Saga Sillentya: Lágrimas da Alma escrita por Sunshine girl


Capítulo 7
VI - Desenterrando Verdades


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Mals pela demora, mas como eu havia adiantado, feira de ciências na minha escola. Caracas, eu andei tanto na quinta que mal aguento ficar de pé...

Mas enfim, cap. com algumas surpresas e preparem os lenços!

Boa leitura!



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Capítulo VI – Desenterrando verdades

“Embora eu me sacrificasse,

Você não irá tentar comigo, não agora,

Embora eu morresse para saber que você me ama,

Eu estou completamente só.

Ninguém está sentindo a minha falta?”

(Evanescence – Missing)

Dias depois da visita de Tamara, eu recebi alta do hospital, para o meu alívio e bem da minha sanidade mental. Eu não sabia quanto tempo mais agüentaria permanecer fechada e isolada entre quatro paredes.

Meu retorno à escola foi motivo de comemoração para Peter e Tamara. E parecia que aos poucos, minha vida voltaria a ser como antes. Ou pelo menos, foi essa a impressão que eu tive primeiramente.

Depois de alguns dias, já não tinha tanta certeza. Na quarta-feira à noite eu participaria do jantar de noivado de minha mãe. E isso ainda me deixava um pouco apreensiva.

Vovó estava na cozinha, ajudando minha mãe com o cardápio, ela era a única que se atrevia a isso. Eu folheava tediosamente as páginas de um livro que eu nem mesmo recordava o nome.

E eu podia ouvir claramente as reclamações de mamãe acerca da presença de vovó na cozinha. Suspirei, tornando a percorrer com os olhos as linhas que se embaralhavam em palavras sem nexo, cravadas na folha branca.

E levantei-me com um entusiasmo pequenino quando três batidas soaram alto e claras na porta da frente; John havia chegado.

Minha mão girou a maçaneta e eu dirigi-lhe um simpático “boa noite”, enquanto abria caminho para que ele passasse pela soleira, um sorriso emoldurando seus lábios.

- Onde está sua mãe? – perguntou-me ele, os olhos brincalhões.

- Na cozinha, discutindo com minha avó. – murmurei de forma monótona.

John riu um pouco, mas depois tomou o rumo para encontrar a fera. Quem sabe ele conseguisse acalmá-la.

Revirei meus olhos, enquanto me jogava de forma desmazelada no sofá e voltava minha atenção para o livro cujo nome eu não me recordava.

Quando enfim o jantar saiu, todos se assentaram à mesa, vovó ao meu lado, permitindo que John e minha mãe pudessem trocar seus olhares apaixonados à vontade. E o prato especial que minha mãe preparara estava realmente ótimo.

- E então, como se sente, Agatha? – perguntou-me ele, seus olhos disparando em minha direção.

- Estou bem, muito bem na verdade. E não desejo voltar tão cedo para aquele hospital.

John sorriu, expondo a fileira de dentes brancos e brilhantes.

- Isso é uma pena, acho que você não dirigirá tão cedo também. Eu encontrei um amigo que se disponibilizou a dar uma olhada no seu carro.

- Muito obrigada, John, mas eu realmente não quero dirigir por um bom tempo.

- Eu concordo plenamente – intrometeu-se minha mãe -, minha filha não dirigirá por um bom tempo.

- Acho que isso encerra a discussão. – assentiu ele, não discordando de minha mãe, atitude sensata. – Mas e então, não souberam do que houve ontem à noite?

A taça de vidro tremeu em minha mão, algo no tom da voz dele denunciava seu espanto, sua incredulidade, seu medo, e naquele instante eu tive a certeza de que a Quimera havia retornado para me assombrar.

- Soubemos de quê? – perguntou minha mãe, desconfiada.

John deu de ombros, como se não desejasse enfatizar muito o quê estava dizendo.

- Estava conversando com o delegado Percy hoje de manhã.

- E? – eu o instiguei. John estreitou seus olhos, e algo havia brotado neles, algo estranho. Desconfiança?

- Parece que um andarilho cometeu suicídio ontem à noite.

- E o que isso tem de mais? – perguntou minha mãe, enquanto uma onda de desespero arrastava-me para um abismo negro e frio. E naquele instante eu tive medo, muito medo.

