Acima do Dever escrita por Flavia Souza


Capítulo 6
Capítulo 6




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"Quando duas pessoas se amam, elas não se submetem e não se dominam, apenas se completam."

Um sino de alerta tocou no fundo do cérebro, e Bella sabia que, cedo ou tarde, teria de acertar com Edward a questão do casamento, de uma vez por todas. Mas aquela não era a hora, convenceu-se. Naquele momento, só queria encontrá-lo. Abraçá-lo. Sentir os braços dele a seu redor e fazer de conta que reviviam aquelas duas primeiras, duas semanas juntos.

Esquadrinhou a sala escura e reparou nas cortinas esvoaçastes junto às portas de vidro deslizantes. O luar já não era tão intenso e o amanhecer ocorreria dali uma hora, mais ou menos. Aproximou-se da pequena varanda e contemplou as estrelas desaparecendo sob o céu, que clareava lentamente. Então, viu as costas largas e desnudas de Edward.

Ele usava só uma calça jeans velha e desbotada, bem justa, que o deixava mais sexy do que se estivesse nu. Com o peso do corpo jogado numa perna, ele mantinha as mãos no parapeito, fitando o oceano que parecia uma superfície de vidro. Bella sentiu o cheiro de mar e inclinou o rosto de encontro à brisa suave. Afastou os cabelos e foi se juntar a Edward.

Ele não se assustou com sua chegada, como se já soubesse de sua presença ali. Talvez graças a algum tipo de sexto sentido que um homem adquiria após anos lutando pela vida. Ante tal percepção, Bella sentiu medo. Não queria pensar em Edward correndo perigo, oculto nas matas, desviando-se dos disparos de um inimigo invisí­vel. Conseguira não pensar naqueles cenários durante o ano e meio em que permaneceram separados, e com certeza não queria pensar nisso agora.

─ Acordou cedo.   Comentou, apreciando o horizonte e o céu levemente rosado que começava a surgir no leste.

─ Estou acostumado, acho.    Explicou ele, a voz suave como a manhã. Olhou-a por um instante e então voltou a contemplar o oceano mutante.   ─ Minha camiseta fica bem em você.

─ Obrigada. Eu... não encontrei minhas roupas.   Justificou ela, rindo.

Ele sorriu, e Bella lhe admirou o perfil. Maçãs do rosto altas, maxilar forte e nariz que parecia ter sido quebrado uma vez, tudo combinado para embelezar o rosto masculino. Edward era um exemplo do bom trabalho da natureza. Quando ele se voltou para fitá-la, sentiu um aperto no coração.

─ O que foi?    Bella estendeu a mão para tomar a dele.

─ Estive pensando.  Admitiu ele.  ─ E uma boa hora para pensar. Tranqüilo. Pouco antes do amanhecer.

─ E?   Indagou ela, apreensiva, esperando que ele não recomeçasse com a conversa de casamento.

─ Estava imaginando. Como você ficou, grávida? Digo, sua aparência?

Bella não esperava aquela pergunta, de jeito nenhum. Encarou-o por um segundo. Então, quando entendeu completamente a per­gunta, riu e meneou a cabeça.

─ Como uma bola de praia.  Descreveu-se.   ─ Baixa e redonda.   

Na verdade, durante a maior parte da gravidez, sentira-se grata por Edward não estar ali para vê-la. Mulheres baixas e gravidez não eram uma boa combinação, lembrando-se da inveja que sentira das futuras mamães altas que via na sala de espera do consultório médico. Mesmo prestes a dar à luz, aquelas mulheres permaneciam... lindas. Enquanto ela parecia um barril com pernas.

E imaginava se Edward ficaria atônito ou encantado com as mudan­ças em seu corpo, mas seu lado covarde sentia-se satisfeito por nunca ter de descobrir.

─ Aposto que ficou linda.

Bella riu, quase deu uma gargalhada, e levou a mão à boca para se controlar. Afinal, era um pouco cedo para acordar os outros hós­pedes do hotel.

─ Que nada. Meus irmãos diziam que, se houvesse um meio de instalar as luzes, iriam me esconder como um dirigível.

Edward franziu o cenho e Bella lamentou ter mencionado os irmãos.

─ Eles só estavam brincando.

