Saga Sillentya: Lágrimas da Alma escrita por Sunshine girl


Capítulo 14
XIII - Lembranças de um Passado Distante


Notas iniciais do capítulo

Hello!

Postando mais um cap.! Quem recomendou a música fofíssima foi a Yris, obrigada mesmo!

Boa Leitura!



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Capítulo XIII – Lembranças de um Passado Distante

“Perto de você, estou me curando,

Mas está demorando tanto

Porque embora ele tenha ido

E você seja maravilhoso

É difícil seguir em frente

Mas, estou melhor perto de você”.

(A Fine Frenzy – Near To You)

A criatura ainda se encontrava ereta, a postura rígida, como o imponente caçador diante de sua caça. Ela estreitou seus olhos negros, preparando-se para saltar, encolhi-me no chão repleto de neve, desejando que apenas terminasse logo.

Ela saltou, porém, antes que pudesse sequer chegar perto de mim, uma sombra moveu-se, agitando o ar frio ao meu redor, postou-se diante de minha figura atordoada naquele chão, e segurou nos braços da criatura, que se debatia contra o aperto esmagador de meu salvador.

A criatura tentou resistir, agarrou-se a Christian com todas as suas forças, e um grito pavoroso eclodiu de sua garganta. Ela fincou as unhas no pulso dele, mas Christian em um movimento sutil e ágil golpeou-a com tanta força que a fez voar para trás, tombando no chão branco como papel e lançando neve para todos os lados.

A criatura permaneceu por mais alguns segundos no chão, antes de se levantar com habilidade e curvar seu dorso, rosnando alto para o meu protetor. Olhei para a figura que havia interferido em minha morte.

Encarei suas costas, mesmo diante de uma criatura assustadora quanto aquela, ele não demonstrava medo, nem respeito, apenas... Deboche. Isso era tão típico dele.

Revirei meus olhos, e ajeitei-me no meio de tanta neve, enquanto via Christian enfiar as mãos no bolso, despreocupadamente. A criatura sibilou através dos dentes trincados, mas preferiu não arriscar, moveu-se como um fantasma, lançando-se em direção ao bosque que rodeava o prédio da escola, a mais ou menos, trinta metros.

Christian não a impediu, ele não me parecia nem um pouco preocupado por permitir que uma criatura como aquela fugisse. Aliás, por que ela fugira daquela maneira nem mesmo eu pude entender.

Foi exatamente como na noite em que ele salvou-me pela primeira vez, os Devoradores de Almas o temiam, até Escravos das Sombras com mais de cinqüenta anos o respeitavam. Por que eu era a única que não sentia aquela sua aura tão ameaçadora?

Ele virou-se para mim, um sorriso nos lábios e eu bufei, soltando uma densa fumaça branca através dos lábios. Não queria admitir, mas estava congelando ali.

Ele estendeu a sua mão, gentilmente, e eu, mesmo vacilante, a peguei. Ele puxou-me, levantando-me daquele chão e então me colocou debaixo do abrigo de seus braços, levando-me de volta para o prédio da escola.

Foi só então que me dei conta de algo: Tamara, Peter e a senhora Alisson, como estariam?

Assim que adentrei debaixo do abrigo do prédio, corri em direção à biblioteca, deparando-me com um Peter meio preocupado, mas nada apavorado, então ela deveria estar bem, ou pelo menos, algo perto disso.

- Onde ela está? – perguntei a ele, sentindo meu coração martelar violentamente em meu peito.

Mas Peter deu de ombros, e o alívio inundou-me naquele instante.

- Ela está lá dentro, com a senhora Alisson, parece que ambas passaram mal e perderam a consciência, mas já voltaram e estão muito bem.

Levei minha mão ao meu seio, soltando todo o ar que havia prendido.

- Onde você foi? – perguntou-me ele, tirando-me de meus devaneios e de minha paz e tranqüilidade momentânea – Quando encontrei o zelador, as luzes voltaram todas sozinhas, isso foi muito estranho...

- Eu... – hesitei, devia contar a ele a verdade?

