está na cara que eles fizeram exatamente o que você mandou — arqueei a sobrancelha quando a voz de Naruto ganhou volume e ele passou pelo tampo de madeira do balcão e inclinou o corpo sobre ele em seguida. — Você que é a chefe aqui, Shizune.

  O risinho pretensioso de Sasuke era mesmo irritante, mas serviu como uma resposta para Shizune assim que ela jogou a papelada em cima do balcão, a quase meio braço de distância de onde o Uchiha estava.

— Quanto a você, Yamanaka...

— Puxa, você sabe mesmo o meu sobrenome — resmunguei e Shizune retomou a posição inicial atrás do balcão enquanto Sasuke folheava as páginas de formulários e processos com claro desinteresse; Naruto continuava com aquele sorriso cretino grudado nos lábios quando a balconista pôs os olhos nele e ergueu o queixo com o máximo de arrogância que pôde.

— ...não saia daí. Você vai passar um bom tempo com o assistente social, assim que... — A voz arrogante dela vacilou assim que ela mexeu na papelada em cima do balcão. — Eu coloquei bem aqui — Shizune franziu o cenho e espalhou alguns papeis com pressa. — Eu tenho certeza que...

— Como o tempo voa! Tô atrasado pra continuar com a minha vida de delinquente juvenil — Sasuke anunciou e seus tênis pareciam arranhar o chão quando ele passou pela porta. Enquanto Shizune continuava resmungando, um pouco mais desesperada dessa vez, Naruto apontou com o queixo para a saída e atravessou o batente de madeira em seguida.

— Aonde você pensa que vai? — A voz histérica de Shizune era mesmo uma novidade e não resisti ao impulso de sorrir da forma mais irônica que pude, com o máximo de dentes possíveis.

— Terminar de cumprir a minha sentença, já que eu não tenho mais um encontro com um assistente social por causa de uma queixa. — Mexi na pilha de papeis bagunçados e arregalei um pouco os olhos. — Se é que era mesmo uma queixa. Agora que eu parei pra pensar... Você não inventou tudo isso só pra ficar de olho em mim, não é? Isso é bizarro.

  O choque nos olhos dela se transformou em raiva dois segundos depois que ela me viu espalhar mais um punhado de papeis em cima do balcão; ela ainda teve tempo de gaguejar, um pouco histérica, um pouco irritada:

— Você não pode...!

— O quê? Sair daqui? — O riso irônico reapareceu, mais sincero dessa vez quando arqueei a sobrancelha e perguntei: — Você vai me impedir, garota do balcão? — Foi um tipo de riso curto e hostil que escapou da minha boca quando Shizune ficou em silêncio. — Foi o que eu pensei.

* * *

  Estava escurecendo quando reparei que Sasuke Uchiha e Naruto Uzumaki continuavam respirando no mesmo quarto que eu dividia com Sakura e Hinata. Eu conseguia ignorar boa parte das risadas dignas de uma hiena histérica que o Uchiha produzia se eu me concentrasse em rodar a argola do piercing no meu nariz.

  Era prático ignorar a sensação de agonia que revirava o meu estômago quando eu me esforçava bastante para desviar a minha atenção de qualquer coisa que não fosse a voz desolada e os olhos verdes arrasados de Gaara.

  Muito bem, e o que você vai fazer a respeito? Reclamar e esperar que alguém te empurre uma baboseira aceitável sobre a verdade? Puxei o ar com certa dificuldade e tentei ignorar o nó na garganta quando percebi que ficava cada vez mais difícil usar aquela versão durona e com respostas sarcásticas.

  Durante uma semana, os nós na garganta eram constantes e eu sabia que aquela esperança infantil de conseguir algum tipo de justiça havia rachado em algum lugar no meu peito.

  Você não tinha mais nada a perder. Eu estava errada sobre isso. Ainda havia restado alguma coisa, um pedaço pequeno daquela garota que conseguia viver de verdade antes de assassinatos, brigas e queixas de agressão.

