Demorei alguns segundos para raciocinar sobre o que eu deveria fazer. Então me lembrei de Luke e Thalia no quarto e cambaleei até a porta, sentindo os olhares de Ally sobre mim. Ignorei. Puxei a divisória que dava para o quarto. De repente eu voltei à consciência.

                Porque como no meu sonho, Thalia estava chorosa, e Luke ao seu lado. E eles estavam quase se beijando.

                - Ai meus deuses! – foi a única coisa que consegui dizer.

                Eles se afastaram rapidamente e Luke deu um pulo para trás, saindo de perto de Thalia.

                - Luke, sai daí! – eu gritei, e senti alguém atrás de mim, e vi Ally de relance, meio apoiada na parede, meio no meu ombro.

                Luke obedeceu. Ele passou pela divisória e sumiu do meu campo de visão. Thalia continuava pasma, olhando para mim. Lhe olhei feio e saí de perto da divisória, fechando-a atrás de mim.

                Ally me olhou estranho. Seus olhos brilharam em um rosa quase bege, muito bonito. Logo meus pensamentos se tornaram turvos outra vez. Eu fui em direção a outra divisória, do lado oposto do quarto, onde dormiríamos Luke e eu.

                Abri-a e vi duas camas de solteiro. Luke estava estirado em uma, de olhos fechados. Mas eu sabia que ele não estava dormindo. Mas se não queria conversar, tudo bem. Meus pensamentos eram cada vez menos definidos, e eu perdia o controle do corpo. Meu último movimento compreensível foi me jogar na cama. E dormir. E sonhar.

                No meu sonho, eu estava sentado na sacada de uma janela. E para fora, havia nuvens. Eu não sentia o movimento, mas sabia que estava voando. Meu único pensamento foi: “Se eu cair aqui, eu morro.”. Mas eu não queria sair dali. Olhei para o lado e vi Ally, sentada da mesma forma que eu. As pernas penduradas para fora da janela. Seus olhos brilhavam num rosa forte, mas tranqüilo. O vento batia em seu rosto e balançava seus cabelos. Eu não pude deixar de notar como ela ficava bonita assim.

                Então eu senti algo na minha mão. Não era pesado. Mas era quente e macio. Olhei para baixo. E a mão de Ally estava entrelaçada com a minha. Ela encostou a cabeça em meu ombro e suspirou. Então eu acordei.

                Acordei com o coração batendo forte. Olhei para a janela. Ainda estava escuro. Olhei para o relógio na mesa de cabeceira. 3:47. Respirei fundo e olhei para a cama de Luke. Ele estava jogado de lado, com a boca aberta, roncando de leve. Sério, ele estava roncando baixinho.

                Me levantei devagar e saí em silêncio, em direção à sala. Eu passei a mão pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais. Olhei na direção janela grande, no canto. E tomei um susto. Porque sentada na sacada, com as pernas penduradas, estava Ally.

                Fui em silêncio até ela e apoiei os braços ao seu lado. Ela tomou um susto e me olhou.

                - Oi. – eu falei.

                - Oi. Sempre gostei da aurora. – ela respondeu, fixando o olhar no céu, que começava a assumir um tom mais claro.

                - É bonita. – concordei.

                Ela me olhou agradecida, e seus olhos tinham um tom eletrizante. Lindos.

                - Qual dos seus parentes é mortal, Ally? – perguntei, me lembrando da reflexão da noite anterior.

                Iiiiih. A noite anterior. Minha cabeça girou de leve e eu notei que estava com dor de cabeça. E enjoado.

                - Meu pai. James Miller. – ela pareceu triste quando respondeu.

                - O que houve com ele? – perguntei.

                - Nada. Só estou com saudades.

                Assenti. Coloquei uma mão em seu ombro e afaguei de leve. Num gesto reconfortante. Mas ela me olhou com tanta intensidade que eu corei.

                - Vai ficar tudo bem. – eu disse.

                - Eu sei. – ela me olhou com lágrimas pequeninas nos olhos.

                - É... Mas que tal você descer daí, antes que caia e vá me ver no Mundo Inferior da pior maneira? – sugeri sarcástico.