- Ela estava comigo. – intrometeu-se uma voz, que eu reconhecia muito bem, vi Peter enrijecer no mesmo instante, mas ele simplesmente preferiu ignorá-lo, sábia decisão.

Olhei para o lado, vendo a figura relaxada de Christian esboçar um sorrisinho quando viu que Peter ainda se lembrava da última surra que tomara. O repreendi com os olhos, ele que não ousasse iniciar uma luta ali e agora, mas ele deu de ombros e fez pouco caso de minha reprovação.

Dirigi-me até a biblioteca, vendo que a senhora Alisson acudia Tamara, que me parecia meio pálida. Eu havia imaginado tropeçar em seu corpo? Talvez.

Ela entregou um copo de água a Tamara, que bebeu avidamente seu conteúdo. Aproximei-me dela um pouco receosa, mas ela sorriu-me, retirando todos os meus temores e desconfianças e lançando-os para bem longe de mim.

- Você está... bem? – perguntei a ela.

Ela abriu um sorriso zombeteiro, como se não tivesse entendido minha pergunta.

- Claro, por que não estaria? Foi apenas um desmaio, Agatha, nada de mais.

- Claro, só um desmaio... – repeti para mim mesma, cerrando os olhos e inspirando lentamente.

Será que ela não se lembrava de absolutamente nada? Havia coisas ali que não estavam encaixando-se, definitivamente, mas decidi banir essas suspeitas de minha mente atordoada e fértil, meus amigos estavam bem, eu estava bem, ninguém havia sido ferido por seja lá o que for aquela coisa...

Então, tudo poderia voltar ao normal, ou pelo menos, a como costumava ser.

Tamara revirou os olhos verdes, debochando de minha expressão preocupada.

- É sério, Agatha, eu estou perfeitamente bem!

- Tudo bem... – sussurrei e espalmei as mãos, se ela dizia que estava tudo bem, perfeito.

Deixei a sala com uma sensação estranha, como se estivesse deixando algo crucial escapar. Como se algo importante estivesse sendo deixado de lado.

Sacudi minha cabeça e afugentei esses pensamentos, definitivamente eu estava ficando paranóica, vendo conspiração em todos os lugares.

Cruzei com Christian novamente no corredor, e ele, gentilmente, ofereceu-se para me levar até minha casa. Não recusei sua oferta, eu estava morrendo de medo de cruzar com aquela criatura outra vez, e estremeci ao lembrar-me dela.

Caminhamos debaixo de toda aquela neve, que ainda despencava do céu leitoso, recobrindo as ruas, as calçadas, tornando todo aquele ambiente ainda mais assustador...

Cruzei meus braços, tentando apaziguar todo aquele frio, minha respiração ainda era uma densa fumaça branca. Mas, fiquei realmente surpresa ao ver Christian retirar sua jaqueta e colocar sobre os meus ombros, permanecendo apenas com um suéter marfim de gola V.

Fitei-o de soslaio, e imediatamente senti-me mais aquecida, de alguma forma, reconfortada. Era estranho o que a simples e mera presença dele fazia a mim. Eu não me sentia mais tão só. Não era como ter Aidan ao meu lado, mas de certa forma, aliviava toda a dor que a partida dele causara a mim.

Ajeitei a jaqueta que ele havia colocado sobre os meus ombros, e segui ao seu lado, caminhei com ele através daquelas ruas recobertas de neve.

Quando chegamos a minha casa, eu tateei meus bolsos à procura das chaves da porta da frente. Encontrei-a, encaixei na fechadura e girei, abrindo-a.

Espiei a sala silenciosa, mas não havia ninguém.

- Mãe? – chamei, já retirando a alça de minha bolsa dos ombros e deixando que ela quicasse no chão. Não houve resposta, isso significava que minha mãe ainda deveria estar na loja.

Suspirei, e adentrei no ambiente mortalmente silencioso. Depois, só tive tempo de me virar e ver Christian irrompendo pela sala e fechando a porta atrás de si. Dei uma risada curta, o que despertou sua curiosidade. Tratei de me explicar imediatamente.