- Não foi o fato dele ter se suicidado que chamou a minha atenção, foi a forma.

Um zunido pareceu ecoar ao fundo de meus ouvidos, enquanto um jorro gelado preenchia minhas veias. Meu coração acelerou no mesmo instante, enquanto meus dedos fechavam-se ao redor dos talheres.

- O delegado o encontrou hoje pela manhã, os pulsos cortados por algum objeto metálico. Mas o mais assustador foram as mensagens que ele escreveu com o próprio sangue que fluía de seus cortes nas paredes e no chão. Algo sobre “os cinco dias sem nome” e mais uma coisa que eu devo ter esquecido.

- Jesus Cristo! – exclamou minha avó, os olhos esbugalhados, as mãos sobre o seio.

- E onde foi isso? – perguntei, só me dando conta de que havia me reclinado na direção de John, quando todos os olhares já estavam direcionados para mim. Desconcertada, recuei, sentando-me em meu lugar novamente, enquanto aguardava pela resposta de John.

John deu de ombros novamente, como se não se interessasse muito por isso.

- Em uma fábrica de laticínios abandonada há mais de trinta anos, nos arredores da cidade.

- Claro. – sussurrei para mim mesma, meus olhos ficando vagos, enquanto as lembranças tumultuadas daquela noite preenchiam meus pensamentos. Minha fuga de casa, a chuva, o vento frio, Tobi, e depois...

Cerrei meus olhos com força, retirando-me da mesa como um furacão. Eu não podia mais permanecer ali.

- Desculpe, preciso ir para o meu quarto.

Subi os lances de escada com fúria, batendo a porta de meu quarto com uma violência demasiadamente exagerada. Assim que me vi em meu refúgio, levei as mãos à cabeça, o que estava havendo naquela cidade? Primeiro Becki, agora esse andarilho. Tudo isso em menos de três semanas.

Caminhei de um lado a outro por incontáveis minutos. Eu tinha que fazer algo, eu tinha que descobrir o que estava havendo. Eu sentia que enlouqueceria se não ficasse a par dos acontecimentos. Eu tentava pacientemente juntar os fatos. Becki dissera algo sobre os cinco dias sem nome, sobre o fim de algum tipo de opressão e a ascensão de um novo líder. Mas quem era ele? O que pretendia com isso?

Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos, chegar a uma conclusão que pudesse fazer sentido. Mas eu não chegava em nada. Se ao menos eu tivesse Aidan ao meu lado.

E a volta dos Devoradores de Alma. Por que eles estavam atrás de mim? O que queriam? Por que vieram justo atrás de mim? Eu não conseguia compreender absolutamente nada e a razão escapava-me.

Nem mesmo percebi quando me sentei no chão frio e abri uma velha arca há muito esquecida em baixo de minha cama. Ela estava coberta de poeira.

Abri-a, deparando-me com as dezenas de livros. Eu não sabia ao certo porque estava buscando algo ali, em livros usados e antigos de história. Talvez fosse um tipo de sexto sentido. Talvez eu estivesse enlouquecendo.

Eu folheava incessantemente as páginas amareladas, meus olhos percorriam-nas, mas sempre se decepcionavam ao chegar ao fim da página. Somente uma coisa conseguiu prender a minha atenção; um livro sobre a cultura Maia, um calendário antigo utilizado por eles, e o mais assustador, cinco dias que simplesmente não constavam no calendário, como se não existissem, e um fenômeno chamado Wayeb. Se outros povos já tiveram consciência e já experimentaram o que está havendo em South Hooksett, então eu estava certa, meu sexto sentido afinal não falhara.

Mas eu ainda não conseguia conciliar os suicídios recentes com nada daquilo. Então, quando cansada demais para tentar juntar os fatos novamente, eu desisti e rendi-me ao sono e ao cansaço. E naquela noite eu fui acometida de vários pesadelos horrendos e terríveis.

Quando os primeiros raios luminosos banharam meu quarto e aqueceram minha pele, eu não havia dormido muito. Mas mesmo moída por minha noite insone, eu levantei-me, pronta para enfrentar mais um dia de aula.

Olhei pela janela para o céu branco como papel, o clima parecia um pouco abafado, mas isso era apenas impressão minha.