— Chega pra lá — a reclamação de Sasuke chamou a minha atenção e o sentimento de conformismo brotou quando percebi que Naruto estava agachado no meio do corredor, de frente para a cama de baixo do beliche, que era onde eu e Hinata estávamos.

  Sakura continuava enfiada na sua cama, do outro lado do quarto, com as costas retas contra a parede e parecia entretida em esperar que Sasuke atravessasse o corredor acarpetado, carregando o que parecia ser sanduíches e água.

— Já falei que eu tô legal — Hinata comentou com cansaço quando Naruto segurou seu queixo e o virava, num tipo de análise cuidadosa e franzia o cenho assim que ela se afastou. — Sem sequelas.

— Uma cicatriz é um tipo de sequela — ele atalhou e foi a vez dela segurar o queixo dele. Revirei os olhos com impaciência fingida quando os dois me encararam e precisei controlar muito bem o tom de voz para não transparecer nada além de segurança.

— Se vocês querem mesmo discutir anatomia, tô caindo fora — avisei um pouco mais alto do que o necessário e pensei que conseguia sustentar aquela casualidade até passar pela porta.

— Por favor Ino, sem brigas, tá legal? — Apertei um pouco mais a maçaneta quando escutei a voz de Hinata, virei um pouco a cabeça para encará-la e eu sentia que ela entendia perfeitamente o que eu tentava segurar a todo custo por trás da expressão calma que eu exibia no rosto. — Se você quiser falar sobre isso...

— É, eu... Eu sei — eu não consegui forçar mais do que um curvar leve dos lábios, aquilo era o máximo de um sorriso que eu podia oferecer.

  Fechei a porta com cuidado e, pela milésima vez desde aquele dia, me perguntei o que eu iria fazer. O que Ino Durona faria? Ela resolveria essa merda por conta própria.

* * *

  As dobradiças rangeram quando a porta foi aberta e percebi que Gaara havia prendido a respiração quando pôs os olhos em mim. Tentei me lembrar de qualquer expressão ameaçadora, intimidante ou que remetesse a qualquer tipo de autoridade quando analisei os olhos espantados de Gaara por meio segundo até me lembrar de soltar o ar.

  Os meus dedos ainda formigavam e eu sentia que havia batido na porta 130 com mais força do que eu me lembrava. Parte do meu cérebro ainda estava travado naquela versão ofendida com a existência de Gaara e outra berrava que ele não era o cara certo.

  Sete dias era tempo suficiente para se cansar de algumas coisas, eu havia aprendido essa recentemente.

— Você não estava mentindo, não é? — Eu sentia a insegurança, a confusão e o medo rachando a convicção controlada na minha voz quando percebi que ele me analisava. — Eu preciso escutar isso. Eu preciso.

  Cerrei os punhos e meu coração disparava com força enquanto Gaara soltava o ar e se afastava da porta, com passos arrastados e lentos para dentro do quarto. A sensação enjoativa de déjà-vu revirou o meu estômago quando entrei no quarto um pouco escuro e escutei a voz dele, pela primeira vez em uma semana:

— Você quer que eu fale que sou o assassino da sua família, Ino? — O mesmo tom cansado transbordava dele e reparei na pilha de papeis, cadernos e fotos perto de uma cama; dessa vez ele estava de pé, a poucos passos de distância e a franja repicada mal escondia uma tatuagem em sua testa. — O que você quer que eu te diga exatamente?

— A verdade — reagi automaticamente e me agarrei àquela centelha de raiva que havia surgido e bagunçava os meus pensamentos. Raiva ainda é melhor do que medo. — Você me deve isso.

— Eu já te disse a verdade. Eu disse — ele respondeu um pouco mais alto e me agarrei ainda mais àquele fiapo de raiva assim que eu percebi que eu queria que as palavras dele tornassem o assunto por encerrado. — Eu não menti, Ino. Não dá mais para fazer isso com você.