- Em qualquer dia comum, eu te colocaria para fora, mas como você me salvou hoje, acho que tem direito a alguns minutos.

Ele ergueu as sobrancelhas, entrando no jogo.

- Apenas alguns minutos?

Assenti com um gesto com a cabeça, e então me lembrei de retirar sua jaqueta e devolvê-la a ele. Aproximei-me com um sorriso nos lábios de sua figura presunçosa, mas estaquei, deixando que o sorriso morresse em meus lábios assim que vi o líquido carmim escorrer através de seu braço direito, pingando no assoalho, e então me lembrei, a criatura o havia arranhado, ficando suas unhas em sua pele.

Joguei a jaqueta no sofá, e peguei em seu braço ferido, ele pareceu não entender minha atitude, mas também não tentou contestar-me.

- Você está sangrando – murmurei, avaliando o trajeto do líquido carmim, ao que me parecia, o ferimento estava na parte interna de seu antebraço -, espere aqui, pegarei algo para limpar essa ferida.

Não me importei com o que ele acharia de toda aquela minha preocupação repentina com ele. Eu só sabia, que mais tarde, provavelmente, ia arrepender-me disso.

Subi as escadas e entrei no pequeno banheiro, revirei um pequeno armarinho abaixo da pia até encontrar uma caixa de madeira velha, que eu levei comigo para baixo novamente.

Christian continuava no mesmo local onde eu o havia deixado, e um sorriso zombeteiro moldava seus lábios. Coloquei a pequena caixa em cima da mesa de centro, abri-a, retirando de lá o algodão e um vidrinho com água. Molhei o algodão e aproximei-me dele, ainda um pouco relutante.

Ele riu baixo de meu constrangimento e de minha relutância. Revirei os olhos e peguei de uma vez em seu pulso.

- Você tem certeza de que quer fazer isso? – perguntou-me ele, sarcasticamente.

- Fique quieto e não se mexa. – pedi-lhe, já erguendo a manga de seu suéter até seu cotovelo e virando seu braço, mas assim que o fiz, eu estaquei...

Meus dedos pareceram terem congelado na superfície plana e macia de sua pele, enquanto meus lábios escancaravam-se, e meus olhos permaneciam completamente incrédulos e pasmados diante do desenho na face interior de seu braço.

Inconscientemente, meus dedos acompanharam as linhas negras que se destacavam contra o fundo pálido de sua pele, dois círculos ocos, duas retas cruzando-os, alcançando suas extremidades, encontrando-se na esfera no centro do desenho.

Deixei que minha respiração fluísse de forma lenta através de meus lábios semi-abertos, enquanto eu ainda não conseguia absorver com eficácia o que aquele desenho significava exatamente.

Meu cérebro tentava processar, digerir a idéia, mas eu não estava obtendo muitos resultados. Engoli em seco, cerrando meus lábios, mordendo meu lábio inferior, e então travei uma batalha para reaver minha voz, perdida no meio de tanta confusão e incredulidade.

- Você... Você é um caçador...

Christian não me respondeu, elevei meus olhos até sua face, vendo que ele estreitara suas íris azuis como lápis, e uma fúria incontrolável nascera nelas, como uma chama devastadora.

- Você é um caçador. – repeti, dessa vez com mais convicção – Você pertence a Sillentya.

Sacudi a cabeça, esperançando talvez que eu estivesse tendo algum tipo de ilusão. Mas, era real. Aquilo estava realmente acontecendo. Christian sempre mostrara nutrir algum tipo de ressentimento em relação a Sillentya, mas eu jamais imaginei que algum dia ele pudesse tê-los servido.

- Não, Agatha – Christian pronunciou-se pela primeira vez, e eu notei a amargura e a dor em sua voz -, eu já fui um caçador, eu já servi Sillentya um dia, mas isso foi há muito tempo. Essa é uma época da minha vida que eu ainda tento apagar e esquecer.

- Você... desertou? – perguntei-lhe, minha voz falhando.

- Sim, eu desertei.

- Mas... Por quê?

