Amor na Escuridão escrita por Marcela


Capítulo 2
Capítulo 2




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     Hora errada. Lugar errado. Bernardo estava caminhando em direção a Alice, que percebeu que suas mãos estavam começando a suar. Ela olhou para sua amiga Mariana e rolou os olhos de volta para o garoto.

     — Saia daqui, Mari. — sussurrou sem desviar o olhar de Bernardo.

     — O quê? Você está louca? — a ruiva respondeu céptica — Não vou deixar você sozinha com esse cara.

     — Ele não vai me matar aqui no colégio. — revirou os olhos. — Faça o que eu estou pedindo.

     Mariana resmungou um está bem e deu as costas, caminhando em direção as mesas do pátio. Alice tentou endireitar a postura e controlar a respiração, porém falhou.

     — Percebi que você gosta de encarar as pessoas. — foram as primeiras palavras ditas por Bernardo ao ficar a menos de um metro da morena.

     A dona dos cabelos castanhos, em seu jeito gracioso, respondeu: — Estava só olhando.

     — Pois eu quero que pare. — ele disse friamente.

     — Não sabia que você mandava em mim.

    — Tome cuidado para aonde olha. — o garoto inclinou-se para frente até chegar perto da orelha de Alice. — Seus olhos podem não gostar do que vão ver.

     Suas palavras fizeram Alice estremecer, porém ela não se deixou abalar. Ficou na ponta dos pés para encarar a pessoa estúpida em sua frente e respondeu: — Tente não ficar no meu caminho. Assim não precisarei gastar esforços.

     — Vai ser um prazer. — e saiu esbarrando no corpo da garota.

     — Idiota! — ela reclamou enquanto caminhava apressadamente até Mariana.

     — Nenhum ponto positivo com ele? — esta última perguntou.

     — Não. Ele é um chato. Credo, nunca vi pessoa mais fria.

     Mariana bufou e cochichou: — Tão lindo e tão frio. Queria poder desvendar os mistérios dele. Se é que me entende.

     Alice arregalou as pálpebras. — Não posso acreditar que você disse uma coisa dessas.

     — Vai dizer que isso nunca se passou pela sua cabeça.

     — Nunca.

     — Duvido.

     — Continue duvidando.

     Foi preciso sua amiga ter dito aquilo para Alice imaginar quais seriam os segredos daquele garoto dos olhos pretos.

***

     Alice dera graças pela sexta-feira ter chegado mais rápido do que ela esperara. Era dia de ir à biblioteca como sempre fazia no último dia útil da semana junto com Mariana. Porém, esta não pudera acompanhar sua amiga desta vez. Mesmo assim Alice decidira ir sozinha.

     Ambas aproveitavam que aquela era uma das bibliotecas que ficavam abertas até meia noite. Tentavam sempre chegar lá pelas nove ou dez da noite e passavam horas lendo histórias que as faziam entrar em novos e desconhecidos mundos.

     Estava escuro e fazia calor, porém ventava. A morena segurou os cabelos enquanto andava apressadamente até seu destino. Prendeu a bolsa entre o tronco e o braço direito em posição de segurança e apertou ainda mais as passadas.

     Não havia muita gente na rua da biblioteca. Isso fez com que a garota ficasse com o coração nas mãos. Pensou em Bernardo. Pensou no que ele poderia fazer se a encontrasse lá. Sozinha e desprotegida. Parou para raciocinar e notou ter pensado nele a semana toda, desde que o acertara com a porta do carro.

     Tentou achar motivos para isso estar acontecendo. Talvez fosse por ele ser chato e estúpido demais. Talvez fosse por ele ser bonito e misterioso. Por mais que Alice quisesse acreditar na primeira opção, ela não conseguia deixar a segunda de lado.

     Abriu a porta principal do local e correu para a sessão de livros de horror. Era o gênero que ela mais gostava. Talvez fosse por isso que Bernardo não saia de sua cabeça; ele a assustava. Escolheu um dos livros que ainda não tinha lido e sentou-se no chão, encostando as costas na prateleira e procurando por seus óculos de grau em sua bolsa. Odiava ter que usá-los, porém o astigmatismo não lhe dava escolhas.

     Esticou as pernas e relaxou. Era o momento que ela podia relaxar e esquecer de tudo e todos.

     Conseguira ler quase cem páginas em apenas uma hora. Com livros o tempo parecia não passar. Se pudesse, moraria em uma biblioteca. Uma vez dissera isso para sua mãe, que riu desdenhosa. Achava graça nas idéias da filha, embora admirasse e orgulhasse o seu desejo insaciável por histórias de todos os tipos, principalmente de terror.