  Por um minuto inteiro, aquele fio de raiva pura fugiu do meu controle quando a outra parte do meu cérebro, que dissecava e analisava cada expressão e reação de Gaara, berrou mais alto com uma teoria que justificava o comportamento dele. Ele se importa. Em algum nível. Ele dá a mínima para o acontece.

  O nó na minha garganta ficou ainda mais apertado quando ele deu meio passo na minha direção, os pés descalços mal faziam barulho no carpete velho. Quando os olhos dele me encararam, ainda havia certa agonia, mas eu sabia que ele estava falando sério assim que emendou:

— Eu nunca pensei em como você se sentiria sobre ser enganada desse jeito, e sinto muito por isso.

— Você mentiu pra mim — reforcei e a minha voz mal passava de um sussurro dolorido. Minha mandíbula estava travada assim que consegui mexer os lábios e dizer: — É meio tarde pra pensar em como eu me senti todas as vezes em que você continuou mentindo.

  Ele abriu a boca e me forcei a interrompê-lo, porque eu não sabia se queria alguma confirmação de que ele se importava comigo. Eu tinha medo de descobrir.

— Se você sente mesmo por ter estragado com as coisas, então vai tirar aquela confissão falsa — inspirei com força e tentei recuperar um pouco da convicção que havia reunido antes de bater na porta do quarto de Gaara. Minhas mãos continuavam tremendo e tentei ignorar a agonia nos olhos dele assim que desviei o olhar para o chão. — Eu posso lidar com o resto se...

  Ele dá a mínima. Pisquei com força e era enjoativo sentir a confusão e o medo tomando controle das minhas emoções e pensamentos outra vez. Ergui a cabeça, como aquilo fosse evitar que a barreira frágil que eu havia erguido contra Gaara e o que ele significava, simplesmente desaparecesse.

  Porque eu não sabia mais até que ponto Gaara significava alguma coisa.

— Você não precisa lidar com tudo sozinha — o sussurro dele foi o suficiente para rachar o que me restava da Ino Durona, da garota que podia resolver sua própria merda sozinha, sem a ajuda de ninguém. — É o que você quer, Ino?

  Havia um gosto quase agridoce no céu da boca quando eu escutava meu nome ser pronunciado por ele, naquele tom arrasado e honesto ao mesmo tempo. É uma ótima pergunta, as palavras brotaram na minha cabeça.

  O quanto que você conseguiu resolver por conta própria nas últimas semanas, hã? Vamos, faça as contas.  Eu poderia culpar as semanas de brigas, queixas, bebidas e discussões e o aumento brusco de trio para grupo por ter tomado aquela decisão.

  Eu poria a culpa o meu estado emocional miserável na semana seguinte ou no dia seguinte, por ter puxado e o ar e respondido:

— Não. — Meus lábios estavam secos quando percebi que não conseguia suportar a dúvida e o medo me corroendo quando Gaara sustentava o meu olhar. Encarei minhas próprias mãos e o nó na minha garganta afrouxou um pouco. — Que bela porcaria, eu cansei de lidar com isso sozinha.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOOOO!
Cá estou de volta, outros mil anos depois.
Comecei a minha quarentena hoje, então consigo focar na fic outra vez. E, quem não consegue ou não pode ficar em casa, por favor, tome muito cuidado.
Sobre a fanfic em si:
estamos mais próximos do final, mas ainda tem uns capítulos antes do fim;
GaaIno meio que começou, então há uma cautela muito grande por parte dos dois, então não sei se rola muita coisa entre eles (estou tentando não forçar a barra);
a convivência entre Ino, Sasuke, Sakura, Naruto e Hinata passou a ser mais frequente.
Não vou me estender muito dessa vez, mas se ficou alguma dúvida, se há algum erro de gramática, me avisem.
Agradeço pelos comentários até aqui e por acompanharem e favoritarem.
Até o próximo!
o/



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