Christian desviou os olhos azuis dos meus, sua face tombou para o lado, enquanto ele cerrava os próprios punhos, moendo seus ossos, e a fúria irradiava de todo o seu corpo, enrijecendo seus músculos e endurecendo seu rosto.

- Isso não vem ao caso agora. – murmurou ele, pondo fim ao assunto.

Não insisti, se ele desejasse abrir-se comigo, ele faria sem que eu tivesse que pressioná-lo. Contive minha curiosidade a respeito do passado dele, e agarrei seu pulso, fazendo-o virar-se para mim no mesmo instante.

- Ei, eu ainda não cuidei do seu ferimento.

Ele sorriu em resposta, cada vestígio da dor e da fúria que ainda pouco o dominavam, desaparecendo em um lindo e cativante sorriso. Puxei-o até o sofá, sentamo-nos, e eu logo tratei de limpar as pequenas – porém fundas – feridas na face interior de seu braço.

Com as feridas limpas, prendi uma pequena gaze no local, e assim que terminei o curativo ele puxou as mangas de seu suéter, cobrindo o desenho negro em sua pele tão alva quanto alabastro.

Ajeitei-me no sofá, inclinando-me na direção de Christian, ele repousou um dos braços de forma despreocupada no encosto do sofá.

- Christian, o que exatamente era aquela coisa? Não me parecia um Escravo das Sombras comum.

- E não era – respondeu-me ele -, o espírito que possuiu o corpo daquela mulher, há mais cinqüenta anos, é o mesmo espírito que está escolhendo os sacrifícios do Wayeb.

Minha voz falhou, e eu quase engasguei com minhas próprias palavras.

- O quê? Você está dizendo que aquela... Coisa asquerosa está selecionando as pessoas para os sacrifícios?

Não pareceu haver qualquer vacilo, ou falta de convicção no que Christian dizia.

- Sim.

- Isso é... estranho. – consegui sussurrar, ainda pasmada e completamente incrédula de que fosse aquela criatura quem estivesse escolhendo os sacrifícios do Wayeb.

- Você tem razão. – murmurou ele, sorrindo novamente.

Encarei-o, um pouco desconfiada. E só então notei a forma como seus músculos estavam escondidos sobre o suéter, músculos alongados em seus braços, seu peitoral era um tanto largo, mas ainda assim, de arrancar o fôlego de qualquer uma.

Vi-me encarando-o com uma intensidade fora do comum. Claro que eu já sabia que ele era absolutamente lindo, aliás, eu apostava que até mesmo alguém com sérios problemas de visão veria isso.

Mas, naquela tarde, eu o enxergava de uma maneira diferente. E meus olhos podiam captar detalhes que antes passaram despercebidos por mim, como a curva suave de seus lábios, a linha de seu queixo, como seu cabelo negro era brilhante e sedoso. E a forma como seus olhos brilhavam, como um oceano de águas tão serenas e límpidas, de águas cristalinas e tão envolventes.

Vi quando ele levantou-se do sofá, e eu o segui. Christian vestiu sua jaqueta novamente, caminhou até a porta da frente, abriu-a, e saiu. Segui-o, já me preparando para me despedir de sua figura. Ele estacou na soleira, fixando seus olhos na cascata branca que ainda se derramava por toda a cidade, acumulando-se no chão, tornando todo o cenário branco e mortalmente gélido.

Ele colocou as mãos nos bolsos, e virou-se para mim, os olhos azuis procurando pelos meus com aquela mesma necessidade de outrora, aquela necessidade quase desoladora de olhar para mim, e tentar encontrar talvez, um pouco de sua Caroline.

Ele deu alguns passos na minha direção, estacando a apenas alguns centímetros. Retirou uma das mãos do bolso e muito que suavemente, ergueu-a, acariciando minha face novamente. E mais uma vez, eu não tive qualquer reação. Era como se debaixo de seus toques eu não tivesse vida, eu congelasse instantaneamente.

Era como se seus toques, ou as pontas de seus dedos contivessem algo que me deixavam completamente petrificada, eu mal respirava. Ele curvou-se novamente, e como no dia anterior, depositou um beijo em minha bochecha, sorvendo novamente o cheiro de minha pele, mas dessa vez, com mais intensidade.