     Alice se ajeitou no chão de carpete cinza claro e tirou os sapatos, deixando-os de lado. Sentiu-se grata por não ter ninguém na biblioteca naquela hora da noite. Geralmente somente ela e Mariana ficavam pelos corredores lendo histórias de seus respectivos gostos.

     Desta vez, a morena soube que não estava sozinha. Não era a única a ler sob o silêncio do local. Ouviu o som do folhear das páginas e engatinhou até a prateleira à sua frente. Empurrou alguns livros que tombaram e caíram inclinados em cima um dos outros. Tentou não fazer nenhum barulho e espreitou os olhos por entre as frestas de livros. Notou ser um homem sentado no chão lendo alguma coisa, assim como ela fazia. Ele usava uma blusa regata preta. Fora a única coisa que Alice conseguira ver claramente.

     Deu de ombros e tornou a ler seu livro de horror. Seus cabelos lisos caíam desordenados e sedosos sobre sua face alva. Bastou passar mais uma hora para que ela começasse a piscar pesadamente, cobrindo o verde de suas íris. Estava começando a ficar com sono. Tombou a cabeça para trás e deixou o livro descansando sobre seu colo. Olhou para o teto e não desviou o olhar até que alguém a chamasse.

     — Moça, já vamos fechar.

     A voz grossa e rouca de um homem a fez levantar. Retirou os óculos e pode ver com clareza quem era. Bernardo usava a mesma blusa regata preta que ela vira na pessoa do outro lado da prateleira. Mas tinha uma coisa que ela não vira antes. Um crachá com o nome do garoto e o nome da biblioteca embaixo.

     Até que ela se levantasse e ajeitasse a franja atrás da orelha, ele não a havia reconhecido. Quando notou quem ela era, o dono dos cabelos pretos endireitou a postura e deu um passo para trás.

     Alice calçou rapidamente os sapatos e pegou sua bolsa do chão. Caminhou cambaleante na direção do moreno. Seu coração começou a machucar suas costelas com as pulsações aceleradas.

     — Pensei ter pedido para não ficar no meu campo de visão. — disse tentando controlar o tom de sua voz para não gaguejar.

     — É difícil quando se trabalha em um local que você freqüenta. — ele respondeu pegando o livro das mãos da garota.

     — Nunca vi você aqui. — Alice o seguiu até o balcão — Semana passada era outra pessoa que estava em seu lugar.

     — Talvez seja porque eu comecei a trabalhar aqui na segunda.

     Alice bocejou e tentou disfarçar a tensão enquanto ele colocava os livros que estavam lendo na pilha em cima do balcão. Ele leu o título do livro da morena e riu.

     — O que foi? — ela perguntou arfando com o sorriso maravilhoso que se desenhou no rosto do rapaz.

     — Os Estranhos¹? Nunca imaginei que você gostasse de livros de terror. — Bernardo rolou os olhos para Alice.

     — Você não sabe nada sobre mim. — sua voz falhou no momento em que saiu.

     — Estamos quites. Você também não sabe nada. — sua expressão ainda era brincalhona.

     — Sei sim. — a moça pensou em dizer sobre o assassinato de seu amigo, mas hesitou e se arrependeu por ter dito apenas aquelas duas palavras.

     O rosto de Bernardo de repente ficou tempestuoso. — Sabe o que? — sua voz grossa começou assustá-la novamente.

     — Sei que... Que você é muito mal educado e estúpido com as pessoas.

     Aquilo não convenceu o garoto. Ele começou a andar em direção a Alice, que recuou alguns passos. Ela notou uma cicatriz na altura do ombro dele. Porém, não dera atenção a esse detalhe. Seu coração estava acelerado demais pelo medo.

     Bernardo se aproximou até suas respirações se confundirem. Estavam a poucos centímetros um do outro. Alice teve que olhar para cima para encarar os olhos negros do moreno. Quando fez isso, ela estremeceu.

     — Como eu disse — ele sussurrou, embora não tivesse mais ninguém na biblioteca —, estamos quites.

     Seu hálito embriagou a garota, que cambaleou para trás. Bernardo se afastou e abriu a porta principal do local.

     — Hora de ir embora.

     Foram as últimas palavras que ela ouviu o garoto pronunciar naquela noite.


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Notas finais do capítulo

¹Os Estranhos é um livro de Stephen King, autor de histórias de horror e ficção.Espero, novamente de coração, que tenham gostado de mais este capítulo. Inspirei-me em minhas próprias personalidades para criar a personagem Alice. Como podem ver, ela é devoradora de livros. Embora eu prefira romances a terror, adoraria morar em uma biblioteca também! Hahahahaha. Obrigada por ler. Comente. :*