Como mais Um Sonho escrita por JW-Freitas


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Um surto que me deu. Particularmente (mesmo eu sendo suspeita para falar), mas eu gosto dessa.
Espero que alguém goste tbm
:D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/105973/chapter/1

Eu olhava pela janela, mas não conseguia ver muita coisa. A tempestade que caia lá fora era tão intensa que parecia que jamais haveria mais água para cair do céu. Seus ventos maltratavam as folhas das árvores e plantas e toda a vegetação que encobria aquela floresta, agora muito mais sombria e úmida. Eu fiquei com medo de olhar para cima, para o topo das árvores, ela pareciam que iriam cair a qualquer leve brisa que aquele vento desse a mais. As nuvens no céu escureciam o horizonte verde. Os mistérios que aquela floresta guardava pareciam me chamar muito mais a atenção diante daquela tormenta.

As paredes frágeis daquela cabana não resistiriam por muito tempo. Parecia até um aviso, um sinal de que algo ruim estava para acontecer.

Porém, disso eu já sabia. Eu apenas esperava que aquela chuva intensa o fizesse parar.

Mas no fundo eu sabia que ele não pararia.

Eles nunca param.

       A cólera era forte e o aperto em meu estômago também; havia um caroço em minha garganta que parecia que impedia todo e qualquer som que eu quisesse esboçar. Talvez eu apenas não gritasse como eu gostaria naquele momento por puro fingimento. Aprendi todos esses anos á guardar tudo para mim, a sofrer calada, a sempre me virar sozinha e ser forte. Aprendi da pior maneira, enquanto imaginava um futuro dolorido em meio á imensa escuridão que era aquele quarto. Pelo menos eu sabia que a partir dali eu jamais teria medo de escuro novamente.

        Haviam sido os piores anos de toda minha vida, aqueles enfermeiros que todos os dias me entupiam de diversos remédios para minha tão questionada sanidade mental.

Eles eram tolos, todos eles. Nunca fora invenção, nunca fora bruxaria. Era a verdade e ninguém dava créditos.

       O diretor do asilo era a pessoa mais cruel do mundo. Sei que levarei hematomas e arranhões por toda minha vida.

Presentes dele.

       A única pessoa que não me tratava como um animal ou uma louca era esse velho que significava um pai para mim. Estava tão aflito quanto eu pelo que, nós dois, sabíamos que aconteceria.

       Ele me roubara daquele lugar e me trouxera para essa casa, a casa dele, no meio de uma floresta distante de tudo. Ambos sabíamos que ele chegaria aqui hora ou outra.

       O homem com um rabo de cabelo loiro e olhos vermelhos ficara tão absorto em meu cheiro que parecia que sugaria meu sangue só com o olhar.

      Não que eu desmereça todo o esforço de Ramón para me afastar daquele ser demoníaco, mas eu sabia que não passaria daquela noite.

Ele estava vindo.

      Ramón andava de um lado para outro absorto em seus pensamentos. Dentro da cabana havia pouquíssimas coisas. Diversos recortes de jornais pareciam ser a única decoração daquele ambiente rústico. Havia jornais do ano em que fora anunciado meu falecimento precoce. Sob uma pilha de livros empoeirados dava para ler a matéria de dez anos atrás: “Família Brandon anuncia com pesar o falecimento pesaroso de Mary Alice Brandon.” Dizia poucas coisas na notícia e eu nem fiz questão de terminara de ler tamanha barbaridade.

       Minha própria família me dava como morta, quando a realidade era meu isolamento em uma clínica de gente doente.

Eu ainda conseguia ouvir os gritos.

      Porém a imagem desoladora que a tempestade parecia querer mostrar, não me intimidava. Parecia muito mais tranqüilo do que fora minha vida.

       Foi observando a chuva caindo por entre as folhas que ouvi um grito desesperado por ajuda. Desencostei-me da soleira da janela e semicerrei os olhos para as cortinas verdes. Vi, ao longe, a figura magra e caucasiana de William k. Hoosvel correndo de algo. Jamais esqueceria aquele ser, uma vez que fez minha vida o inferno desde que fui internada em seu sanatório.