─ Sei.   Murmurou ele, mais para si mesmo do que para ela. E acrescentou:  ─ Pelo menos, eles estavam lá para você.

─ Edward...

─ Você me odiou?   Indagou ele, de repente, o olhar fixo nas ondas do mar. ─ Por ter deixado você grávida e sozinha?

─ Não.   Bella o fez se voltar. Tinha de convencê-lo daquilo. ─ Claro que não. Em primeiro lugar... não estava sozinha. Minha família estava aqui.

─ E muito zangada comigo.

─ Esqueça-os.

─ Tem razão.    Concordou Edward. ─ Trata-se de mim e de você, e preciso saber... Você me odiou?

Ela o fitou, ansiosa para que ele lesse a verdade em seus olhos. De qualquer forma, esclareceu:

─ Não. Nunca odiei você por ter me engravidado.

Edward relaxou um pouco e ela continuou, desejando deixá-lo total­mente descontraído:

─ Não é como se eu não tivesse nada a ver com você, sabe.

Ele sorriu, mas rapidamente voltou a ficar sério.

─ Sim, eu me lembro.

─ Não foi culpa de ninguém o preservativo falhar.

─ Ainda estou pensando em processar o fabricante.   Resmungou ele.

─ Inútil.  Afirmou ela.  ─ Está escrito na caixinha que são no­venta e oito por cento eficazes. Eles se dão uma margem de segurança.

─ Hummm... espertos.

Questionar como e por que um preservativo falhava era inútil. Bella aprendera aquilo dezoito meses antes. Era melhor simplesmente encarar a realidade e aceitá-la.

─ Edward, o que aconteceu, aconteceu por um motivo.

Acredita nisso?

─ Sim. Bella falava a sério. Toda vez que olhava o rostinho de Emily, aquele sentimento crescia. Havia um motivo para a exis­tência daquele bebê. Um motivo para tê-lo concebido contra todas as probabilidades. Um motivo para Emily ter vindo ao mundo.

O fato de não saber qual era esse motivo não o invalidava.

─ Gostaria de saber qual.   Murmurou Edward.

─ Importa realmente?    Ela esperava que ele dissesse não. Por Emily , não queria que o pai lamentasse a existência dela.

Passou-se algum tempo até que ele respondesse. Bella não per­cebeu que prendera a respiração, até que expirou quando ele se manifestou.

─ Não, não importa.

─ Ótimo.   Bella estava aliviada. Por causa de Emily, convenceu-se. Só se preocupava com os sentimentos de sua filha.

Edward posicionou-a à sua frente para contemplarem juntos o ocea­no. Envolvendo-a com os braços, apertou-a contra o corpo.

─ Conte-me como foi.

─ Como foi o quê? indagou ela, pousando as mãos nos braços fortes que a seguravam.

─ A gravidez. O parto.   Ele deu de ombros, e ela sentiu o movimento pelo corpo todo. ─ Quero saber tudo. Tudo o que perdi.

O pedido atingiu-a no coração. Ele perdera tantos acontecimen­tos. Chegara de uma série de missões perigosas para descobrir que tinha uma filha. E agora tentava, da única maneira possível, tor­nar-se parte da vida daquela garotinha. Queria saber tanto quanto a mãe. Queria ser mais do que o homem a criá-la.

Queria ser o pai dela.

Bella sentiu um aperto no coração e acariciou-lhe os braços gentilmente.

A leste, o sol se erguia, pintando o céu com cores suaves. Cinco andares abaixo, um grupo de surfistas com seus trajes emborra­chados já entrava na água fria, remando para longe, esperando que as ondas começassem a se erguer para se quebrar na praia.

Enquanto o mundo despertava, Bella começou a falar.

Edward ouvia com toda a atenção, criando imagens para ilustrar a narrativa. Podia imaginar Bella, com um barrigão, indo trabalhar, brincando com os aluninhos que tanto adorava. Ganhava presentes para o bebê, selecionava nomes dentre os quais escolher.