Abri o chuveiro e a água quente ajudou a lavar os últimos resquícios de sono que ainda pudesse haver em mim. Abracei-me, deixando que a água despertasse cada pedaço de meu corpo e quando percebi que se demorasse mais um pouco que fosse ali chegaria atrasada, voltei para o meu quarto como um furacão, vestindo uma calça jeans e uma blusa de gola alta, o vento assobiava do lado de fora, típico do outono.

De minha mochila em posse, desci as escadas, percebendo que minha mãe saíra mais cedo naquela manhã, ou eu é que devia ter mesmo passado da hora.

Comi uma barra de cereais, e com o tempo a minha espreita, cutucando-me, decidi correr feito uma louca para não perder um dia letivo.

Eu ofegava pelo cansaço, movimentando-me sob o céu que mais me lembrava uma gaiola, sentia-me um pouco claustrofóbica naquela manhã.

E enquanto corria pelas ruas, como uma louca desvairada, uma sensação estranha apanhou-me. Uma sensação que eu conhecia muito bem: a de estar sendo vigiada.

Abruptamente, encerrei minha corrida frenética, meus olhos vagando pelas árvores ao meu redor. Um vento leve chacoalhavam-nas, arrancando folhas amarronzadas e secas dos carvalhos e dos cedros.

Senti um arrepio subir a minha espinha, eu podia quase jurar que havia alguém atrás daquelas árvores que margeavam a viela deserta. Um vento mais rude vergastou meus cabelos, lançando-os em meus olhos, e enquanto a cortina negra e espessa de meus cabelos envolvia meus olhos, algo faiscou atrás de um velho e decadente carvalho, algo azul e cintilante...

E então a ventania cessou, eu permaneci petrificada no meio da calçada, tentando acalmar meus batimentos, mas o brilho azul-escuro já se fora e a sensação de que alguém me vigiava também.

Sacudi minha cabeça, tentando reorganizar meus pensamentos e recomecei minha corrida, exigindo ainda mais de meus pés, e por muito, muito pouco eu não cheguei atrasada.

- Como muitos de vocês sabem, a Revolução Francesa foi um marco na história. E um dos acontecimentos mais importantes para toda a humanidade. Ela marcou o fim da tirania, a soberania, da supremacia dos reis. A Revolução Francesa foi a primeira demonstração clara e óbvia de que o povo possui um poder. De que o povo pode lutar por seus direitos. – o professor encerrou seu discurso, seus sapatos roçando no assoalho branco e lustroso da sala, os olhos oscilando entre nossos rostos e estreitando-se nas pontas, enquanto as sobrancelhas uniam-se no centro da testa. – Alguém tem algum comentário a despeito da Revolução Francesa?

Tamara ergueu sua mão, e eu a encarei incrédula, quando foi que ela começou a se interessar por História Européia?

- O lema da Revolução era liberdade, igualdade e fraternidade.

O professor sorriu, aprovando seu comentário.

- Muito bem, senhorita Sullivan, se todos os alunos demonstrassem o mesmo interesse que você, não precisaríamos de trabalhos de compensação.

Tamara sorriu de satisfação e eu arfei. Eu havia voltado para alguma realidade alternativa? Ou estava em coma no hospital e alucinando?

Tamara sempre detestou História! Recordo-me perfeitamente de sua nota no ano passado com a senhorita Evans, Tamara jamais se recuperou daquele golpe em seu boletim.

Cutuquei-a, exigindo sua atenção, enquanto me curvava em sua direção, completamente incrédula.

- O que foi isso? – sussurrei, erguendo minhas sobrancelhas.

Tamara deu de ombros e revirou os olhos.

- Qual o problema? Só estou me interessando mais por história.

Arregalei meus olhos, ela estava falando sério?

- Quem é você e o que fez com a minha amiga? – perguntei-lhe e Tamara deu um leve tapinha em meu braço, enquanto resmungava consigo mesma.

- Engraçadinha.

Reprimi o riso e voltei minha atenção para o professor, enquanto ele continuava a caminhar de um lado para o outro e terminava a sua explicação. Eu só esperava que quando o sinal tocasse, eu conseguisse ficar a sós com ele. Aquele plano eu tivera enquanto enfrentava a noite passada completamente insone. Eu não tinha muita escolha. E devia estar enlouquecendo. Mas que outra opção eu tinha?