- Estarei por perto... - sussurrou ele, os lábios próximos a minha orelha, e um arrepio percorreu todo o meu corpo naquele instante.

Ele afastou-se, antes mesmo que eu pudesse esboçar algo, virou-se e começou a caminhar na direção contrária a minha, desaparecendo brevemente na cascata branca e gelada que se derramava sobre South Hooksett.

Não tenho certeza de quanto tempo exatamente fiquei a observá-lo, mas, pude ter certeza de algo; aquilo estava óbvio para mim. A presença de Christian fazia bem a mim, perto dele eu não estava tão... só.

Cruzei meus braços novamente, sentindo meu corpo tremular devido ao frio. E então, retornei para dentro do aconchego de minha casa, mas, foi impossível conter o reflexo de olhar uma última vez para a densa cascata branca, e meus olhos ainda tentaram visualizar sua figura solitária caminhando pela calçada deserta de forma despreocupada.

E então fechei a porta...

O tempo passou, as semanas voaram depois daquele dia. Embora a neve ainda caísse e se derramasse sobre a minúscula cidade de South Hooksett, e as temperaturas não tivessem amenizado nem mesmo um grau sequer, a chegada do natal tratava de aquietar o coração dos moradores, concedendo-lhes paz de espírito e alegria.

Era 23 de dezembro, uma tarde gelada e ainda repleta de neve. Tamara por várias tentara convencer-me a participar de uma guerra de bolas de neve, mas eu recusara-me. Não tinha cabeça para aquilo no momento.

Amanhã seria véspera de Natal e minha mãe, como em todos os anos, prepararia uma ceia, só que dessa vez, teríamos John também, o que causava um imenso alívio em mim. Seria bom ter mais uma pessoa à mesa, e não apenas nós duas, sentadas uma de frente para a outra, envoltas em um silêncio constrangedor.

Naquela tarde, enquanto minha mãe ainda se encontrava na loja, Christian aparecera, em uma visita surpresa e repentina, que acabou por me chocar, eu devo admitir.

Ele só aparecera até agora em momentos convenientes, quando minha vida corria perigo, mais precisamente, mas nessas semanas que se sucederam, nós dois havíamos nos tornados mais próximos de alguma maneira.

Aliás, depois da aparição daquela criatura assombrosa, as coisas aquietaram-se em South Hooksett, tudo voltava à normalidade, tudo voltava a ser monótono e tedioso. Mas, era esse silêncio que me apavorava.

Se havia algo que eu tinha aprendido, é que quando a Quimera adormece por algum período indeterminado e longo como esse, quando desperta, ela torna-se ainda mais furiosa e desejosa por sangue e carnificina.

Fixei meus olhos no horizonte, vendo a densa cascata branca despencar do céu leitoso e pousar sobre os montinhos brancos, espalhados por todo aquele local. Limpa-neves já haviam liberado as ruas para o tráfego de carros hoje pela manhã. Embora elas estivessem extremamente escorregadias e perigosas para qualquer um que tentasse aventurar-se.

Ajeitei o gorro em minha cabeça, a temperatura agora devia aproximar-se dos 32º Fahrenheit. Estava realmente muito frio naquele dia.

Estávamos sentados na pequena varanda, nos fundos de minha casa. Observando a neve acumular-se no quintal. Repousei o queixo nos joelhos, abraçando minhas próprias pernas e fitei Christian pelo canto dos olhos. Ele parecia imerso em seus próprios pensamentos, completamente absorto e alheio a tudo o que estava acontecendo ao seu redor.

- Christian? – chamei-o, tirando-o de seus devaneios, e os olhos azuis pousaram sobre a minha face no mesmo instante. Ele sorriu, estreitou suavemente seus olhos e fixou-os no nada novamente.

- O que foi? – perguntou-me ele, ainda com o rosto virado para frente.

Meus lábios entreabriram-se, e uma densa fumaça branca escapou deles. Minhas mãos, envoltas nas luvas apertaram umas as outras. E eu hesitei...