       Senti um arrepio gélido subia até minha nuca. Willian parecia muito desesperado, enquanto a coisa que o perseguia parecia ser o ser que rodeia nossos pesadelos.

       Ofeguei com medo do que poderia ser. Dei um súbito pulo para trás quando vi um vulto entre as folhas persegui-lo.

       Céus, que ser corria rápido daquele jeito?

       Por mais que Willian fosse um ser desprezível e eu o odiasse com cada fibra de meu ser, não podia deixá-lo lá, sozinho no meio do nada com uma criatura tenebrosa em seu encalço, buscando pela morte dele. Eu gostaria de ter ajuda em um momento de desespero desses.

       Muito ao fundo, abafado pelo barulho dos trovões e da chuva incessante, um grito ensurdecedor ecoou pela floresta, agudo e cheio de uma dor crua. Era agonizante, era tenebroso. Era um suspiro desesperado por ajuda.

       Saí correndo de dentro daquela cabana e tomei a trilha da onde viera o som, para onde Willian correra e para onde o vulto o seguira. Meus pés descalços deixavam buracos pela terra amolecida e espalhavam gotas de barro por toda parte a cada vez que eu passava correndo por uma poça d’água.

       Eu afastava as folhas e plantas com rapidez e destreza. Sempre brincava com minha irmã, Cíntia, de correr pelas florestas nos fundos de casa. O mistério do desconhecido que os emaranhados verdes escondiam sempre me atraira. E mais uma vez eu me via correndo. Nem sei mais se corria por necessidade de querer ajudar alguém que nem merecia, ou a curiosidade de ver o que acontecia ali, que me fizera sair desgovernada por aqueles caminhos.

       Meu cabelo extremamente negro colava-se em meus braços e costas. Estava com minha camisola hospitalar igualmente grudada em meu corpo. Esquecera que era branca e estavam no mínimo visível minhas roupas de baixo.

Mais não me importei.

     Só naquele momento o frio chegara a mim a medida que eu me aproximava do lugar onde conseguia ouvir os muxoxos fracos e Willian. A adrenalina saiu de meu corpo e o medo realmente quase me fazia parar.

Mais era só adiantar o inevitável.

        Foi então que eu ouvi o último gemido de vida de Willian. Apenas uma planta me separava da cena de sua morte. Ouvi um baque abafado e imaginei ser o corpo de Willian chegando ao chão.

       Constatei isso ao afastar a enorme folha. Willian estava jogado ao chão, no meio do barro e da lama, sem vida. Meus olhos se arregalaram e eu ofeguei.

       Nunca havia visto uma pessoas morta de verdade e na minha frente!.

       Segui o corpo dele e subi com os olhos para o outro que estava ali junto.

Uma bota surrada enterrada no barro.

Uma calça jeans igualmente velha e escura devido a chuva, estava colada ás pernas bem feitas dele.

Uma camisa branca transparente se moldara á seu peitoral tão bem trabalhado.

Um colar pendia em seu pescoço com um símbolo desconhecido para mim.

       Acompanhei ele limpar a boca suja de sangue com as costas da mão, parecendo enojado. Sua pele tão demasiadamente branca e seus braços musculosos o faziam parecer irreal.

        Quando ergui meu olhar para seus olhos vi os mesmos olhos do terror daquele que me perseguia.

Eram vermelhos sangue em seus olhos.

Eram gotas de sangue no canto de sua boca.

       Mas quando seus olhos finalmente me viram ali ele parara. Por segundos que pareceram décadas ele me prendeu em seus olhos e me alegro em constatar que ele também parece perdido nos meus.

       Seu olhar de caçador, de fera, não me fez temer, não me fez ter medo como o do outro ser fizera.

      Pareciam sinceros, sofridos, quentes.

Parecia que eu os conhecia.

      Mas eu jamais o havia visto. Eu teria me lembrado de tamanha beleza. Seus cabelos pouco loiros reluziam com o brilho da umidade. A chuva alisara seus cachos de anjo.