E quando finalmente, finalmente, finalmente o sinal ressoou alto e claro, eu pulei da carteira, segurando no cotovelo de Tamara, retendo-a um pouco.

- Pode me esperar no refeitório? Tenho algo a fazer.

Ela suspirou, revirando os olhos, mas assentiu e rumou na direção do corredor, desaparecendo entre os demais alunos.

Aguardei impaciente até que o último se retirasse da sala e observei de soslaio o professor sentado na mesa, anotando algo.

Aproximei-me sorrateira, medindo-o com os olhos. E quando estava perto o suficiente para que ele me ouvisse, pigarreei, exigindo sua atenção. Os olhos verdes como a mata elevaram-se até a minha face e ele pareceu surpreso.

- Posso ajudar? – perguntou-me ele, o tom de voz gentil e prestativo.

- Er, na verdade acho que sim. –murmurei um pouco sem jeito.

Ele cruzou os dedos, apoiando os cotovelos em cima da mesa e estreitou os olhos.

- Pode dizer, Agatha. Confie em mim. – pediu-me ele. Inspirei, como começaria? Eu deveria informar-lhe apenas do básico e privá-lo do desnecessário e altamente perigoso.

- É apenas uma dúvida que vem corroendo-me, professor.

- Sou todo ouvido. – murmurou ele, sorrindo de forma gentil.

- O que o senhor pode me dizer dos... Cinco dias sem nome? Isso lhe remete alguma coisa?

O professor pareceu-me surpreso, esbugalhou os olhos, depois baixou a face, pigarreou várias vezes e enfim voltou a olhar-me, os orbes sondavam-me.

- Por que está curiosa a respeito disso? – perguntou-me ele, uma sobrancelha arqueada.

- Por nada. – soltei automaticamente e ele riu.

- Ora, Agatha, os cinco dias sem nome fazem parte da crença Maia.

- Maia? – repeti, incrédula.

- Sim, do calendário Maia Haab’ mais precisamente.

- E o que eles significam?

- Mau presságio. Os Maias acreditavam que nesses dias, os últimos dias do ano para ser mais exato, as paredes entre o nosso plano e o submundo dissolviam-se, permitindo a passagem de divindades mal intencionadas.

- Submundo?

- Sim, o mundo habitado por criaturas e espíritos maléficos.

Eu arfei.

- E não há nada que possa ser feito para evitar isso?

O professor riu novamente, e só então eu percebi que estava levando aquilo a sério na frente da pessoa errada.

- E você acredita nisso, Agatha?

- Por que eu não deveria acreditar?

- Isso faz parte da crendice Maia, são apenas lendas, Agatha, que compõem a cultura e a tradição desse povo. Aliás, o Wayeb, como era chamado esse fenômeno, é apenas uma lenda, não passa disso. Muitos outros povos acreditavam nesses dias em que as barreiras que aprisionavam essas criaturas dissolviam-se e as libertavam. Mas são apenas isso, não precisa temer.

- Mesmo assim - insisti, mais uma vez –, se isso pudesse ser levado a sério, há algo que possa ser feito para impedi-lo? Quero dizer, os Maias costumavam fazer algo?

- Não – respondeu-me ele, calmamente -, mas os Maias costumavam não sair de suas casas nesses dias e... Não lavar o cabelo, se achar que isso pode acalmá-la, então faça – ele riu, interrompendo-se -, mas são somente lendas, lembre-se.

Mordi meus lábios, hesitando diante da mesa dele.

- Obrigada, professor, de qualquer forma.

Ele deu de ombros.

- Disponha e lembre-se, o Wayeb só acontece uma vez por ano. – e depois riu novamente.

Retirei-me da sala com um pé atrás. Embora as coisas estivessem mais claras, ao mesmo tempo, elas estavam cada vez mais confusas e complexas.

O resto do período pareceu-me passar com uma lentidão exagerada, talvez porque eu estivesse longe dali, com a mente a quilômetros de distância.

