24 de dezembro

 Véspera de Natal. Último dia de aula antes das férias.

— Porque? – Hanako sussurrou, inconformada – Por que logo hoje eu tenho que ser a encarregada da limpeza??? – ela se exaltou, limpando a janela com força desnecessária, enquanto cerrava os dentes.

— Você vai ter que reclamar com o professor encarregado – seu parceiro de limpeza informou com descaso, enquanto varria o chão mais atrás. Era Hitachiin Hikaru.

— Aaaanh~ - ela voltou a resmungar – Logo hoje... eu queria um tempo pra arrumar esse cabelo... – visualizou uma mecha que fugia da presilha. Estava um pouco ondulado, cheio de frizz por causa da umidade. Suspirando pesadamente, ela voltou novamente a atenção para a janela, esfregando com o pano o vidro.

Não sentiu a movimentação ao seu redor, e nem a aproximação de Hikaru. Ele sabia para o que ela queria se arrumar. Sabia para quem ela queria estar bonita. E sabia exatamente para fazer o que.

Hikaru não conseguia aceitar isso, por mais que sua parte racional, sempre sufocada pelos instintos, dissesse constantemente que assim era melhor. Ele queria abraçá-la. Acariciá-la. Protegê-la. Mas era ele quem iria fazer tudo isso.

Transtornado, Hikaru encurralou Hanako contra a janela. Ela virou-se na direção dele, sobressaltada.

— O que... você está fazendo, Hikaru? – ela indagou, confusa e assustada. Ele se aproximou, sem ouvir nada. Pressionou seu corpo contra o dela, usando os braços como empecilho, para que ela não fugisse. Ele queria senti-la. Beijá-la até que perdesse seu fôlego. No entanto, se ele fizesse isso, ela iria chorar. Definitivamente iria chorar.

— Melhor você ir – ele disse, segurando Hanako pelos ombros e a empurrando para fora da sala.

— Anh? – Hanako o fitou, sem entender.

— Você não vai a um encontro com o Kaoru mais tarde? É melhor se apressar, antes que ele mude de ideia e prefira passar o Natal comigo – ele sorriu com escárnio, piscando um olho.

— Isso nunca aconteceria! E além do mais... eu não terminei de limpar a minha parte... – ela disse.

— Você só atrapalha, Coelhinha Estúpida! Eu quero limpar isso tudo sozinho – ele bradou, empurrando-a para fora e fechando a porta com um estrondo. Depois de alguns segundos, jogou também a bolsa, que bateu na cabeça de Hanako – Vá logo embora daqui!

— Então... tudo bem... – ela murmurou, colocando-se para fora, com rapidez. Devia se apressar, se quisesse fazer compras ainda hoje.

-

Saindo da loja, Kaoru tremeu ao sentir o ar frio, depois de tanto tempo no local fechado, com ar condicionado. Suspirou, com seu rosto muito vermelho, vendo o vapor branco que surgia da sua respiração. Era sua primeira vez comprando algo como um anel. Será que Hanako gostaria?

Olhou mais uma vez para o pequeno embrulho vermelho, feito com perfeição. Ela com certeza diria que está muito feliz, não importando o que Kaoru a desse. Ele sorriu, imaginando o rosto sorridente e corado dela, ao receber o presente.

— Kao-tan! – a voz familiar foi ouvida ao longe. Yoko surgiu entre a multidão, correndo com dificuldade e esforço. Seu rosto estava um pouco pálido, e tinha espessas olheiras abaixo dos olhos – Eu não acredito que encontrei você por aqui... ahn... – ela notou o embrulho na mão do garoto – É pra Hanako-san, não é? – tentou sorrir gentilmente, como sempre fazia, mas sua atuação já não era tão convincente quanto um dia fora, e seu sorriso transformou-se rapidamente em um semblante de desagrado.

— Me desculpe – Kaoru pediu, sem nem mesmo perceber.

— Não há motivos para se desculpar – Yoko sorriu fracamente – Eu até me sinto mal se você fizer isso.

— Yoko...

— Olha só, eu não estou aceitando minha derrota! Só que... eu sei que você prefere garotas que possa proteger, como Hanako, ou a minha irmã...  Eu nunca fui a sua preferida, nunca fui o tipo de garota que você quer ao seu lado. Então, eu me esforcei para tornar-me essa garota... e isso foi um erro. Eu deveria ter conquistado você antes, usando os meus próprios truques, sem recorrer a artifícios. Agora que percebi isso, vou recomeçar. Prepare-se para ser roubado, Kaoru – ela sorriu com malícia, piscando um olho.

Kaoru engoliu em seco, sem saber como responder.

Os dois andaram lado a lado por mais um tempo, em silêncio. A neve caia ininterruptamente, ao redor deles, e seus passos ficavam marcados no tapete branco que se formava no chão. Yoko parecia especialmente contente com essa caminhada, mesmo que Kaoru estivesse a meio metro de distância dela, e olhasse no relógio a cada dois minutos. Ele queria ver ela, mas nesse momento, a única que tinha sua companhia era Yoko. Mesmo que por poucos segundos, e de uma maneira muito inferior a que ela preferia, Kaoru pertencia somente a ela, agora. Isso era deprimente para uma garota como ela. Contentando-se com migalhas... Que tipo de pessoa patética ela havia se tornado?

— Kao-tan... nós podemos... ir até aquele café ali e...?– ela parou no meio da frase, com sua voz tornando-se fraca. Kaoru voltou o olhar para ela, alarmado.

Yoko pareceu empalidecer, ainda mais. Sua respiração ofegante condensava-se a sua rente, e seu olhar estava fixo no chão, totalmente opaco e desfocado. Kaoru tentou segurá-la, mas ela não reagiu ao seu esforço.

— Yoko-chan? Você está bem? – antes que ele terminasse a frase, o corpo de Yoko caiu inerte no chão. Ele a segurou a tempo. – Yoko? Yoko! Responde, Yoko!! – ele tentou reanima-la, mas ela não respondia. Algumas pessoas se juntaram ao redor, oferecendo ajuda, e não tardou para que uma ambulância fosse chamada.

— Ei, garoto, ela é sua namorada? – um dos paramédicos indagou, enquanto os outros acomodavam Yoko na maca. Ela estava com a pele azulada, talvez devido ao frio, e sua respiração mal era percebida. Não havia sinais de reação, enquanto moviam seu corpo desacordado.

— Não, eu...

— Venha conosco, precisamos dos dados dela, e contatar a família – o paramédico guiou Kaoru até a ambulância, e eles rumaram em alta velocidade para o hospital.

Do outro lado da cidade, alguém esperava impacientemente, olhando as horas a cada minuto e se balançando de um lado para outro, nervosa.

— Kaoru-kun... está atrasado...