      Dei um passo trêmulo para frente e quase me desequilibrei e cai, mas isso não me fez desviar os olhos dos seus.

       Sua expressão era confusa, incrédulo.

Fascinado.

       Parecia que não havia mais tempestade nem chuva entre nós. Parecia que não jazia um corpo ali, entre nós dois. Parecia que o tempo parara enquanto eu sentia meu coração pular olhando aquele desconhecido tão conhecido.

Eu o havia visto uma vez em um sonho.

      Ele distanciara a mão do corpo poucos centímetros em minha direção. Parecia querer tocar-me.

E eu deixaria sem oferecer objeção alguma.

       Era como que de uma maneira mórbida eu pertencesse a ele.

        Mas então, em um tempo que pareceu curto demais, ouvi Ramón gritando por mim logo ao fundo. E ao mesmo tempo um homem chegou e se pôs entre nós, começando a empurrá-lo para trás, como se tivesse pressa em tirá-lo dali.

Aquele estranho o estava levando para longe de mim.

Outra vez.

       Ele pareceu fazer força para movê-lo do lugar enquanto seus olhos ainda estavam fixados em mim.

       Ele então se deixou ser vencido e arrastado. Do mesmo modo como aparecera, desaparecera.

Como mais um sonho.

       Eu dei um passo para ir atrás dele, mas as mãos gélidas de Ramón se fecharam em meu braço, puxando-me para trás.

- Você enlouqueceu? – ele gritou. Pegou-me no colo e me rebocou com velocidade anormal de volta para o seco e abafado casebre.

       Mal estive consciente do fato de ele me colocar no chão.

- Alice, olhe...

- Você viu? – perguntei perplexa, nem ouvindo o que ele iria dizer.

      O horror passou pela face de Ramos, logo seguido pelo desespero e pela angústia.

- O que você viu, Alice, é o...

- Era ele!- o cortei outra vez, porém isso não pareceu irritá-lo, apenas deixou-lhe confuso. - Era ele Ramon, aquele com quem sonhei algumas vezes, aquele que iria me salvar!- comecei a rir descompassadamente – Era ele! Lindo como aqueles anjos esculpidos no alto dos altares das igrejas, como o anjo Gabriel, com cachos loiros e tudo!- ele lembrava-me claramente de quando ia com papai para a igreja só para ficar vendo-os desenhados lá no alto, sorrindo para quem olhasse para eles.

      Ramón esperava que eu ficasse chocada com a morte de Willian, o sangue, o vampiro.

     Porém, essas coisas não me assustavam. Desde muito nova sei de sua existência.

     Tudo pelo fato lógico de que, se fadas e gnomos existem como nossos pais sempre nos fizeram acreditar, queria dizer que os seres assustadores como vampiros e bruxas também deviam existir.

Não há beleza sem o terror.

Não há o mágico e bem sem o assustador e cruel.

Não há o bem sem o mal.

Em lugar algum.

       E eu não me importava que essas criaturas terríveis e sugadores de sangue existissem.

Significava que ele existia.

-Alice, James está chegando, creio que você está ciente, não pequena?- Ramón me perguntou alarmado.

        Parei diante do desespero que via em seus olhos e apenas assenti.

Ambos sabíamos para que esse James viria.

- Não posso permitir que ele tire sua vida, entende?- Ramón parecia sofrido. Parecia ter envelhecido 50 anos só da última noite para agora.

- Nada pode ser feito, Ramon – sorri fraco- Mas estou conformada. Não estou com medo.

E eu realmente não estava mais.

-Não – ele murmurou sôfrego – não posso permitir – ele ficou de cabeça baixa por um tempo, sussurrando algo em outra língua que eu não entendi, mas parecia uma oração- Me desculpe pequena – ele levantou a cabeça e eu franzi a testa.

- Desculpar o q...

        Jamais consegui terminara aquela frase. Em um instante que eu não vi Ramón já estava em me pescoço e tudo o que senti foram suas presas perfurando a fina pele de meu pescoço.

        O que veio depois foi a cólera, a dor mais aguda que eu já havia sentido.

       E outra vez eu fechei os olhos para a escuridão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então?