Os ruídos ao meu redor passavam completamente despercebidos, como um zunido irritante. E mais uma vez, eu fui acometida por aqueles flashes perturbadores. A noite tempestuosa, o vento frio chicoteando minha pele, eu escondendo minha face na pelagem caramelo de Tobi, tentando amenizar o frio que estava sentindo, e um rosnado...

Trinquei meus dentes e bani aquelas lembranças de minha mente mais uma vez. Eu não queria revivê-las, não queria que elas passassem como um filme pelos meus olhos e eu tivesse de sentir novamente aquela dor angustiante.

Quando o sinal ressoou novamente, pondo fim ao meu tormento, eu vi-me com uma lentidão demasiada para voltar para casa. Eu seguia pela calçada, passo por passo, minha mente ainda vagava distante de meu corpo. Eu ainda tentava compreender o que o professor havia me dito.

As informações que conseguira. Como a cultura Maia poderia se relacionar aos eventos que estavam assombrando toda a cidade? Eu precisava descobrir, era uma necessidade.

Nem mesmo percebi quando eu dei meia-volta, meus pés andavam por conta própria.

Encarei o céu pálido, não anoiteceria ainda. Eu estaria segura. Devoradores de Alma só costumam caçar a noite. Então se eu voltasse antes que a negridão dominasse aquele branco leitoso que agora era o céu, eu ficaria bem.

E assim, eu embrenhei-me na floresta, percorrendo-a como uma louca. E meu destino era apenas um: a antiga fábrica de laticínios, onde o segundo suicídio fora cometido.

Meus pés roçavam o chão de terra fofa, eu precisava ser rápida. Eu podia reconhecer cada pedaço daquela trilha. Depois de decorar aquele caminho tantas vezes, depois de visitar meu amigo Tobi tantas vezes, e mesmo após tantos anos, eu ainda podia chegar até aquele lugar de olhos vendados.

Eu tentava ignorar as lembranças sombrias que lutavam desesperadamente para tomar meus pensamentos. Eu apertava meus olhos, cerrava meus punhos e continuava minha corrida. Mas era impossível, inevitável, e logo elas transbordaram, preenchendo minha mente confusa.

A garotinha movia-se bem a minha frente, girando, saltando, os cabelos negros esvoaçavam ao vento e ela ria, enquanto girava sobre os próprios calcanhares.

- Pare. – sussurrei para mim mesma. – Por favor. – e cerrei meus olhos, esperançando que assim que os abrisse novamente, a garotinha, o meu eu pequeno desapareceria.

Cessei minha corrida, estacando no meio da floresta fria e inabitada. E enquanto eu sentia o vento gélido chicotear minha face, enquanto os sons da floresta ao meu redor desapareciam, dando lugar ao silêncio mortal, eu senti aquele peso ser retirado de cima de mim e eu pude finalmente respirar.

Quando abri meus olhos novamente, a visão da imensa estrutura de concreto e tijolos preencheu meus pensamentos. Incrível. Ela estava exatamente como eu a havia visto da última vez. As paredes decadentes, a tinta completamente descascada, expondo as feridas que o tempo causara a aquela construção. O portão de grade estava um pouco torto, trancado pela imensa corrente e o cadeado. E as grades aprisionavam aquele monstro de concreto, cercando-os por todos os lados.

E o silêncio prevalecia ali, tornando aquele ambiente desconhecido e inóspito ainda mais apavorante e tenebroso. E mais uma vez, aquelas lembranças lutaram dentro de mim, tentando libertar-se do cativeiro aonde eu as havia aprisionado. Um espaço tão escuro que eu mantive afastado de mim por onze longos anos. Mas, estando ali novamente, seria eu capaz de continuar mantendo-as assim?

Aproximei-me da grade entortada pelo tempo, enferrujada, abaixei-me, usando minhas mãos para afastar as duas extremidades, e passando meu corpo pela pequena fissura que eu mesma criara, eu adentrei.

Aquela fábrica estava abandonada há mais de três décadas, quando a companhia de alimentos que era dona dela, foi à falência. Pelo pouco que sabia, alguns jovens ainda usavam o prédio para consumir drogas, alguns andarilhos ainda dormiam nele de vez em quando, mas hoje ele parece estar completamente vazio.

Avancei, passo por passo, cruzando o imenso pátio da fábrica e deparei-me com a imensa porta de ferro. Retirei minha mochila, deixando que ela tombasse no chão de concreto.