- Como... Como exatamente era Caroline? – consegui perguntar-lhe, despertando um sorriso em seus lábios, imaginei que ele adoraria falar-me de sua amada.

- Ela era... – ele riu, interrompendo-se, sacudiu a cabeça, baixou os olhos até as tábuas de madeira pregadas uma ao lado da outra daquela varanda e então finalmente falou – Ela era a garota mais doce, sensível, engraçada e corajosa que eu já vira.

Ao terminar sua frase, ele fitou-me, os olhos cintilando, como duas pedras de lápis-lazúli, pelo visto, lembrar de sua amada causava uma euforia e um orgulho incontido dentro de seu coração solitário. Ele sorriu-me novamente e prosseguiu.

- Eu a conheci há oitenta anos atrás, a década de 30 estava no auge de todo o seu esplendor. Era inverno em Chicago, e eu me lembro até hoje do dia em que a vi pela primeira vez. Ela era atriz.

Deixei que a confusão tingisse todo o meu semblante naquele instante.

- Caroline era atriz? – repeti, chocada e ao mesmo tempo, deslumbrada com a figura que surgira em minha mente. Uma moça jovem, trajando vestimentas típicas daquela época, os cabelos curtos e encaracolados, apresentando-se em um palco e sendo gloriosamente aplaudida.

Christian riu, trazendo-me de volta à realidade.

- Ela trabalhava no teatro de Chicago, e a forma como ela se apresentava no palco, tão destemida e confiante. Caroline Monroe, esse era o nome dela, logo conquistou o seu próprio público, legiões de fãs e admiradores – ele virou-se para mim novamente, lançando-me uma piscadela -, e é claro que eu era um deles.

- O que você fazia em Chicago? – perguntei a ele, mas arrependi-me imediatamente, o sorriso morreu em seus lábios, os olhos baixaram, tristonhos, até os flocos de neve que se acumulavam em meu quintal. E ainda com eles fixados no montinho branco, ele respondeu-me.

- Eu estava em uma missão... para Sillentya.

- Ah entendi. – sussurrei, encerrando aquele assunto, e então decidi iniciar outro que não lhe causaria tamanha dor e desconforto – Mas como exatamente ela era?

O sorriso brotou no canto de seus lábios novamente, enquanto os olhos faiscavam em um brilho azul fascinante, tão belo.

- Vocês duas têm muito em comum, como esses olhos negros e profundos – disse-me ele, fitando-me, o rosto totalmente inclinado na minha direção, e por alguns instantes eu perdi o fio do pensamento -, e essa chama tão encantadora que queima dentro deles – prosseguiu ele -, mas, Caroline possuía cabelos castanhos-avermelhados, cacheados e na altura dos ombros. Embora, ela fosse tão pálida quanto você. – ele encerrou, com um riso leve que me fez sorrir imediatamente.

Christian fez uma curta pausa, soltando um longo suspiro, e com os olhos fixados no nada, prosseguiu em seu discurso.

- Mas, depois que eu a vi pela primeira vez, sabia que jamais voltaria a ser o mesmo. Ela mudou a forma de como eu via e sentia tudo. Ela abriu os meus olhos para a verdade. Ela tornou-me uma pessoa melhor. E eu devo tanto a ela...

- Você ainda não superou o fato de tê-la perdido, não é? – conjeturei, embora estivesse evidente em seus olhos que ele jamais superaria a perda de sua amada.

- Não, eu acredito que jamais superarei essa dor.

Aproximei-me de sua figura e minha mão repousou em seu ombro direito, confortando-o.

- Ei, eu sei como se sente.

- Eu sei disso. – confessou-me ele, prontamente, o que me deixou completamente aturdida.

- O quê? – repeti, incapaz de processar o que ele havia acabado de me dizer. Mas, seus olhos azuis não vacilaram, pelo contrário, demonstraram certeza absoluta no que me dizia.

- Eu sei que você também perdeu aquele... Aquele a quem amava. Eu sei que ele te deixou para voltar para Sillentya.