Via Bella no consultório médico. Imaginou sua emoção durante o primeiro exame de ultra-som, quando distinguiu os contornos da pequena Emily na tela do monitor de vídeo. Como ele lamentava não ter estado lá, para segurar-lhe a mão e ver a imagem também, tentando discernir as feições da criança. Ela falou do apoio dos ir­mãos, e tentou não ficar ressentido por eles terem acompanhado todo o processo e ele, não. Os irmãos haviam assumido os trabalhos pesados na casa, como aparar a grama, bem como a compra do supermercado, a montagem do berço e a decoração do quarto do bebê. Eles estiveram presentes para a irmã no momento mais im­portante da vida dela, enquanto Edward nem imaginava o que acontecia.

Sentiu um arroubo de raiva. Mesmo sabendo que não era culpa sua... que não tinha como saber o que se passava... não conseguia evitar o sentimento.

Bella descreveu o trabalho de parto, e então Edward se aliviou por não ter testemunhado seu padecimento, embora lamentasse não ter estado presente para segurar-lhe a mão. Tal tarefa recaíra sobre Jacob Swan. O irmão mais velho. O homem que quase o matara ao pôr os olhos nele.

E sequer podia culpá-lo!

─ Então...   Continuava Bella, e ele voltou a ouvi-la. ─ Emily estava lá, e o médico a segurava como um troféu de boliche.   Ela riu, e Edward sorriu com o som.   ─ Ela abriu os olhos, Edward, e olhou direto para mim. O médico afirma que ela não enxergava nada nessa hora, mas não penso assim. Emily olhou para mim como se perguntasse: "O que está acontecendo por aqui, mamãe? Que barulheira é essa?".

Edward riu e pousou o queixo em sua cabeça, imaginando a cena por meio da descrição, desejando ter estado lá.

─ Então, o médico a colocou sobre o meu peito.  Prosseguiu Bella, tão suave que Edward tinha de se esforçar para ouvi-la. ─ E ela me fitou, agarrou o meu dedo com força e, naquele instante, Emily arrebatou a minha alma.

Sentindo lágrimas nos olhos, Edward surpreendeu-se e piscou para contê-las.

Bella suspirou e comentou, carinhosa:

─ Jacob não parava de chorar.

Edward ressentiu-se ao saber que o homem que o odiara à primeira vista fora testemunha do milagre do nascimento de Emily.

─ Ele fingiu que não estava chorando, claro. Nenhum fuzileiro naval, nem na dor da morte, jamais admitiria estar chorando, mas você sabe disso, não?

─ Pode apostar.  Concordou ele, piscando mais rápido.

─ Pena você não ter estado lá.

Edward sentiu um aperto no coração, como se o arrancassem do peito.

─ Eu também, meu bem.  Afirmou, beijando-a no alto da ca­beça. Lamentaria pelo resto da vida não ter estado presente. Era um momento que jamais poderia ser recuperado. Não havia como repetir a mágica.

Não. Não havia nada que pudesse fazer quanto ao passado. Mas o presente e o futuro estavam ao alcance. Raciocinando freneticamente, Edward considerava uma possibilida­de atrás da outra, em busca de fissuras através das quais poderia se infiltrar na vida de Bella e da filha. Queria, ou melhor, precisava se envolver no que acontecia naquele instante.

Céus, não sabia nada sobre vida em família. Muito menos sobre crianças. Mas aquela garotinha era sua filha. Parte dele. E não permitiria que lhe negassem a chance de estar presente na vida dela. De dar-lhe oportunidade de conhecê-lo. De ser algo mais do que tudo o que já fora antes.

Então, ocorreu-lhe algo:

─ Quem cuida de Emily quando você está trabalhando?

Bella ficou tensa, e Edward sabia que ela se tornava defensiva. Bem, teria de desarmá-la. Não devia ser mais perigoso do que lidar com uma mina terrestre.

─ Não vá começar.  Alertou ela, rígida na postura.

─ Começar o quê?

─ Jacob está sempre me criticando por deixar Emily na creche por meio-período. Não preciso de dois contra mim.

─ Calma, calma! Não atire!

─ Como?

─ Tire o dedo do gatilho, meu bem.   Provocou Edward, fazendo-a se voltar entre seus braços, para se verem. De forma alguma, per­mitiria que ela o visse como um segundo Jacob, como se formassem um time ou algo assim.   ─ Não estou em condição de criticar qual­quer decisão sua quanto a Emily.

Ela relaxou um pouco.

─ Ótimo.   Baixou um pouco a cabeça antes de admitir: ― Mas você realmente tem mais direito a opinar do que Jacob.