Minhas mãos procuraram pela imensa fechadura e a puxaram em um só golpe, enquanto que a imensa chapa de ferro enferrujada recuava, revelando o interior do prédio principal.

O metal raspou no chão, guinchando, produzindo um som metálico que permeou meus ouvidos e rompeu o silêncio instaurado ali.

A luz incidiu por todo o ambiente, banhando as paredes descascadas e decadentes, vencendo a negridão.

Deixei que meus olhos vagassem pela estrutura interna do prédio principal. As escadas de ferro, levando ao segundo piso, completamente enferrujadas. As máquinas apodrecendo ali lentamente, completamente esquecidas. Os enormes tonéis, agora vazios e empoeirados.

E um pouco receosa, temendo desesperadamente que aquelas lembranças voltassem a me dominar, eu adentrei. E foi exatamente como eu havia previsto, elas tomaram-me, perseguiram-me naquele instante. E eu simplesmente não consegui mais contê-las, elas simplesmente banharam minha mente, transbordaram meus pensamentos, e preencheram meus olhos com as lembranças negras e soturnas daquela noite...

“Um clarão rasgou o céu negro e tempestuoso, iluminando pelo menor dos segundos o prédio velho e acabado no qual eu me encontrava. O forte estrondo que se seguiu doeu em meus tímpanos, sobressaltando-me.

Escondi minha face nos pêlos caramelos e macios de Tobi, abafando um grito. Eu estava com tanto frio que todo o meu corpo tremulava, em espasmos violentos e angustiantes.

Meus dentes chocavam-se com violência uns contra os outros. E quando outro estrondo violento estremeceu as estruturas das paredes de tijolos e concreto, eu aconcheguei-me ainda mais em Tobi, abraçando-o.

Tobi virou seu focinho para mim, farejando-me, enquanto gania baixo.

- Eu sei – sussurrei para ele -, também estou com medo, mas não quero voltar para casa. Não quero mais brigar com a mamãe, então é melhor que ela não me veja mais.

Ele latiu em resposta, e eu sorri.

- Seremos somente você e eu agora, parceiro.

Pulei quando outro estrondo permeou meus ouvidos e sacudiu a estrutura do prédio.

- Se ao menos essa tempestade passasse. – sussurrei para mim mesma.

O vento lá fora chicoteava os galhos das árvores, castigando-as de forma pavorosa.

Aconcheguei-me mais a Tobi, tentando de qualquer forma aquecer meu corpo. Eu estava tão fria.

Recostei minha cabeça ao pêlo macio dele e cerrei meus olhos, esperando fazer com o que o sono chegasse, mas antes mesmo que pudesse sequer tentar cair no sono, um rosnado despertou-me.

Levantei minha cabeça, desconfiada. Eu estava alucinando?

O rosnado ecoou novamente pelo prédio, chegando até meus ouvidos. Arregalei meus olhos. Tobi estava tenso ao meu lado, ele rosnava baixo, os dentes à mostra.

- Tobi, o que foi garoto? – perguntei a ele, mas Tobi manteve-se tenso, encarando um ponto negro, ocultado pelas sombras noturnas.

Levantei-me do chão, em choque. Sons de patas roçando no chão de concreto deixaram-me completamente apavorada. E enquanto o rosnado estranho seguia-se, Tobi latia ao meu lado, furioso, a fera finalmente revelou-se das sombras...

Vi as patas longas, as garras afiadas, a cauda peluda, o dorso alongado, o focinho longo e fino, os olhos negros e raivosos, a fileira de dentes afiados à mostra, as orelhas pontudas erguidas e a pelagem cinza-escuro.

Era um lobo.

Tobi avançou, postando-se a minha frente, enquanto eu recuava assustada, encostando-me à parede.

Encarei, completamente petrificada o embate de rosnados entre o lobo assustador e meu amigo Tobi.

Desesperei-me imediatamente, o lobo devia ter o dobro do tamanho de Tobi.

E quando o lobo voltou sua atenção para mim, encarando-me com seus olhos negros e sisnistros, Tobi rosnou alto, latindo, e então avançou na direção do lobo.