- Co-como você pode saber? – eu arfei, ainda sentindo que o choque e a confusão moldavam minhas feições.

- Acredite em mim – pediu-me ele -, eu apenas sei. E ele deve ser o cara mais idiota do mundo por deixar uma garota como você para voltar para aquela corja de Sillentya.

Pisquei, atônita, tentando entender o que ele havia me dito, mas fui incapaz de compreender suas palavras, então decidi deixar de lado. Havia muito sobre Christian que eu não compreendia ainda de qualquer maneira.

Voltei a fitar a densa cascata branca e gelada, fixando meus olhos nos floquinhos que despencavam, acumulando-se no chão. E uma idéia surgiu em minha mente naquele momento.

- Christian? – eu o chamei novamente – Você pretende passar o natal aonde?

Ele ergueu suas sobrancelhas, claramente não entendendo o motivo de minha pergunta.

- Por que está interessada nisso? – perguntou-me ele, os olhos levemente estreitados nas pontas.

- Apenas me responda. – pedi-lhe, dando de ombros.

- Sozinho, como sempre passei todos os outros, aliás, como sempre passei todas essas datas e feriados.

Eu ri um pouco de sua expressão confusa e azeda. O que o deixou ainda mais desconfiado do que eu pudesse estar planejando.

- Então, amanhã venha aqui em casa e passe o natal conosco. – pedi-lhe, ainda sorrindo.

- Está me convidando para participar de uma ceia na sua casa? – ele parecia ter dificuldade para digerir essa idéia.

Assenti com a cabeça, e isso causou uma crise de riso nele.

- Você está falando sério? – perguntou-me, querendo talvez se certificar de que eu não estivesse brincando com ele, mas eu me mantive completamente convicta no que dizia.

- Vai realmente me convidar para uma ceia de natal? – ele parecia precisar conferir até o último instante, e eu ri de sua expressão confusa.

- Qual o problema? – perguntei a ele – A não ser que tenha medo de conhecer minha mãe. – eu brinquei.

- Medo? Da sua mãe? – ele ria, mas se ele realmente a conhecesse, talvez devesse ter motivos para temê-la, assim como eu tenho até hoje.

- Então, o que me diz?

Ele cessou o riso, e por alguns instantes, pareceu-me lisonjeado pelo gentil convite.

- Estarei aqui. – prometeu-me ele, solenemente e depois nós dois rimos novamente.

Era tão bom estar na presença dele, rir com ele, algo que eu não fazia há tanto tempo...

Mas Christian parecia ser capaz de despertar dentro de mim, a velha Agatha, uma que ria por qualquer motivo, uma que acordava sorrindo todas as manhãs, e encontrava graça e beleza onde muitos não eram capazes de tal proeza.

A Agatha que eu aprendi a ser na companhia de Aidan. A Agatha que eu tornara-me na sua presença arrebatadora, e talvez, Christian fosse o único capaz de ressuscitá-la, o único capaz de trazer alegria, e alguns pouco resquícios, tênues, mas ainda assim esperançosos, dos raios de sol, que um dia predominaram no céu nublado e morto de minha vida, devolvendo a ele, o brilho e a esperança, reavivando a chama em meu coração solitário, e dando novos motivos para que ele continuasse a bater em meu peito...


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Notas finais do capítulo

rsrsrsrsrs... Esse Christian e essa Agatha não tem jeito!

E então o que acharam? Mais pistas sobre o passado dele surgiram... Mas a bomba realmente ainda está por vir!

E a Lilian ainda aprontará muito por aqui!(eca!) Agora, quem achou o comportamento da Tamara suspeito levanta a mão!
o/

Obrigada a Marta-Gabi por recomendar a fic!
Oinn obrigada, fofa!

E AGORA FALTAM OFICIALMENTE DOIS CAPÍTULOS PARA A VERDADE SOBRE A AGATHA! Ahhhhhhhhhhhhhhh! *surto* Aguenta coração!

Próximo cap, a ceia de natal, uma declaração chocante do Christian e uma decisão dele que deixará a pobre Agatha desolada!

Reviews??

Até a próxima!

Beijos!!!