Pode crer, pensou ele, mas sabiamente não disse nada.

─ Só estava perguntando. Bella assentiu.

─ Como sabe, leciono no St. Matthew's.

─ Sim...  Ele se lembrava de ela ter contado que lecionava no colégio de freiras.

─ Pois bem, as freiras mantêm uma creche, e Emily fica lá na parte da manhã, enquanto dou minhas aulas.    Então, como se esperasse um ataque dele, adiantou-se: ─ É um local maravilhoso. Posso visitá-la nos intervalos e na hora da soneca. A irmã que cuida das crianças é um amor, adora os pequenos e lhes dá muita atenção.

Enquanto ela descrevia a escola e a creche, Edward divagou. Raios, fora criado num orfanato de freiras em St. Louis e sabia, por ex­periência própria, que as irmãs cuidavam muito bem das crianças.

Mas Bella desconhecia as circunstâncias de sua infância, e não era hora de ele entrar em detalhes.

─ Estou convencido.   Declarou, só para acalmá-la.  ─ Só queria saber porque...  Pensou bem: Queria mesmo aquilo? Sim, queria. ─ Talvez, enquanto estiver de férias, eu possa tomar conta de Emily enquanto você trabalha. Isso me daria a chance de conhe­cê-la, e ela a mim.

Bella ficou pensativa, e Edward daria qualquer coisa para descobrir o que ela considerava naquele instante.

─ Você quer tomar conta dela? Sozinho? Só você?

─ Ê.  Confirmou ele, endireitando-se sob o olhar severo.

─ Mas, Edward, você mesmo disse que nunca teve muito a ver com crianças.

─ Já fui criança... isso não conta?  Ela sorriu.

─ Sabe alguma coisa sobre bebês?

─ Sei que não podem respirar debaixo da água.   Exemplificou, sério.

─ Muito engraçado.

─ Sei que precisam se alimentar. Precisam ter a fralda trocada. E dormem bastante.

─ Grande!

Ela não parecia convencida.

─ Ouça, Bella. Que dificuldade pode haver? Sou um fuzileiro naval, céus. O governo americano me confia equipamentos de um milhão de dólares. Com certeza, sou competente o bastante para levar banana amassada à boca da minha filha.

─ Não sei... Quero dizer, claro que quero que você passe mais tempo com Emily. Quero que ela o conheça, e que você descubra o quanto ela é especial.

Bella pousou as mãos no tórax dele, sen­tindo as batidas fortes do coração.

     ─ Só que...

─ Está preocupada.

Um pouco.

─ Eu posso fazer isso, Bella.    Garantiu ele, precisando provar a ambos que estava certo.   ─ Confie em mim.

─ Eu confio em você...

─ Combinado, então?

Ela mordiscou o lábio, nervosa, e ele sentiu-se excitado recordan­do o sabor daquela boca carnuda. Assim que obtivesse a resposta...

─ Está bem.  Concordou ela, finalmente.

─ Grande!   Exclamou Edward, sem se importar com a evidente insegurança dela. Provaria que era competente para cuidar de um bebê. Segurou-a pela cintura e ergueu-a para beijá-la na boca.

Bella piscou, atrapalhada.

─ Amanhã cedo, você vai lá em casa?

Edward tinha outras idéias. Tinham todo um domingo preguiçoso pela frente. Se trabalhasse direito, passaria a noite na cama de Bella, na casa dela. Então, na segunda-feira de manhã, já estaria lá, pronto para cuidar da filha logo cedo.

Mas era bom executar o plano com cautela.

─ Pode apostar, meu bem.  Confirmou, aproximando o corpo para Bella sentir sua excitação.

Ela arregalou os olhos, e Edward soube que se fizera entender. Ótimo. Queria se tornar indispensável a ela nos próximos trinta dias. Queria provar que podia ser tudo de que ela e a filha precisavam.

─ Mas não precisamos pensar nisso agora.  Observou, incli­nando a cabeça, detendo-se a milímetros da boca carnuda.   ─ Temos um longo domingo pela frente. Roçou os lábios nos dela, provo­cando.   ─ Alguma idéia do que fazer?

Bella sorriu.

─ Algumas…  Sussurrou, enganchando-se em seu pescoço.  ─ Algumas.


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