Dei um berro quando ambos chocaram-se, o lobo saltou na direção de Tobi, e seus dentes imediatamente trataram de procurar o pescoço de meu amigo.

Tobi esquivou e revidou, tentando abocanhar o lobo também. O animal mostrou-se ágil e veloz, circulou Tobi, analisando-o com seus olhos estreitados.

Tobi permaneceu rígido, apenas aguardando, e então a fera avançou novamente. Rosnando alto, o lobo partiu para cima de Tobi e abocanhou sua pata, mordendo-a.

Ouvi o grito desesperado de meu amigo e cerrei meus olhos. Depois outro grito eclodira, dessa vez mais áspero, mais selvagem. Ousei abrir meus olhos e vi Tobi morder o focinho do lobo, arrancando vários filetes de sangue.

Depois o lobo recuava, retomando a posição defensiva enquanto Tobi mancava de uma das patas. E um peso enorme pareceu ter sido colocado sobre mim, o desespero dominou-me e eu não sabia como reagir. Não sabia se devia me meter no embate, mas se eu permanecesse ali, parada, podia perder meu amigo! Mas o que eu, uma garotinha frágil e inútil, podia fazer?

O lobo rosnou novamente, trazendo-me de volta a terra, e então já era tarde demais, a fera avançou contra Tobi novamente, e seu bote foi certeiro, Tobi como estava manco, não conseguiu desviar a tempo e apenas recebeu o golpe da fera.

O lobo cravou seus dentes afiados no pescoço de meu amigo, e pressionou a mandíbula na carne, arrancando vários gritos desesperados de Tobi, que lutava para se libertar.

- Não! – gritei, mas já era tarde.

Vi a fera sanguinária torcer o pescoço de meu amigo com os dentes e derrubá-lo completamente inerte no chão. Ele voltou sua face para mim, o focinho estava coberto de sangue, ele pingava de seus pêlos, tingindo-os de carmim.

Deslizei de costas pela parede, sentando-me no chão, completamente sem forças. Vislumbrei o lobo mover-se, movimentando suas patas, enquanto caminhava em minha direção.

Mas não me preocupei em fugir. Eu apenas permanecia ali, completamente desolada, os olhos esbugalhados e brilhantes, os lábios entreabertos, enquanto um nó formava-se em minha garganta.

Meus olhos ardiam, mas por quê? Eu não entendia. Não compreendia aquilo. Mas mesmo assim, não conseguia evitar. Fitei o corpo estirado no chão uma última vez. Não havia qualquer vestígio de vida. Aquela fera o havia tomado de mim. Aquela fera havia ferido meu amigo.

Eu tinha consciência do lobo caminhando em minha direção, mas não conseguia reagir. Nem mesmo quando o som de tiros permeou meus ouvidos. Sim, tiros.

E o lobo recuava apressadamente, deixando o local.

Uma figura surgiu diante de meus olhos, o delegado Percy, em posse de sua pistola. Então ele havia atirado para afugentar o lobo.

Ele fitou-me, parecia preocupado. Mas eu ainda estava em choque e não conseguia responder-lhe à altura. E um grito de alívio atingiu meus tímpanos em cheio. E aquela voz eu reconheceria em qualquer lugar. Era minha mãe.

Mas nem mesmo isso me fez sair do transe.

Braços quentes envolveram-me, erguendo-me do chão. Eu senti o cheiro do xampu predileto de minha mãe, o cheiro de sua pele. E fechei meus olhos, enquanto ela caminhava comigo em seus braços, aninhando-me, protegendo-me, e eu sacolejava em seus braços quentes e confortantes.

Ela murmurava algo em meu ouvido e se derramava em lágrimas. Mas eu só despertei, eu só voltei para o meu corpo, quando meus olhos focalizaram o pequeno corpo estirado no chão, sem vida, completamente imóvel.

Tobi...

Minha mão esticou-se, tentando alcançá-lo. Mas foi em vão, ele se distanciava de mim cada vez mais. E eu o perdia de vista. O desespero tomou posse de mim mais uma vez. Eu tentei gritar, eu tentei dizer a minha mãe que voltasse, que me deixasse ficar com ele. Mas minha voz falhava, eu não conseguia encontrá-la e meus olhos ainda ardiam de uma forma estranha.