                - Contanto que você esteja lá, por mim tudo bem. – ela disse sorrindo, mas então se deu conta do que havia dito e corou.

                Tenho certeza de que eu corei mais. Ficamos mudos depois dessa. Ela começou a se mexer como que para descer da sacada e eu estendi a mão. Ela a segurou e desceu. Mas tropeçou no último instante e eu a segurei. Ela levantou os olhos e eu me perdi no rosa arroxeado de seus olhos.

                Nossos rostos foram se aproximando lentamente e eu perdi a noção dos meus próprios movimentos. Nossos rostos estavam quase se colando...

                E alguém pigarreou atrás de nós. Tomamos um susto e nos afastamos rapidamente, olhando na direção do som e encontrando uma Thalia descabelada e corada. Ela tinha olheiras profundas e seus olhos estavam inchados e vermelhos. Bizarro.

                Olhei de relance para Ally e ela encarava Thalia com uma expressão de puro desgosto.

                - Thalia... O que... o que em nome de Zeus houve com você? – ela perguntou.

                Thalia esfregou os olhos e bocejou. Então seu rosto se retraiu um pouco.

                - Ai. – ela reclamou. – Só eu estou com dor de cabeça?

                - Não. – falamos eu e Ally ao mesmo tempo.

                Thalia nos olhou estranho e então disse, desinteressada:

                - É... tá. Nico, vai acordar o Luke, eu quero sair daqui o mais rápido possível. – ela mandou, entrando numa porta perto da divisória dela, que eu imaginei ser um banheiro. Ally foi atrás dela.

                É, eu também precisava de um banho. Entrei no quarto e Luke ainda roncava. Peguei um travesseiro e joguei nele com força. Mas me arrependi. Por duas razões. Primeiro, porque Luke se levantou de uma vez só, desembainhando Mordecostas. Segundo porque quando eu lancei o travesseiro nele, minha cabeça latejou com força e eu senti que ela iria explodir.

                - Mas que diabos, Nico! Precisava me acordar assim? – Luke reclamou guardando a espada e apertando a cabeça.

                De repente, eu me senti enjoado. Olhei no relógio. 4:52. Nossa, o tempo voa. Entrei no banheiro e tomei um banho rápido, o que, admito, melhorou muito a dor de cabeça. Saí do banheiro já vestido e Luke estava jogado na cama outra vez.

                Praguejei baixinho e gritei:

                - Luke, acorda, Thalia está em perigo!

                Ele se levantou de um pulo e me xingou, enquanto eu ainda ria.

                - Merda, Nico, não faça isso outra vez! – reclamou.

                - Tá, cara-pálida! Vai tomar banho, vai, cabeçudo. – falei, saindo para a sala.

                As meninas estavam sentadas no sofá, a TV ligada. Ally estava com um jeans escuro e uma blusa apertada verde escuro. E quando eu digo apertada, eu quero dizer apertada mesmo, tipo, delineava o busto dela completamente.

                Thalia estava do mesmo jeito de sempre, mas tinha uma cartela de comprimidos na mão. E uma expressão de pura... ressaca. Isso, era isso que a cara dela dizia: ‘estou de ressaca’. Mas estava bem melhor do que antes. Olhei para a TV. Estava passando The Big Bang Theory. Era legal esse seriado.

                Sentei na poltrona, e olhei para a TV. Mas eu não estava assistindo. Estava pensando na profecia. Desde o começo, eu tinha achado que ela estava muito fácil de desvendar. Mas eu queria impedi-la. Inútil, talvez. Mas eu ia tentar. E isso começava com manter Luke beeem longe de Thalia. E isso seria difícil.

                Luke apareceu com outras roupas. Peguei minha mochila no quarto, Thalia pegou a dela, e Luke tinha arranjado Hades sabe onde, uma mochila para ele.  Ally também estava com uma.

                Saímos do quarto e descemos. De repente, o elevador parou. A porta se abriu e um senhor entrou. A porta se fechou e ele sorriu para nós.

                - Estava esperando vocês, semideuses. – ele falou e se transformou em algo com pernas de bode. Um sátiro.

                Peraí. Um sátiro?!