E eu tentei, tentei, tentei, tentei até que meus olhos não pudessem mais vislumbrá-lo, e ele ficou para trás, enquanto eu seguia, enquanto eu continuava, sem meu amigo, sem Tobi...”

Abri meus olhos novamente, as lembranças já escapavam de meus pensamentos. E eu voltei para o presente.

Ao final, tudo o que eu pude fazer por Tobi fora enterrá-lo.

E essas lembranças até hoje me assombram. Max não foi o primeiro amigo que perdi.

Decidi afugentar o restante dessas amargas lembranças e continuar vasculhando o prédio, procurando por alguma pista que pudesse me ajudar a desvendar o que raios estava havendo naquela cidade.

Um pouco hesitante, avancei. Meus olhos varriam aquele lugar, observando as cicatrizes deixadas pelo tempo naquela construção.

Uma pena que eu não tivesse uma lanterna comigo agora.

O silêncio presente ali era de arrepiar.

Continuei vasculhando cada centímetro daquele prédio, até que enquanto circulava um dos imensos tonéis abandonados, deparei-me com o que estava procurando.

Estaquei diante da parede dos fundos, ela era exatamente como as outras: descascada, velha, repleta de rachaduras, porém, o que se destacava nela com certeza e a diferenciava das demais eram as manchas em vermelho sangue, os contornos trêmulos e assustadores.

Li uma por uma cada palavra, mas elas diziam o mesmo que eu já sabia, os cinco dias sem nome, o Wayeb, apocalipse, destruição, mas algo chamou a minha atenção, os cinco sacrifícios.

Ninguém havia mencionado sobre isso ainda. Mas já era um começo.

Então seriam cinco sacrifícios, se Becki fora a primeira, e o andarilho o segundo, então ainda restavam três.

Eu precisava ser rápida, precisava descobrir o que estava havendo, e tinha de fazer isso logo.

- Os cinco sacrifícios do Wayeb. – murmurei para mim mesma.

Estava preste a deixar aquele local, meu pé apenas ameaçou virar, roçando no chão empoeirado e desgastado, quando um som sobressaltou-me.

E eu podia reconhecê-lo muito bem.

O som de um rosnado.

Meu coração acelerou no mesmo instante, eu respirava com dificuldade.

Lentamente, eu comecei a me virar para trás, desesperada, temerosa.

Um arrepio percorreu a minha espinha. E quando eu enfim pude focalizar aquilo que havia emitido o som, eu arfei.

Não era um, eram vários.

Lobos.

Reconheci as patas longas e finas, o dorso comprido, o focinho fino, a pelagem, os dentes afiados à mostra, e os olhos...

Havia algo de estranho com aqueles lobos. Seus olhos estavam completamente tomados pela negridão. Se eu pudesse fazer uma comparação, certamente faria com um Escravo das Sombras.

Vi os lobos postarem-se um lado do outro, em uma formação perfeita.

Eram cinco.

Recuei, receosa, medindo meus passos. Respirando lentamente.

Mas parecia não haver saída para mim.

Mais uma vez, eu estava encurralada pela Morte. Completamente sem saída e talvez, ninguém pudesse me salvar dessa vez.


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Notas finais do capítulo

Ahhhh e então o que acharam?

Tobi is gone! OMG! Pobrezinho... morreu defendendo a Agatha!

E um pouco dos cinco dias sem nome já foram revelados. Isso existe mesmo na cultura Maia, mas eu farei algumas modificações para encaixar na trama de Sillentya.

Mas e agora? Quem salva a Agatha? Algum chute?

rsrsrsrsrs... Hummmmm semana que vem começam as minhas provas finais, ou seja, eu ficarei bem lenta para escrever!

Fora que depois eu vou ter que começar a estudar para o vestibular... OMG! Torçam por mim, pelo amor de Deus!

Quanto a verdade sobre a Agatha, don't worry, ela virá na hora certa e quando menos esperarem, mas até lá, eu peço, sejam pacientes! Eu não posso mudar a ordem dos fatos, se não eu perco tudo! OMG!

Mas enfim, próximo cap., alguém retorna e... Eu finalmente revelo o nome do novo aliado da Agatha! hahahaha

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Beijos!